06/09/05

De Lascaux a NY: uma breve história da arte ocidental, por Argonauta Tatuado

Há umas dezenas de milhares de anos alguém pintou às escuras animais selvagens nas inacessíveis grutas da Dordogne, como se fossem úteros. Assim tudo começou ou é, pelo menos, um bom começo. Pela presentificação plástica e simbólica da ausência se inicia um percurso de onde nascerá toda a metafísica, toda a teologia, toda a moral e todas as utopias. A existência declara-se insuficiente, a inexistência torna-se suposição e ganha forma, tal como o desejo pelo tempo se faz história. Os gregos esculpiram deuses com forma humana, monges irlandeses pintaram minuciosas iluminuras na superfície sagrada dos bíblicos pergaminhos como se fossem grutas paleolíticas. Villard de Honnecourt rabisca catedrais com paredes de vidro onde se narram histórias sagradas e coloridas, como se fosse BD. Desde os tempos dolménicos que somos nós a fazer grutas. É isto a arquitectura. As catedrais góticas, apontadas ao céu e cheias de luz como se fossem vítreos arranha-céus novaiorquinos, são as mais belas. A Sagrada Família é a mais bela das mais belas, pois que na sua incompletude estatutária remata o processo dolménico, fazendo com que o misticismo escolástico se equipare a uma fantasia que lembra a Disneylândia. Somos fazedores de espaço com a razão ou com o sonho. Seja pelo alargamento do espaço físico ou pela invenção do espaço simbólico. Por isso a invenção das leis da perspectiva é contemporânea de Galileu e das grandes viagens transoceânicas, tal como Einstein que desfez a imagem clássica do Universo é contemporâneo de Picasso que bidimensionando nos libertou da tirania renascentista. O caminho de Picasso leva-nos ao quadrado de Malevich, onde se nega todo o legado clássico: cor, profundidade, figura e técnica. Outro caminho, iniciado em Goya, supera o cânone racionalista libertando fantasias e subjectivando o mundo. Se o Renascimento inventou a ideia de génio, Pollock destruirá o mito pois que no dripping não há autoria porque não há consciência. Deste beco sairá Warhol reinventando a arte como objecto de consumo de massas e produção mecânica, até que Haring nos resgatou desta banalização irónica. Nas galerias subterrâneas do metropolitano de NY, a Lascaux americana dos finais do século XX, Keith Haring reactivou uma reminiscência original pintando graffitis pictográficos como quem pinta animais selvagens, devolvendo à arte o simbolismo primitivo e descobrindo depois em Grace Jones, que cobriu de adereços e pinturas neo-primitivistas transformando-a numa divindade totémica, uma essencialidade original que afinal nunca se perdeu, onde o corpo se revela outra vez como objecto e instrumento privilegiado da expressão artística. Como nunca deixou de ser e já era antes de Lascaux.

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