25/02/08

O Miguel Sousa Tavares Tá Gordo!, por Maigret

Há em Portugal um verdadeiro Caso Sousa Tavares. Durante anos o Miguel Sousa Tavares foi uma referência do livre pensamento em Portugal. Foi um colunista provocador e incómodo que afrontou os poderes e poderzinhos que se instalaram neste pobre país. Li com admiração muitos dos seus artigos: o homem não tinha medo, batia onde doía, afrontava os grandes, os interesses instalados. Vi-o atirar-se ao lóbi da construção civil, chamar pelo nome o crime que empreiteiros, autarcas e governos da república fizeram, primeiro ao Algarve, depois ao Alentejo e, por fim, a todo o litoral português. Vi-o indignar-se com a ganância dos campos de golfe numa região, o Algarve, onde a água escasseia até para as populações. Vi-o assanhado contra a indústria terceiro mundista da celulose no nosso país e contra a eucaliptização do território. Vi-o cascar sem dó nem piedade no autoritarismo e na arrogância cavaquista, principalmente no segundo mandato, e vi-o denunciar essa chusma de inúteis que pululam nas juventudes partidárias. Até o vi denunciar a corrupção instalada do financiamento dos grandes partidos!

Em suma, durante anos reconheci em Miguel Sousa Tavares um homem incómodo que se batia por causas nobres e denunciava a decadência de um país sem rumo. Infelizmente este Miguel Sousa Tavares já não existe. Em seu lugar está uma outra personagem – o homem, simplesmente engordou, está anafado por fora e por dentro. Vi-o um dia destes na TV e nem quis acreditar que aquela era a pessoa que me habituei a respeitar. Sousa Tavares faz lembrar aquela malta que era hippie nos anos 60 quando tinha 20 anos, mas que assim que teve a oportunidade de se agarrar a um tacho bem pago, tá a aproveitar que esta vida são dois dias e, como dizia a Teresa Guilherme, a maior filósofa portuguesa dos tempos modernos, «quem tem ética passa fome».

Hoje o Miguel Sousa Tavares Gordo já nada tem a ver com o Miguel Sousa Tavares do passado. Aburguesou-se! De voz incómoda que punha em causa o sistema, tornou-se o principal defensor do sistema. É ele o principal ideólogo do regime socratinista, o resquício de cérebro do governo mais acéfalo de que há memória em Portugal. Traindo o passado que lhe conferiu a credibilidade que ainda lhe resta junto de alguns incautos, Sousa Tavares especializou-se, em fazer apologias descabeladas e demagógicas dos interesses instituídos, da máquina política e do regime pê-esse em particular.

Passou anos a cascar na arrogância cavaquista; mas agora acha que o ingenheiro pinto de sousa não é arrogante nem prepotente, é firme… Criticou a falta de rigor do ensino neste país – mas acha que a forma como o primeiro-ministro tirou o malfadado curso de ingenheiro na UNI é exemplar. E acha correcta a avaliação dos professores em função das boas notas que dão aos alunos… Foi um exemplo vivo da acutilância do jornalismo; mas acha que o Público desce muito baixo quando, legitimamente, escrutina o duvidoso passado de um primeiro ministro que assinou projectos de outros autores, dezenas à bórliu, segundo o próprio… Não se pronuncia sobre o deficit democrático do país, ele que outrora se indignou com o episódio da ponte 25 de Abril... Agora nem pia quando a polícia identifica manifestantes que mais não fazem que apresentar os seus pontos de vista às câmaras da TV. Acha que a maioria absoluta (outrora considerada a fonte de todo o mal) dá legitimidade ilimitada ao governo para fazer como quer. Acha que os tribunais são uma força de bloqueio que não deixa governar um governo com maioria absoluta! E o que resta do ecologista preocupado com o Algarve que agora acha naturalíssima a instalação da co-incineração em plena área protegida do parque da Arrábida ou em cima da população de Souselas? Para ele o Apito Dourado é uma ficção, um vulgar «caso de pilha galinhas» (sic). No dizer de Sousa Tavares, o pinto da costa, os valentins, os agressores de Ricardo Bexiga, é tudo gente impoluta, no pasa nada… Em suma, Sousa Tavares tá gordo, aburguesou-se, habituou-se a viver à custa da credibilidade que soube conquistar no passado. Dantes fazia lembrar um forcado amador de Sanatrém daqueles que vão na frente e pegam o touro pelos cornos; agora é o gajo roliço e anafado que fica no fim da fila a puxar a cauda do touro... Do touro errado, claro.

Sousa Tavares é um acumulador de colunas de opinião. Talvez seja essa a razão de ter engordado tanto. Para além de se ter tornado um escritor de sucesso, escreve para a Bola, perorando semanalmente sobre uma matéria que ignora profundamente, o futebol. Tem uma coluna de bitaitada no Expresso e ainda vai à TVI mandar umas larachas... Só gostava de saber se este verdadeiro profissional liberal da atoarda desconta religiosamente os impostos que são devidos a tanta função. É que estamos a falar de espaços de opinião principescamente remunerados, acumulados em catadupa nos principais órgãos de comunicação social… Será que podemos saber quanto é que desconta este profissional da acumulação? Eu gostava de saber, não porque duvide do seu cumprimento, mas simplesmente porque queria ter uma ideia acerca de quanto vale em termos pecuniários um bom apologista do sistema. Dá-me a impressão que a coisa compensa e, assim como assim, pese embora o retrato cor de rosa dos socratinos deste país, ainda há tanto desempregado por aí…

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