Como é óbvio a dimensão da guerra civil que está agora a ocorrer nas ruas da capital helénica, já nos tinha feito pensar que os gregos não protestam só por causa da morte (grave, claro) de um jovem por um polícia. O caso em referência foi apenas o catalisador de uma enorme tensão que se acumulou, como nitroglicerina, no interior da sociedade grega. Afinal, porque protestam os gregos encabeçados por jovens universitários armados de pedras e cocktails molotofs?
Percorro as notícias dos vários jornais e ouço/leio algumas das razões dos protestos: a política anti-social do governo que agravou nos últimos anos o fosso entre ricos e pobres (como cá, penso...); o desemprego crescente (como cá); a corrupção dos políticos (como cá) e a ineficiência da Justiça que não pode ou não lhes quer chegar (como cá); a protecção descarada dada pelo Governo aos bancos atulhados de lucros (como cá) cujos balcões foram dos primeiros a ser atacados no centro de Atenas; o ataque à escola e as políticas de educação do governo (COMO CÁ!) - os professores gregos entraram numa greve de proporções inéditas recentemente. Durou meses- os docentes iam-se revesando para poderem aguentar; o desinvestimento no ensino superior (como cá) que levou estudantes e professores universitários à vanguarda desta luta.
É impossível não vermos na situação helénica um espelho do portugal socretino e das suas políticas: ataque continuado à educação e à escola pública; apoio escandaloso aos bancos privados e ao grande capital, insensibilidade social permanente como imagem de marca (confundida com uma ideia mentecapta de autoridade). Também cá o que vemos é corrupção, desleixo e mediocridade da classe política; descrédito total da «classe» política (vidé o extraordinário caso das faltas ao Parlamento dos deputados e as desculpas esfarrapadas dos responsáveis ou o famigerado caso da licenciatura de socras, as reformas chorudas dessa gente, etc, etc, etc). Também por cá estamos perante uma Justiça que não chega aos poderosos, os quais ainda por cima se safam com indemnizações chorudas; também por cá assistimos à destruição lenta e penosa do sistema nacional de saúde e à privatização gradual e sistemática daquilo que devia ser a missão do estado (mas parece que não, parece que a missão do Estado é, afinal, proteger as grandes fortunas investidas nos BPP); também por cá assistimos ao desinvestimento no ensino superior que asfixia lentamente.
Ainda por cima, por cá, não sei se por lá, temos um primeiro ministro que reage a tudo isto com o riso pateta de quem não está bem a ver a dimensão do que o rodeia. Parece um lunático que vive num mundo de fantasia que só existe na sua imaginação - o Portugal do choque tecnológico, da ciência e do progresso, das grandes obras públicas, do «rigor», da «autoridade», do fatinho Armani, valha-o Deus...
Há uma diferença, claro, entre os casos grego e português. O Governo grego é conservador e é o PS de lá quem está na oposição. Ca é ao contrário. Mas isso só torna mais grave a política dos xuxialistas nacionais que, no nosso país, levam a cabo políticas que são precisamente o contrário do seu património histórico/ideológico e, mais que isso, são políticas mentirosas porque o que foi referendado em eleições era, precisamente, o oposto. Deviam era ter vergonha na cara, pê-esses a fingir!
Podiam ao menos aprender alguma coisa com a guerra civil de Atenas... Mas não: a julgar pelas declarações autistas e pelo sorriso parvo do primeiro ministro, parece que as políticas actuais são para prosseguir, alegremente. Qualquer dia admiram-se que o mesmo se passe em Portugal. Eu não, já não me admiro de nada nesta amostra de país. Tivéssemos ao menos um décimo da capacidade de indignação dos gregos - porque também não era preciso tanta, digo eu - e as coisas seriam muito diferentes.
9 comentários:
Post oportuno, mas altamente discutível. Ainda bem. Torço o nariz, desde logo, a esta coisa de "guerra civil". Sejamos realistas, não é nem para lá caminha. Quem tem memória lembra-se dos incidentes (graves, é claro) tirados a papel químico há uns anos em França, também despoletados pela morte de um inocente e angélico jovem num encontro imediato com a polícia. Outra "guerra civil" que acabou em lume brando, como vai continuar porque são revoltas, apesar de tudo, marginais e pontuais relativamente ao todo social.
Isso a propósito da violência desenfreada que invade as cidades gregas, onde os protagonistas são "jovens" enraivecidos - ainda hoje à noite um repórter de uma Tv portuguesa, ao vivo de uma pequena batalha campal no centro de Atenas, se lhes referia como "os estudantes", que é uma designação interessante para os ditos "jovens": de trás das suas máscaras de ski e dos seus blusões, a correr ao longe, aos olhos do repóerter, são "estudantes".... Outra coisa diferente são as manifestações pacíficas que também têm aproveitado a oportunidade mediática e a crise política que já se arrastava para, bem, se fazerem ouvir nas ruas, pressionando a queda do poder político. Saiem à rua como os nossos profesores cá, que também sabem que não é a queimar contentores ou a partir lojas que conseguem os seus intentos.
Também não concordo com o tom do remate, como que desejando que os portugueses resolvessem daquela maneira os problemas que enfrentam (a corrupção e a má qualidade dos nossos políticos, o desemprego, a precariedade, as desigualdades, etc.). Do género, somos uns bananas e os gregos é que os têm no sitio. O vandalismo e a violência nunca foram solução, são sempre um problema gerador de problemas maiores. Um dos maiores feitos universais da História de Portugal foi o 25 de Abril de 74, uma revolução sem sangue, caso quase único na história da humanidade. Devíamos ter orgulho dessa bananice, dessa paciência hérculea de, como povo, termos esperado quase mil anos que um regime opressor caísse de podre e sem estrépito. Foi só dar um empurrãzinho, não foi preciso andar ao tiros e essa foi uma grande lição que demos ao mundo. E se somos verdadeiramente democratas, defensores do estado de direito e amantes da paz e da liberdade, devemos procurar soluções dentro desse quadro ético.Destruir carros alheios não se enquadra.
Por outro lado, também torço o nariz ao carácter "espontâneo" e muito menos sem uma agenda senão a contestação a um governo, desta "guerra civil" urbana helénica. A violência, acredito, mantém-se acesa sobretudo graças aos inúmeros grupos de jovens radicalizados, sobretudo anarquistas. É algo que existe muito na Grécia e que Portugal não tem, tendências extremadas, deve ser a proximidade asiática. Os jovens portugueses preferem orientar a sua agressividade para outras causas, claques de futebol e assim. os jovens gregois, assim que lhes acendem a mecha, vão logo buscar o taco, os fósforos e a t-shirt anti-bófia: "No sistem"!
ps: Também não gramo do pic, os 300 eram espartanos. Os de Esparta nunca gramaram muito os gregos. E em Esparta não consta que os jovens andem exaltados.Aliás, Esparta ainda existe?
Só umas observaçõezitas, caro pacifistador.
Primo: não defendo nem creio que se possa inferir do post que á devíamos todos fazer como os gregos e vir prá rua rebentar com as cidades. Foi para não deixar essa ideia que concluí o post observando que não precisamos de capacidade de indignação como os gregos, mas nem tanta, sublinho. Era isso que queria dizer com «nem tanta». Agora que o nosso bananismo é uma merda conformista que impede este povo de correr com a escumalha, também é verdade. É também devido ao nosso amorfismo que o país tá como tá e por aí , não tenho dúvidas, tivéssemos um bocadito da garra dos gregos e o país seria outro.
O pic do 300 é de espartanos é verdade e os espartanos andavam sempre à bulha com os atenienses. Mas não te esqueças que foi graças ao exemplo espartano em termópolis que a nação grega se uniu e conseguiu posteriormente derrotar os exércitos persas. Foi por aí que achei o pic adequado.
Manda sempre, hombre
Hefestos
Se tívessemos a «garra dos gregos», se calhar, estávamos como os gregos. Basicamente, também estávamos na merda. Se é por uma questão disso, por mim preferia ter a garra dos dinamarqueses ou dos holandeses. Por exemplo.
E os gregos não vieram todos para a rua rebentar cidades. Vieram alguns, os tais estudantes dos gorros. Os outros fazem greves e manifestam-se pacificamente, enquanto os partidos da oposição e os sindicatos se mobilizam para fazer cair o governo, como cá.
Li uma coisa no Oráculos de Delfos:
cãonhece-te a ti mesmo para te não veres grego.
Se tivéssemos a garra dos gregos era bom, acho eu, caro pacifistador. E eles estão como estão não é por terem aquela garra - que é uma virtude que nos falta - mas por terem outros defeitos que estragam essa virtude.
De resto é verdade que só uma parte dos gregos é que anda à morteirada e isso tá mal, é claro, não há qualquer desacordo quanto a isso.
Hefestos
Podia ser bom, podia ser mau, podia ser mais ou menos, depende, que se foda.
E quais são esses outros defeitos dos gregos? Há uma lenda que diz que eles são todos paneleiros, é isso?
Adorei este filme... Vi-o pela primeira vez no fim de semana passado e estava com o coração nas mãos. Grandes homens, poucos mas bons.
Demo-cracias são aquelas em que os humilhados já nem votam. A culpa dos revoltados é terem tomado a abstenção como forma de intervenção política. A culpa dos eleitores é escolherem um partido como quem escolhe um produto de consumo. Tb por cá o saco está a encher mas, para um país que viveu 48 anos de fascismo, para um país que se calou - salvo meia dúzia de líricos e outros tantos comunistas - até que uma meia dúzia de armados abrilasse, vamos ter sócretinos e xuxalismo por um tempo mais. Depois teremos de perdoar o estado em que deixaram o país e, quiçá, escolher entre os seus filhos os nossos novos governantes.
Por falar em rebelião, não tenho ovos em casa.
Um abraço porco
ya pata a abstenção é um grande equívoco. O que é que se ganha com isso? Poder dizer-se que é um voto de protesto? Sim senhor, os xuxialistas agradecem e passam á frente com, os protestos inócuos...
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