02/11/09

Piero Manzoni, por PrimaDaObra


Num dia destes andava o núcleo duro do Porco em peregrinação entre as estantes de livros e as estantes de vinhaças duma mercearia do Belmiro, quando um confrade saca de um expositor uma latita de sucedâneo dinamarquês feito de ovas de lampreia. Questionado, o gourmet avança com a palavra “Caviar”. O Xiita, que é rapaz de poucas palavras, mas de fácil sentença, opinou de imediato: “Caviar? Isso? Melhor do que isso cago eu e não sou esturjão!”

Piero Manzoni, um famoso pintor italiano de arte contemporânea dos anos 50 e 60, na senda de Duchamp e do seu famoso urinol, resolveu fazer um manifesto anti-pop-art e um ataque directo ao mercantilismo da arte e das galerias da altura e cavalgou a onda dos limites da arte, do surrealismo e da arte dada e zás, se bem o pensou comó Xiita, melhor o fez.

E vai daí, em 1961 tratou de cagar – merda genuína dele – para 90 latas. 90 latitas de merda italiana, genuína, de artista. O difícil deve ter sido acertar nas latitas que eram pequeninas e aí se revelou a mestria da coisa. Depois do alivio, Manzoni fez selar as latitas, como mandam as regras e os standards da indústria alimentar. Numerou-as, assinou-as e vendeu-as ao peso, sendo a grama de lata de merda vendida ao mesmo preço da grama de oiro na época. As latas além de numeradas e assinadas têm três faces ou inscrições que dizem sucessivamente : “Merda D`Artista”; “Merde D`Artiste” e “Artists Shit”. A autenticidade do produto é garantida pela inscrição: "Merda d’artista, numerata, firmata e conservata al naturale".

Feita a cagada e o embalamento do “caviar”, Manzoni fez uma das suas habituais exposições e lá meteu as latitas de “Merde D`Artiste”. Vendeu tudo como papos-secos. Hoje as latas de Merda do Manzoni são um ícone da arte conceptual, da qual se considera Manzoni um precoce percursor, constituindo tais merdas uma raridade que os coleccionadores e museus se cagam todos para obter.

E aqui chegados não resisto a contar duas histórias das latas que conheço.

A primeira passou-se com o Randers Museum of Art of Danmark em 1994, que para uma exposição e retrospectiva, pediu emprestada uma latita do Manzoni à John Hunov Colection. Pelo meio da exposição a latita começou a verter, merda como é bom de ver, e vai daí, foi tudo para tribunal discutir indemnizações milionárias. O Museu defendeu-se considerando que se tratou da degradação natural da lata. A John Hunov Colection contra-atacou dizendo que o Museu expôs a lata à luz, coisa que não devia ter feito e estava recomendado de não fazer. Enfim mais uma merda para os advogados ganharem dinheiro.

A segunda história catita da latita, passou-se na Tate Gallery de Londres que também tem uma lata de merda do Manzoni. Acontece que a lata começou a verter. Merda, como é evidente. E a Tate ficou sem saber o que fazer. Solda-se a lata? Mete-se a merda que escorre lá pra dentro? ou deixa-se a merda escorrer à vontade até à liquefacção completa da merda e da lata? A intervenção tinha o “pecado” de se estar a alterar a obra de arte. Ao invés “o deixar andar” tinha a chatice de aquilo cheirar mal que se fartava, o que incomodava os visitantes e conspurcava a galeria. Para desempatar os seus próprios experts, a Tate Gallery chamou especialistas de fora que pensaram o malcheiroso assunto. Estes opinaram maioritariamente que não se pode intervir na obra de arte sob pena de a adulterar e de modificar a intenção do artista, altura em que se mata a obra de arte; contudo, para se resolver o problema higieno-sanitário, a latita de merda a escorrer devia ser posta dentro de um cubo de acrílico, transparente, estanque e isolante, onde a obra de arte pudesse seguir o seu percurso natural, longe da mão do homem e longe do nariz também. Brilhante. A Tate acatou e assim fez.

Warholl vendeu a lata de Sopa Campbell`s, mas Manzoni vendeu Latas de Merda e ao preço do oiro. Que é de Artista é, mas será arte?

8 comentários:

Anónimo disse...

Pessoalmente discordo do parecer dos consultores da Tate aque opinaram dever a arte seguir o seu curso entrópico natural. Se essa lógica fosse aplicada para todas as obras de arte, então só nos restaria deixar os monumentos arruinarem-se naturalmente: as pirâmides de Gizé, possivelmente, já teriam caído de podres, a muralha da china já teria brechas, o Louvre nunca teria sido intervenciondao, etc, etc. O exemplo mais claro de como aopinião dos experts da tate é inaplicável é o caso do reatauro das pinturas de Miguel ângelo na Capela Siztina. Com efeito, chegados à conclusão de que as pinturas estavam a definhar foi decidida a necessária obre de restauração das mesmas, intervenção minuciosa que durou anos. Mas hoje, apesar dos reparos iniciais, já ninguém ousa contestar esse trabalho.

Devíamos encarar da mesma forma as latas de mwerda do Manzoni: se a lata se degrada e deixa sair a merda há que restaurá-la. E até, porque não, voltar a convocar o autor - ele ainda é vivo - para cagar mais umas centenas de latas para termos arte de resrva para os próximos tempos. Deixar que a arte pereça é que não me parecve correcto.
Crítico de Arte

Anónimo disse...

no comment anterior pergunto pelo meio dos eros ortográficos (escrevo depressa e sem rever) se el ainda é vivo? Não afirmo, esqueci-me do ponto de interrogação.

Anónimo disse...

A questão da conservação dos momumentos ou objectos de arte, é complicada, mas há alguns princípios que são agora inquestionáveis. Tu já viste as pirâmides de perto ou em fotografias aproximadas? Aquilo está completamente erodido. As areias do deserto são lixadas para a conservação da pedra. A solução seria substituir as pedras (havia de ser engraçado) ou encher com argamassa. Esta última solução estava em voga há cinquenta ou mais anos. Fizeram-se muitas intervenções deste tipo, em Portugal, por exemplo, com castelos, igrejas, etc, que toda a gente acha agora um absurdo. Felizmente, há já agora técnicas para parar ou tornar mais lenta a erosão, sem ser preciso enxertar com materiais estranhos. Terá sido mais ou menos o que aconteceu com a caixa de merda, não sei bem. Se calhar a solda não fazia parte do material original.
Quanto à capela sistina, a solução foi restaurar a pintura com materiais, técnicas e cores originais. Houve quem defendesse que se devia manter o original como estava, incluindo os “estragos”. A questão é filosófica e ambas as partes não deixam de ter a sua razão.

Quanto à questão de a caixa de merda ser ou não obra de arte, é coisa que já foi resolvida com os ready made do Duchamp, que estilhaçou completamente o conceito de arte até aí em vigor. A arte é aquilo que faz o artista. Ponto final, paciência.

DuCampo

Britannicus disse...

Ora aí está um magnífico texto coprófilo.
Eu já matutava que a estética Kantiana e a alguma arte coprófila e exrementícia contemporânea eram incompatíveis. E eis que hoje, após esta posta porcina, me pus a ler a crítica da faculdade de julgar no cagadoiro e zás... Eureka! Encontrei o trecho. Ora Kant acha que a arte mostra a sua excelência quando representa como belas mesmo as coisas que são feias e desagradáveis:as tempestadades, as enfermidades, as devastações da guerra, et.Todos estes males e realidades aversivas são belamente representáveis, com excepção dos objectos e realidades que nos causam asco, porque, neste caso, segundo o filósofo de Konigsberg, o objecto nos é representado como se se oferecesse à nossa degustação, à qual o nosso intelecto resiste vomitivamente. Neste caso,a representação do objecto pela arte não se distingue já, nas nossas sensações, do objecto mesmo, não podendo por isso ser considerada bela.
É verdade que, devido a um estranho mecanismo narcísico,quase sempre só a merda alheia (e outros eflúvios corporais alheios) nos causa asco, o que explica aliás a merda que esse gajo fez e o fausto evento de, depois da cagada e da sua contemplação triste,ter pousado o Kant e começado a pensar nuns pastéis de Santa Clara que naquele exacto momento estavam a pensar em mim.

Anónimo disse...

Brti, tás a falar do “sublime” do Kant. É outra coisa. Os feios do Goya, por exemplo, sim, são sublimes, sendo feios. A caixa de merda é de uma outra categoria, para além do feio e do belo. Nem sequer se trata de nenhuma “representação”, mas de um conceito.

DuCampo

Anónimo disse...

que grande merda

cagalhão

Anónimo disse...

Acabou? Ninguém mais diz nada?

Anónimo disse...

Que merda de texto!
Que merda de comentário (s)!

Continuam a fazer de tudo para ficarem ao mesmo nível...