12/04/10

Massagens são sexo?, por Niilista

Massagens são sexo? A questão é pertinente. Nunca nenhum filósofo, que eu saiba, se pronunciou sobre a questão. O tema só pode, pois, ter sido considerado irrelevante pelos filósofos. No entanto, sabermos com precisão o que é e o que não é sexo, ganhou particular importância no mundo actual, principalmente depois do caso Monica-Clinton. Se bem estão lembrados, Clinton chegou mesmo a alegar que sexo oral não é sexo... E a questão volta a colocar-se, agora a propósito das massagens. Basta aliás consultarmos os anúncios de qualquer jornaleco para comprovarmos que uma boa parte das prostitutas se apresenta como massagista, ou oferece serviços de massagens, eróticas ou não. Isto é no mínimo suspeito...

Se a Filosofia não se interessou pelas massagens, já o cinema, em particular a produção americana, não foi alheia ao problema. Um dos episódios da melhor série humorística da história, o magistral Seinfeld, chama-se, precisamente, A Massagista. Neste episódio Jerry namora com uma massagista profissional que, naturalmente, passa a dia a fazer massagens aos seus pacientes. Quando chega à noite, ela só quer...sexo. Mas o sexo é mau? Não, é óptimo, fazemos tudo, confessa Jerry... mas eu quero massagens. Jerry não consegue realizar esse sonho: namora com uma especialista em massagens - o sonho de qualquer macho, segundo Constanza - mas esta recusa-se a fazer-lhas, só quer sexo, puro e duro, nada mais que sexo. É como estarmos esfomeados e passarem-nos petiscos deliciosos que não podemos comer. Suplício de Tântalo!

Para a massagista, as massagens são trabalho; para Jerry representam um fetiche, o supremo fetiche. Tanto mais poderoso quanto mais fala com Constanza e com Kramer. Este acaba por espicaçar Jerry ainda mais quando contrata a massagista. Nem sabes o que estás a perder, aquilo é o céu, aquelas mãos suaves e sábias, os músculos descontraídos, a música new age a preparar o ambiente... Jerry reage muito mal, como se a namorada tivesse andado a fazer as coisas mais abjectas com Kramer. Enerva-se, protesta, mas Kramer defende-se com um ainda mais aviltante «tive-as mas paguei-as». Jerry responde-lhe irado que ele não pode falar dessa maneira da sua namorada. Proíbe-o de voltar a ter massagens com ela, como se aquilo, mais uma vez, não fosse estritamente profissional.
Esta confusão é magistral e nela compreendemos a tremenda ambiguidade erótica das massagens. Se trocarmos o termo massagens por uma daquelas categorias porno mais extremas, toda a reacção de Jerry é compreensível. Ele vive, de facto, o problema da ambiguidade erótica das massagens, algo que Kramer só aparentemente não alcança. E digo aparentemente porque Kramer - e isso é coerente com o personagem - está a provocar, percebe-se o registo irónico e provocador da sua apologia da massagista. Como quem diz: ela é tua namorada mas é comigo que faz as coisas mais porcas! No fundo tanto Jerry como Kramer estão de acordo: para eles, massagens são sexo. E do melhor! Veremos que também a própria massagista acaba por estar de acordo com eles...

Na parte final do episódio Jerry, desesperado, quer forçar a massagista e arrisca tudo: prepara o ambiente com música new age e sons naturais, desmonta a cama de massagens dela, pega nas mãos da massagista e coloca-as nos seus ombros. Depois deita-se de costas e quer obrigá-la a massajá-lo mas ela recusa, gritando «não posso fazer isto». Como se o namorado a quisesse obrigar a uma prática completamente depravada que estaria para lá dos seus padrões morais. A relação termina com ambos chateados. Não me telefones mais, tarado. Podes crer, santinha. A massagista vê Jerry como uma espécie de depravado que a quer forçar a um acto inadmissível, Jerry comporta-se como tal, perdendo o controle, humilhando-se, desesperando pela não consumação do seu desejo. E no fim, desesperado, acaba a relação.

Jerry e Kramer são, pois, partidários de que as massagens são sexo e do bom.E a massagista também acaba por reconhecê-lo à sua maneira, pela sua recusa. Ao recusar, ela acaba por associar a massagem a uma perversão sexual que não está disposta a realizar, mesmo que isso lhe custe o fim da relação com o homem de quem gosta. Mas nos três a noção de que massagens são sexo, e do mais abjecto, é comum: a diferença é que Jerry e Kramer são suficientemente perversos para entrarem nesse jogo enquanto que ela se porta como um donzela púdica que jamais faria tal coisa. Como diz o Woody Allen: se o sexo é porco? Só quando é bem feito...

A segunda referência cinematográfica às massagens aparece em Pulp Fiction, a obra prima de Quentin Tarantino. mas isso fica para o próximo post...

P.S. Há ainda outro episódio de seinfeld em que o tema é abordado. Nele é George quem vai ter massagens mas de um homem. O fantasma homo está aqui presente. Esse episódio merece uma revisão. Não queres pegar no tema, grunfo?

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