Começo com
uma confissão: raramente fui ao teatro. E das vezes que lá fui, tirando uma
única excepção (um monólogo de Mário Viegas com base em textos de Mário
Henrique Leiria) mais valia ter ficado em casa. Nesta sexta feira enchi-me de
coragem e voltei a ver uma peça de teatro. E desta vez, gostei. Gostei a sério
da peça O Abajur Lilás do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos interpretada pela
Escola da Noite no Teatro da Cerca em Coimbra.
Pus-me pensar porque é que foram
tão negativas as minhas experiências anteriores... Pela falta de condições
físicas e técnicas, talvez – pelo contrário o Teatro da Cerca é um espaço com
belíssimas condições para o teatro. E, sobretudo, pela qualidade dos actores.
Os actores de O Abajur Lilás eram bons, coisa que não acontecia com a imensa prole
de amadores das peças que tinha visto até agora. O teatro amador devia ser proibido (just
jocking). Ou pelo menos a sua exposição pública. É que, como eu, há milhares e
milhares de potenciais aficionados de teatro que se perderam por causa das
experiências traumáticas que tiveram com peças amadoras
O Abajur
Lilás desenrola-se no quarto de um bordel. Há três putas que trabalham para um
paneleiro. E há um candeeiro que aparece quebrado, uma e outra vez por uma das
mulheres. Embora sabendo qual das três partiu o abajur, para o proxeneta trata-se
de as fazer delatar a colega. É só isso que lhe interessa – não saber,
realmente, quem partiu o abajur lilás, mas sim quebrar a dignidade daquelas
mulheres, torná-las sórdidas, fazer delas delatoras. A peça gira em torno desta
questão da dignidade daqueles seres humanos que também são prostituas. Apesar
das aparências aquelas mulheres conservam uma nobreza essencial enquanto
resistirem à tortura e à humilhação da delação. Pode uma puta ser digna? Eis
como… A peça é, ainda, uma metáfora da ditadura brasileira, uma referência ao
ambiente sórdido da tortura, da repressão, do clima de delação então vivido
Uma nota
final: esta peça começava às 9. 30. Cheguei com dois minutos de atraso e pedi
desculpa quando comprei o bilhete. Não há problema, disseram-me, só começa
daqui a 15 minutos. Fiquei intrigado mas depois percebi. Às 9.45 estávamos
cinco pessoas na sala: eu, um indivíduo de suspensórios e camisa verde e uma
senhora de cabelo curto e um senhor já de idade com a filha que conversavam
sobre o neto. Percebi porque é que a peça se atrasou 15 minutos: estavam à
espera de mais espectadores e eu fui o último. Cada um pagou 10 euros, a
receita foi de 50! No palco eram também cinco actores. No fim levantámo-nos
todos os espectadores e aplaudimos, parece que estávamos a aplaudir cada
um o seu actor. Acho admirável o trabalho deles nestas condições, não deve ser
fácil e eles foram extremamente profissionais.
No Brasil, no Rio e em S. Paulo,
esta mesma peça de Plínio Marcos esteve esgotada . Mas, isto é a maior
evidência do mundo, Coimbra nem é o Rio nem é S. Paulo. Mas há que ver as coisas pela
positiva: não é todos os dias que, por apenas 10 euros, temos o privilégio de
ver tão bons actores a actuarem praticamente em privado. No fundo é como se,
passe a comparação, os Rolling Stones actuassem apenas para nós.´Não é melhor que vê-los a bombarem para 100 000 mecos aos saltos?
PIC: Miguel Lança, Maria João Robalo e José Russo, "O Abajur Lilás" (foto: Paulo Nuno Silva)
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