02/07/12

O Abajur Lilás, por Othelo


Começo com uma confissão: raramente fui ao teatro. E das vezes que lá fui, tirando uma única excepção (um monólogo de Mário Viegas com base em textos de Mário Henrique Leiria) mais valia ter ficado em casa. Nesta sexta feira enchi-me de coragem e voltei a ver uma peça de teatro. E desta vez, gostei. Gostei a sério da peça O Abajur Lilás do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos interpretada pela Escola da Noite no Teatro da Cerca em Coimbra.

Pus-me pensar porque é que foram tão negativas as minhas experiências anteriores... Pela falta de condições físicas e técnicas, talvez – pelo contrário o Teatro da Cerca é um espaço com belíssimas condições para o teatro. E, sobretudo, pela qualidade dos actores. Os actores de O Abajur Lilás eram bons, coisa que não acontecia com a imensa prole de amadores das peças que tinha visto até agora. O teatro amador devia ser proibido (just jocking). Ou pelo menos a sua exposição pública. É que, como eu, há milhares e milhares de potenciais aficionados de teatro que se perderam por causa das experiências traumáticas que tiveram com peças amadoras

O Abajur Lilás desenrola-se no quarto de um bordel. Há três putas que trabalham para um paneleiro. E há um candeeiro que aparece quebrado, uma e outra vez por uma das mulheres. Embora sabendo qual das três partiu o abajur, para o proxeneta trata-se de as fazer delatar a colega. É só isso que lhe interessa – não saber, realmente, quem partiu o abajur lilás, mas sim quebrar a dignidade daquelas mulheres, torná-las sórdidas, fazer delas delatoras. A peça gira em torno desta questão da dignidade daqueles seres humanos que também são prostituas. Apesar das aparências aquelas mulheres conservam uma nobreza essencial enquanto resistirem à tortura e à humilhação da delação. Pode uma puta ser digna? Eis como… A peça é, ainda, uma metáfora da ditadura brasileira, uma referência ao ambiente sórdido da tortura, da repressão, do clima de delação então vivido

Uma nota final: esta peça começava às 9. 30. Cheguei com dois minutos de atraso e pedi desculpa quando comprei o bilhete. Não há problema, disseram-me, só começa daqui a 15 minutos. Fiquei intrigado mas depois percebi. Às 9.45 estávamos cinco pessoas na sala: eu, um indivíduo de suspensórios e camisa verde e uma senhora de cabelo curto e um senhor já de idade com a filha que conversavam sobre o neto. Percebi porque é que a peça se atrasou 15 minutos: estavam à espera de mais espectadores e eu fui o último. Cada um pagou 10 euros, a receita foi de 50! No palco eram também cinco actores. No fim levantámo-nos todos os espectadores e aplaudimos, parece que estávamos a aplaudir cada um o seu actor. Acho admirável o trabalho deles nestas condições, não deve ser fácil e eles foram extremamente profissionais.

No Brasil, no Rio e em S. Paulo, esta mesma peça de Plínio Marcos esteve esgotada . Mas, isto é a maior evidência do mundo, Coimbra nem é o Rio nem é S. Paulo. Mas há que ver as coisas pela positiva: não é todos os dias que, por apenas 10 euros, temos o privilégio de ver tão bons actores a actuarem praticamente em privado. No fundo é como se, passe a comparação, os Rolling Stones actuassem apenas para nós.´Não é melhor que vê-los a bombarem para 100 000 mecos aos saltos?

PIC:  Miguel Lança, Maria João Robalo e José Russo, "O Abajur Lilás" (foto: Paulo Nuno Silva)

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