É interessante o potencial semiótico da sardinha assada em Portugal.
Trata-se de uma comida popular e tem associada uma certa etiqueta de raiz popular. A sardinha é associada a uma
certa virilidade, à faina do pescador no mar, à arte chávega, à dureza
da vida. Deste ponto de vista o seu contrário semiótico seria, talvez, o
iogurte, artificial, engomado em pequenos recipientes de plástico,
clean, sem espinhas, artificial e anónimo (ao contrário da sardinha que
tem o pescador como pai simbólico ). Do ponto de vista da etiqueta o
contrário da etiqueta da sardinha assada seria, por sua vez, a etiqueta
muito sofisticada, com excesso de códigos, talvez a da nouvelle
cuisine ou outra coisa mais fina que exija muitos talheres...
Como se deve comer numa sardinhada? Pois, a sardinha deve comer-se à mão e acompanhada de broa. É claro
que há quem a coma de faca e garfo mas numa festa popular cai mal.É
interessante porque neste caso há uma etiqueta que é contrária à
tradicional - geralmente quem come à unha é grosseiro mas na sardinha
assada isso é bem visto e, pelo contrário, pode cair muito mal comê-la de faca e garfo. Dá um aspecto snob e
possidónio.
É por isso que nas festas de reentré,
geralmente no Algarve, os partidos políticos não abdicam da sardinha assada e é vê-los, aos
políticos, a comer a bela sardinha com broa e, obviamente, à mão. Desta
forma, através de um cerimonial alimentar, o polítco procura alcançar a
almejada identificação com as massas populares. No fundo,a foto ou o
filme do político a comer sardinha assada na festa do Pontal está a
dizer: «vejam: sou um de vós, sou mais um». Comê-la de faca e garfo
seria um verdadeiro suicídio político.
Haverá mais comidas, como a sardinha, que funcionem como
uma espécie de etiqueta ao contrário (isto é, pratos em que a gafe não é
não saber nem cumprir uma imensa e sofisticada gramática de etiqueta,
mas pelo contrário, em ser o mais rudimentar possível, uma espécie de
etiqueta minimal)?
Creio que sim, mas coisas menos sedimentadas na sociedade portuguesa. Os
ossos, talvez, que devem ser comidos, roídos à mão, impossíveis de
comer de faca e garfo. E também há o caso curioso da ostra que, tal como a sardinha deve ser
comida à mão (deve ser levada aos lábios e sorvida directamente), mas
aqui com um potencial semiótico completamente diverso da sardinha -
erótico ( a ostra também é considerada afrodísiaca) e sofisticado (a
ostra deve ser dos poucos alimentos em que é fino comer a mão).
1 comentário:
"O importante é não perder o estilo, e, se possível, não perder o dinheiro também. Porque o estilo sem dinheiro é uma infiltração do mau gosto." Bessa-Luís , Agustina
O importante 'e nao perder...o pseudo poder!
Enviar um comentário