24/10/12

Sardinha Assada, por Pontal

É interessante o potencial semiótico da sardinha assada em Portugal. Trata-se de uma comida popular e tem associada uma certa etiqueta de raiz popular. A sardinha é associada a uma certa virilidade, à faina do pescador no mar, à arte chávega, à dureza da vida. Deste ponto de vista o seu contrário semiótico seria, talvez, o iogurte, artificial, engomado em pequenos recipientes de plástico, clean, sem espinhas, artificial e anónimo (ao contrário da sardinha que tem o pescador como pai simbólico ). Do ponto de vista da etiqueta o contrário da etiqueta da sardinha assada seria, por sua vez, a etiqueta muito sofisticada, com excesso de códigos, talvez a da nouvelle cuisine ou outra coisa mais fina que exija muitos talheres...

Como se deve comer numa sardinhada? Pois, a sardinha deve comer-se à mão e acompanhada de broa. É claro que há quem a coma de faca e garfo mas numa festa popular cai mal.É interessante porque neste caso há uma etiqueta que é contrária à tradicional - geralmente quem come à unha é grosseiro mas na sardinha assada isso é bem visto e, pelo contrário, pode cair muito mal comê-la de faca e garfo. Dá um aspecto snob e possidónio.

É por isso que nas festas de reentré, geralmente no Algarve, os partidos políticos não abdicam da sardinha assada e é vê-los, aos políticos, a comer a bela sardinha com broa e, obviamente, à mão. Desta forma, através de um cerimonial alimentar, o polítco procura alcançar a almejada identificação com as massas populares. No fundo,a foto ou o filme do político a comer sardinha assada na festa do Pontal está a dizer: «vejam: sou um de vós, sou mais um». Comê-la de faca e garfo seria um verdadeiro suicídio político.

Haverá mais comidas, como a sardinha, que funcionem como uma espécie de etiqueta ao contrário (isto é, pratos em que a gafe não é não saber nem cumprir uma imensa e sofisticada gramática de etiqueta, mas pelo contrário, em ser o mais rudimentar possível, uma espécie de etiqueta minimal)?
Creio que sim, mas coisas menos sedimentadas na sociedade portuguesa. Os ossos, talvez, que devem ser comidos, roídos à mão, impossíveis de comer de faca e garfo. E também há o caso curioso da ostra que, tal como a sardinha deve ser comida à mão (deve ser levada aos lábios e sorvida directamente), mas aqui com um potencial semiótico completamente diverso da sardinha - erótico ( a ostra também é considerada afrodísiaca) e sofisticado (a ostra deve ser dos poucos alimentos em que é fino comer a mão).

1 comentário:

Anónimo disse...

"O importante é não perder o estilo, e, se possível, não perder o dinheiro também. Porque o estilo sem dinheiro é uma infiltração do mau gosto." Bessa-Luís , Agustina
O importante 'e nao perder...o pseudo poder!