14/05/04

O Nariz. História Infantil, por Tinóni

Era uma vez, num reino distante, um Príncipe Quase Perfeito. Só tinha um defeito: um nariz enorme, um senhor nariz, uma penca que só parou de crescer meia légua depois de nascer. Os pequeninos que não sabem o que é meia légua, imaginem uma légua e tirem-lhe metade. De qualquer forma, a légua é a medida oficial de comprimento das histórias infantis e vocês já deviam saber isso. Bom, mas aquele nariz era um sério entrave ao casamento do príncipe e consequente descendência, factos que numa história infantil como esta andam necessariamente ligados. Nem sequer servia ao príncipe o facto de um nariz assim grande, como os meninos sabem, ser um poderoso símbolo fálico, motivando a admiração geral da populaça e infindas lendas e anedotas sobre a virilidade do seu propriedade.
Era também dessa vez, no mesmo reino distante, uma filha de um pobre sapateiro que, não lhe bastando ser filha de um pobre sapateiro, tinha uns pés de dois quartos de légua. Mais ou menos, enfim, dependendo da estação do ano, pois é sabido que os pés incham quando no Verão. A única consolação da sapateirinha era ter em casa quem lhe fizesse os sapatos pela medida certa. Em casa é modo de dizer, pois toda a família era obrigada a viver no telhado, por causa do espaço ocupado naquela choupana pelo único par sapatos da rapariga. Todo o tempo? Não propriamente. Quando a moça saia à rua para ir buscar água a fonte, levando com ela os seus sapatos, os seus pobres e envergonhados pais aproveitavam para descer e aquecer-se um pouco à lareira da velha choupana.
Aqui chegando, já os pequenos leitores mais perspicazes terão adivinhado o final da estória. De qualquer forma, saibam que não há meio de manter o enredo em suspense, colocadas as coisas como, necessariamente, aqui foram já colocadas. Tirem proveito do (pouco) estilo da prosa e é um pau. Mas para os menos perspicazes, continuemos então.
Um certo dia, decidiram as côrtes do reino que o príncipe se casava, desse por onde desse, mais nariz menos nariz. Coloca-se o príncipe à janela a perguntar quem com ele se queria casar, como se tinha visto fazer a um certo insecto do reino, e está feito. Mas o resultado não foi famoso: mal aquele real nariz assomava à rua, tropeçavam os aldeões e assustavam-se os animais. Que fazer? A solução foi enviar pregoeiros por todo o reino, na esperança de se encontrar uma moça que não se importasse de partilhar o resto da vida com um nariz a que se encontrava agarrado um príncipe de tamanho médio.
E no dia combinado, lá acorreram muitas raparigas. Enfim, sempre se tratava de um príncipe, uma boa vida castelã, pequeno-almoço certo e instalações sanitárias com saneamento básico. Reuniram-se todas num salão e fez-se o teste da valsa. A que se sentisse menos constrangida dançando com o príncipe, seria a escolhida. A primeira esticou os braços o mais que pôde, contornando o apêndice nasal, fez um sorriso amarelo, deitando olhares de lado aos cortesãos, e foi expulsa. A segunda, terceira e quarta levaram o mesmo caminho. Até que chegou a sapateirinha. Ohhh, que grandes pés, pensou o príncipe, sorrindo. Oh que grande pés, exclamou a multidão. E dançaram a noite toda, braços esticados, narizes e pés numa simetria perfeita, duas almas gémeas. E casaram. Algum tempo depois, nasceu um lindo menino com o nariz da mãe e os pés do pai. E passados vinte anos nasceu uma menina com o nariz do avô e os pés da avó, o príncipe e a princesa da nossa estória. E então tudo recomeçou, para gáudio e felicidade dos habitantes daquele reino, que tão poucos motivos de divertimento tinham. Mas esta é outra história, que depois conto se me apetecer. Gostaram desta, petizes?

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