Embora, como disse, não tenha ainda lido a saga do Capitão Alatriste, vi um destes dias, por mero acaso, o filme na televisão e fiquei surpreendido. Agradavelmente surpreendido. Alatriste é um filme espanhol, editado em 2006 e realizado por Agustin Diaz Yanes. Conta, entre outros, com uma interpretação soberba de Xavier Cámara no papel do sinistro rei-sombra de Filipe IV, o conde duque de Olivares. A Cámara conhecemo-lo dos filmes de Almodóvar, em particular, de Habla Com Ella, onde faz um trabalho notável.
Mas, dizia eu, pensava que estava a ver uma simples série para entreter praticantes de zapping de sábado à noite, mas não. Mas não. O filme, de 140 minutos, é de um brilhantismo formal notável. De certo modo segue os passos de Rapariga Com Brinco de Pérola que pretendera transpor para a linguagem cinematográfica o universo pictórico de J. Vermeer. Pois bem, em Alatriste é Velásquez a referência: os seus quadros lá estão citados (A rendição de Breda, Las Niñas, retratos vários, como o de Olivares, etc)… O universo preto e cinzento de Madrid, a luz escura do barroco espanhol, está lá tudo.
Desconfio mesmo que Alatriste me vai fazer repensar as minhas ideias acerca da ligação literatura-cinema. Como muitas outras pessoas eu tenho a ideia comum de que a a daptação cinematográfica empobrece, geralmente, o livro. Não por nenhuma razão de princípio. Simplesmente a minha experiência pessoal fez-me chegar a essa conclusão. Senti isso em muitos casos. Exemplos mais notórios: A Insutentável Leveza do Ser com Kaufmann a assassinar Kundera, Um Chá no Deserto com Bertollucci a não chegar ao nível de Paul Bowles ou Eyes Wide Shot, com Kubrik a perder para Arthur Schnitzler. A excepção: o referido Rapariga com Brinco de Pérola, que acrescenta de facto alguma coisa - nem tanto ao excelente livro de Tracy Chevalier, excelente na análise psicológica - mas ao universo pictórico de Vermeer. E, mesmo sem ler o livro, mesmo que o Alatriste-escrito seja excelente, isso em nada poderá retirar o brilhantismo formal e ideológico a esta realização cinematográfica de Yanes. Que melhor se pode dizer de um filme que é uma versão de um livro, que ele já é autónomo e já se emancipou da obra que lhe deu origem?
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