«Desconcertava-a muito mais com a caneta do que com uma câmara (Dune era uma modelo fotográfica contratada numa agência e Paris). Mais radicalmente do que pelas imagens que, por mais indecentes que pudessem ser, não teriam alterado nada do que ela era, sentia-se capturada, possuída, traída pelas linhas de tinta escura que o meu aparo traçava num bloco. À medida que ela sentia que as palavras eram susceptíveis de arrancar-lhe uma parte ignorada, incontrolável, confirmava a minha ideia de que, se havia uma hipótese, para mim, de recuperar algo de Alfa, era através do poder torturante das palavras:
- Porque é que se cansa a procurar frases em vez de me filmar? – perguntou ela por fim, irritada, torcendo cada vez mais o cabelo (…)
- É para te comer melhor minha filha – respondi eu quase sem pensar.
E, ao ver que a história do lobo e da capuchinho vermelho não lhe dizia nada, traduzi logo: - é porque a violo melhor com palavras, Dune. – Pareceu mais aliviada com a resposta. Se houve sadismo nas nossas relações, não foi, da minha parte, deliberado. Só que depressa me apercebi da espécie de terror que exercia sobre ela o mistério da escrita, e pareceu-me bom usá-lo para tentar extorquir-lhe o que jazia muito aquém dela, e que ela ignorava, já que era outra.»
Olivier Rolin, O Cerco de Cartum, Asa, p. 100.
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