20/07/10

Donathien Alphonse François, por Vigário

Acabei de ler Os Infortúnios da Virtude de Donathien Alphonse François. Dito assim ninguém liga. Mas se eu disser que Donathien Alphonse François é mais conhecido por Marquês de Sade, já há quem pense: tarado! Pensa mal. Sade foi muito mais que um devasso e a sua obra vai muito para lá da novela pornográfica a que o senso comum o associou.

Sade foi um filósofo e dos bons. O seu pensamento parece ter sido uma espécie de resposta à confiança naif de Rousseau na bondade natural da humanidade. Pelo contrário, para Sade, o homem realiza-se na exploração e na negação do outro. Para ele o objectivo da vida é o prazer mas retira-se tanto mais prazer quanto mais se aniquila a vida. Assim o impulso vital que nos agarra à vida é o mesmo que anseia pela sua destruição. É uma espécie de paradoxo vital.

Sade interessou alguns dos mais importantes filósofos contemporâneos: Maurice Blanchot, George Bataille que lhe dedica um importante capítulo do seu clássico O Erotismo e Sartre que aborda o tema do sadismo no seminal O Ser e o Nada, precisamente no capítulo dedicado às Relações Com O Outro (o amor, o ódio, a indiferença, o sadismo e o masoquismo). E, de facto, as reflexões a que se dedicam os libertinos heróis criados pelo Divino Marquês, justificam inteiramente este interesse de tão importantes vultos da filosofia do século XX.

Justine ou Os Infortúnios da Virtude tem como tema central a história de uma jovem (Justine) educada segundo os mais sólidos princípios da moral e da virtude. A rapariga é o que se pode chamar uma verdadeira santa e apenas pratica o bem. Mas será que os virtuosos são recompensados pela sua moralidade? Assim deveria ser se houvesse um Deus atento... No entanto é o contrário que se passa. Justine dá esmola a uma mulher miserável e é assaltada por ela; trata um enfermo que foi vítima de um atentado cobarde e é escravizada por este; junta-se a um convento para levar uma vida religiosa e é feita escrava sexual dos padres libertinos que aí residem, etc, etc, etc.
Pelo contrário os seus verdugos são sempre recompensados: os vigaristas enriquecem, os padres são promovidos a cardeais, os criminosos recebem heranças milionárias. Neste mundo a bondade é punida e a maldade recompensada!

Para quem ainda insiste em ensinar aos filhos que devemos ser rectos e justos, que o bem é sempre preferível ao mal, a verdade à mentira e a justiça à injustiça, este livro de Sade dá que pensar... Afinal a Providência não existe e se existe é malévola e premeia os varrascos porque o mundo é feito de varrascos e não de santos. Querer ser santo num universo canalha é ficar em desvantagem.

Tudo isto é escrito num estilo escorreito e elegante. Ao contrário do que eu pensava, a narrativa de Sade não é crua nem directa. São muito mais agressivas as imagens proto-porno que popularizaram o Marquês do que, propriamente, as suas palavras. O seu estilo é alusivo e subtil, o que se compreende tendo em conta o contexto de uma época que, mesmo assim, o levou à masmorra sob a acusação de indecência.

Uma nota negativa apenas para a péssima tradução da edição da Europa-América que parece ter sido feito por um indivíduo que ou não sabe francês ou não sabe português ou ambas. Tá bem que é um livro de Sade, mas escusavam de fazer sofrer tanto os leitores.

3 comentários:

Justino disse...

Muito bem! Está vingado o Divino Marquês! Os preconceitos calham a todos. Como sabes, ainda agora o nosso Bocage é conhecido por muitos como apenas um personagem de anedotas.
A falta de qualidade das traduções da Europa-América é lendária, por isso, não te queixes.

Anónimo disse...

I would like to exchange links with your site www.blogger.com
Is this possible?

Anónimo disse...

yes of course... Be our guest, mafrende...