08/07/11

Tragicomédia em III actos, por Cão

Contaram-me esta, há anos já largos, como verdadeira. Partilho-a convosco porque é tão mais cómica quão, de base e de facto, trágica.

Uma portuguesíssima família da classe média foi de férias para o Algarve. Todos foram: pai & mãe, avó viúva & netos & cão. Escolheram, decerto por economia e bucolismo talvez, o campismo. A viagem para Sul correu bem. Havia lugar no parque. Armaram a tenda, assaram uma sardinhada, foram arrotar de calções para a praia mais perto, voltaram, assaram uma carapauzada, foram arrotar de calções para a esplanada mais perto, voltaram e ressonaram a primeira noite como anjos urbanos pacificados pela asma mista do mar e dos pinheiros. A tragédia só começou de manhã.

I ACTO: A avó amanheceu morta. Ninguém tinha dado por nada, nem sequer o cão. Pai & mãe mandaram os filhos comer gelados ao bufete do parque e puseram-se a conferenciar. Que as férias estavam estragadas. Que o raça da velha. Que uma coisa daquelas só a eles. Que a carreta fúnebre de lá de cima ir-e-vir ao/do Algarve haveria de ser uma fortuna. Etc. Vai disto, decidiram-se a embrulhar a defunta na barraca, a acondicionar tudo com cuidadinho no tejadilho do carro e a rumar para Norte sem tuge-nem-muge.

Alas que se não fez tarde, assim procederam.

II ACTO: Tendo parado pelo caminho num tasco de bifanas para restauro, retempero e refrigério, não demoraram mais de vinte minutos. Horror: à saída para o estacionamento, só deram com o lugar onde carro e avó os deveriam esperar. Pai & mãe mandaram os filhos comer gelados ao tasco e puseram-se a conferenciar. Tinham de participar à GNR. Como explicar a avó, não sabiam. Logo se veria.

III ACTO: O resto desta tragicomédia, sabe-o o meu leitor tão bem quanto eu. A analogia (para isso são escritas, representadas, vividas e repetidas as tragédias e comédias desta vida) é facílima: a) A viatura roubada faz de Assembleia da República; b) A família viva (cão incluído, naturalmente) é a parlamentar do PSD da era Passos Coelho; c) A avó morta (e embarracada) só pode ser (politicamente, está bem de ver) Fernando Nobre.

Cai o pano.

4 comentários:

Daniel Abrunheiro disse...

Pf, acrescentar a palavra "bancada" antes de "parlamentar".

ticiano disse...

Excelente texto, cão

ticiano disse...

Excelente texto, cão

Cão disse...

tanque you, ticiano.