19/03/12

O Valor Semiótico do Peido em Peter Sloterdijk, por Kino

Mãos amigas fizeram-me chegar hoje às mãos uma obra mundialmente aclamada na área da Filosofia: falo de Crítica da Razão Cínica do filósofo alemão Peter Sloterdijk. Esclareço já que não li o livro (mas fica na minha lista) e que dele apenas conheço o que desfolhei hoje e o que conversei com o leitor que mo apresentou.

Um dos capítulos do livro trata da crítica da fisiologia. Se, como afirmou Paul Watzlawick, «não se pode não comunicar» é muito bem visto que todas as nossas expressões corporais têm um valor comunicativo e que, como tal, são, por direito próprio objectos de interesse semiótico. Daí que, com toda a pertinência, Sloterdijk se refira às várias formas de expressão/comunicação corporal: a face, os seios, o cu, a merda e o lixo e, last but not the least, por mais que ofenda o bom gosto e a razão bem pensante, o peido. Pois é verdade: o grande filósofo dedica uma partezinha da sua crítica fisiológica à flatulência e ao seu profundo alcance semiótico. Sloterdijk reflecte assim sobre a forma como a linguagem da ventosidade anal tem uma potência discursiva que merece análise. Um peido pode significar sarcasmo, desrespeito, humor, desprezo, arrogância... O tema não é tão irrelevante como parece e Sloterdijk lembra mesmo o caso do legionário romano que, em plena sinagoga, se terá peidado. O facto foi interpretado pela comunidade juadaica como sintoma da arrogância romana e levou a uma rebelião da qual resultaram centenas de mortos.

Longe vão os tempos da filosofia platónica preocupada com o reino puro das essências eternas e com a concepção do homem reduzido ao Nous. No seu lento devir a filosofia foi-se corporalizando, gradualmente. Foi descendo da cabeça aos pés. Com Merleau-Ponty, com a fenomenologia, com Sartre, com Foucault, a filosofia fez-se carne e olhou de perto as incidências do corpo. O olhar de Sloterdijk vai mais além, está um passo mais, ia a dizer, à frente, mas em rigor ela está um passo mais «atrás». Agora os filósofos falam do peido, do cu e da merda. O que virá a seguir? Conhecerá algum limite o olhar analítico (cínico) do filósofo? É bom que não coneça, acho eu...

Pic - Max Ernst - A Virgem Castigando o Menino...

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