30/04/12

O Chico Esperto Vai a Fátima a Pé, por Asceta

A Busca de Identidade (2009) do filósofo português José Gil é um dos melhores diagnósticos do Portugal socretino que conheço. Neste livro Gil leva a cabo a caracterização do chico-espertismo um dos traços marcantes da nossa personalidade base. O «chico esperto» não é um crimininoso - é uma qualidade larvar que tem a sua genealogia nos bancos da escola primária na figura quiducha do «malandreco». O malandreco é o chico esperto na escola primária, um já-sacana tolerado e até apreciado e incentivado pelos adultos que lhe acham um piadão. «Malandreco» tem um até um sentido de elogio, tanto quanto de censura, porque é um híbrido entre a esperteza desenrascada e o quase crime. Não é bem um malandreo nem, tão pouco, um criminoso. É um malandreco e este «dreco» faz toda a diferença. Quando adulto o «malandreco» torna-se no «chico-esperto».

Diz José Gil que o chico-esperto não é um ladrão nem um assassino nem um criminoso, mas antes aquele patifezeco que vive e se safa nas franjas da lei - é o tipo que dá o golpe na fila de trânsito para ganhar dois lugares, o fura vidas que lá vai passando sem estudar é toda a mentalidade que cria e apadrinha as Novas Oportunidades, a solução socretina para resolver o problema do atraso educativo português e o nosso consequente mau posicionamento nas estatísticas da OCDE.

O chico esperto está em todo o lado mas ontem estávamos, a malta do costume, a beber o tradicional café, quando passa na estrada nacional um exemplar religioso do chico esperto. Talvez mesmo o próprio Chico em carne e osso. Era um peregrino que cumpria a penitência da caminhada até Fátima. Este levava uma cruz às costas,só que a cruz, imagine-se era minúscula e feita de uma madeira que mais parecia cartão. Assim até eu... O nosso L... berrou-lhe do café para surpresa dos presente:
- É batota, isso é uma cruzita de merda!
E imaginámo-lo, ao peregrino, no dia do Juízo a ajustar contas com o S. Pedro:
- Sim, eu disse que ia a Fátima a pé com uma cruz às costas e e fui curado da enfermidade. Mas nunca disse nem escrevi nem o tamanho nem o peso da cruz.
E o S. Pedro vai embatucar. Com o chico esperto português nem os santos levam a melhor.

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