12/05/12

O Budismo e a Vida Moral dos Caracóis, por Mara

O Budismo é uma religião/filosofia fascinante. Mas tem alguns pontos que me casuam perplexidades várias. Por exemplo a defesa da reencarnação decorrente do Samsara (a impermanência que caracteriza toda a existência vulgar). A ideia em si é dificil de aceitar e merece-me, quando muito, um complacente agnosticismo.

Mas o caso complica-se quando verificamos a relação que a doutrina de Buda estabelece entre a reencarnação e o Karmma. Ao defender que cada reencarnação depende da qualidade moral das vidas anteriores  dá-se um passo perigoso. Os budistas entendem que o facto de encarnarmos num animal, num ser humano, num Deus ou num demónio, não é fruto do acaso, mas que se deve à lei kármica que rege todo o cosmos. Queres saber o que cada ser foi na sua vida anterior? É só olhares para a sua vida actual...

Esta teoria merece duas objecções imediatas:
Uma - tem implícita uma concepção discriminatória do próximo. Os pobres, os deficientes congénitos, os destituídos,os indigentes não o são por acaso natural mas como resultado das suas acções noutras vidas. Levar este princípio a sério é, de facto cruel e injusto para aqueles que não só têm que suportar o seu handicap como, ainda por cima, levam com o fardo de terem sido os responsáveis por ele, numa outra vida que ignoram completamente. Lembro-me que há uns anos o seleccionador inglês de futebol Glen Hoodle foi obrigado a demitir-se, precisamente, por ter defendido que um deficiente apenas estava a pagar o seu mau karmma noutra vida.

Duas - partindo do mesmo princípio sabemos que um indivíduo que é agora um animal simpático como, vá lá, o meu cão, deve ter sido um razoável patife noutra vida. E se se tratar do elefante do zoológico de Lisboa que vive preso e a fazer fosquetas aos transeuntes só para comer uns amendoins, ainda pior. Agora imaginem a espécie de pulha que teria sido noutra vida, por exemplo, um caracol ou um percevejo. Presumo que uma barata ou uma ratazana serão as reencarnações actuais de um hitler ou de um mussolini. Mas uma vez que a roda dos nascimentos e o próprio samsara não param a pergunta que se impõe é: afinal que precisa de fazer um caracol nesta vida para gerar bom karmma e assim encarnar numa próxima vida numa forma superior? Não se deve babar em público? Não deve atacar as caracoletas mais frágeis?

Quando o budismo liga a moralidade (um dos aspectos centrais para gerarmos bom karmma) à possibilidade de reencarnarmos numa forma de vida superior percebemos a lógica, embora  a possamos discutir. Consigo entender que um ser humano não deve roubar, nem matar, nem difamar e que uma moralidade sã é condição essencial para que se gere um bom karmma que nos beneficiará na próxima vida e nos torna mais próximos do nirvana. Mas o que será a vida moral para um gafanhoto? Estarão estes animais «inferiores» condenados a nunca mais sairem desse nível - ou seja um caracol quando morrer só pode nascer caracol ou bicho pior ainda? Existem karmas tão maus tão maus que nos condenam a níveis de existência dos quais nunca mais podemos sair?

São dúvidas que me assistem. Não digo que o budismo não tenha respostas para as minhas questões - até admito que tem e que sou eu que as ignoro. Mas não há dúvida em que só por mim e com o recurso aos meus pobres miolos tenho muita dificuldade em resolver estes problemas.  Acho que vou mandar um mail à União Budista Portuguesa. Talvez eles me saibam esclarecer e eu possa ter depois uma conversa séria com um caracol.

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