26/06/12

Alberto Moravia – Eu e ele, por Adérito


Este é um livro anacrónico. Parece que estou a ver os personagens de calças à boca de sino, suíças e cabelo comprido. Mas se fossem só os personagens até se percebia, já que o livro foi editado em 1970... O problema é que são as ideias que cheiram a naftalina, não só os personagens. «Ele» é nada menos que o margalho descomunal de um tipo; «Eu» é o próprio indivíduo, isto é, o seu lado social. Eu e Ele é pois uma versão mais ou menos grosseira dos princípios freudianos da realidade e do prazer. O resultado é uma amálgama mal amanhada de psicanálise cruzada com marxismo.
Não sei como é que cheguei ao fim deste livro. Mas cheguei, o que quer dizer que Moravia é um bom escritor, malgré ça…

19/06/12

País(agem) bucarestiana, por Cão


Sei muito bem que não é com crónicas (e muito menos com as minhas) que se resgata o País do coma induzido em que se (des)encontra. Sei pois. Só que também sei que os golos do CR7 e as novidades picantes do desquite Djaló/Floribella não hão-de ser, como nunca foram, capazes de fomentar o emprego a quem, por cândido civismo, ainda acha que é a trabalhar, e não a roubar, que se ganha a vida.

De igual modo, não me é difícil concertar em axioma que socorrer a banca não visa dignificar o maralhal, bem antes pelo contrário. Encerrar tribunais, centros de saúde e escolas às cegas no Interior é directa ordem para matar a interioridade mesma, reiterando a mania esquizofrénica de que a Pátria se resume aos palermas de Lisboa, à estrada 125 do Algarve e a essa pérola deitada aos porcos chamada Madeira. Ah pois é.

Todos os dias me levanto cedinho como a galinha. Ao espelho do lavatório, raspando a barba chilra e rala que o vento genético me semeou pela chanfradura sigmóide, verifico que aquele gajo canhoto é impotente para despedir de uma assentada a escumalha corruptora e corrompida que lhe proibiu o futuro das filhas, condenando-as, na melhor hipótese, a caixas subassalariadas do Pingo Da-se. Por não ter tusto para after-shaves, chapinho lixívia nos queixais e saio a rever o mundo não admirável e restrito da portugalidade local. É paisagem tristonha, dormente e deprimente.

Romenos manhosos rondam carros estacionados. Algaravia-se brasilês de avenida em estaminés de higiene nenhuma e lenocínio todo. A banca de fruta da Glória da Anunciação exibe cerejas cariadas e melões espanhóis de Almeirim. O barbeiro Teodoro, que é salazarista dos cornos e pedófilo das pernas, tesoura maledicências contra os “comunistas do Governo”. A Genciana Viúva (cujo marido a melhor coisa que fez foi morrer a tempo) amanda-se copinhos de malvasia tinta da alva ao sol-pôr em ademanes de Senhora da Agonia a quem o manto vai caindo à serradura do chão. O polícia Gervásio, que pensava estar a nove meses da reforma, já não está a nove meses da reforma, pelo que dá razão ao barbeiro Teodoro.

De modo que às nove e meia da manhã já estou maníaco-depressivo de todo. Salva-me porém da tentação suicidária a diária epifania da Noémia farmacêutica, cujos jogo de ancas e balcão peitoral emanam optimismos existenciais os mais duradouros. Quando, pela noitinha, recolho a penantes, com e como a galinha, à capoeira para vegetar eldorados oníricos, digo à mulher que o dia foi bom, que tudo-está-no-seu-lugar-graçazadeus, que um dia destes ’inda me lembro de lhe trazer cerejas, que ’inda bem que não temos carro, que o que por aí vai de romenos no Governo, ó Teodoro.

15/06/12

Um pouco de bom senso, por Obikwel

O governo anunciou que a classificação da disciplina de Educação Física vai deixar de contar para o apuramento da média final dos alunos, não entrando assim em linha de conta para a nota com que se candidatam ao ensino superior. Cumpre-se ma velha aspiração da generalidade da malta ligada ao tapor: todos estamos de acordo que a actual legislação que o Crato em boa hora vai rever é uma aberração que teve e tem custos graves para muitos jovens.

Podíamos ficar aqui a apresentar uma série de argumentos laterais para justificar esta medida do governo. Mas dou só um, o mais importante: BOM SENSO! É absurdo que um aluno fique de fora do curso que pretende seguir porque não sabe jogar futebol, não sabe fazer a espargata ou não é capaz de correr os 100 metros em  20 segundos. Seria a mesma coisa se decidissemos que agora a expressão musical ou a aptidão para o desenho deviam contar para a média. Não contam e bem.

EF é uma disciplina essencial que deve fazer parte do curriculo obrigatório do secundário? Sem dúvida. Deve contar para a média? NÃO! E bem podem os doutores da ginástica esforçarem-se com exercícios retóricos sobre a «transversalidade curricular» e o «analfabetismo motor» (sic) que nada disso anula o simples senso comum.

Na escolas deste país assiste-se frequentemente a estas duas perversões: ou a nota de ginástica é muito mais baixa que a da restante média do aluno; ou, pelo contrário, há profs de ginástica que compensam os alunos na nota para «não os prejudicarem». Nestes casos alunos que deviam ter 11 ou 12 a Ef têm 18 para poderem seguir o seu curso. Isto faz algum sentido?

Nos dois casos os profs de ginástica estão numa situação perversa, injusta e ingrata. Para evitar estes desvios que pervertem completamente a avaliação na disciplina o melhor que há a fazer é o que o actual governo decidiu: não conta. Aprovo e aplaudo esta medida.  Não tenho razões para estar contente com o actual ministro da educação. Mas nesta medida, por uma vez, vejo alguma da coerência que lhe notava antes de subir ao poder.

13/06/12

Com a devida vénia:

«E pronto, que se lixe, acabei a redacção – agora parece que se escreve redação. O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros.»
Teolinda Gersão, escritora

12/06/12

A minha lista 2011 - Dezembro, por Adérito


Hans-Martin Lohmann – Freud, ed.sol90
 Uma biografia do expresso que parece perra…

Freud, El Mal estar en la cultura. Uma releitura, motivada pelo visionamento do último filme de Cronenbrerg (Um Método Perigoso) e, sobretudo, pela curiosidade acerca do magnífico texto em que Freud reflecte sobre a origem do fogo…

Sabine Wienand, Dalai Lama, Expresso.
Estas biografias do expresso têm coisas que valha-me... Buda.

António Lobo Antunes, Memória de Elefante, d. Quixote. Lobo Antunes tem algo de provisório, de esboço de mero esquisso… Pode ser que seja só aqui neste seu primeiro livro, mas fico sempre com a impressão de que falta arquitectura a estes romances. Acho que Lobo Antunes é um poeta, no sentido em que a preocupação central é com as palavras com o seu poder metafórico.

Carl Grimberg - História Universal, vol. 16 A revolução industrial. O século XIX.
Continuo a leitura interessada deste clássico da História Universal. Havia um hiato na meu conhecimento do século XIX europeu. Agora é menor.

Pedro Juan Gutierrez – Trilogia de Havana Defunta, d. Quixote. Saiu post…

10/06/12

Às Vezes apetece-me meter uma bandeira da alemanha na janela da minha casa só para chatear, por Judeu

A primeira página d´A Bola de sábado é um verdadeiro documento para memória. É uma peça de manipulação exemplar - um tratado de mensagens subliminares, de exaltação ao nacionalismo serôdio, à xenofobia anti germânica e à mistificação que confunde futebol e nacionalismo. Um mimo que merece uma análise singela.

Esta página é dividida em duas partes: a parte maior, a parte superior é ocupada com a bandeira portuguesa como fundo e um enorme cristiano ronaldo de fato e gravata com ar de gozo a olhar de cima para baixo. Numa pequena parte da metade do canto esquerdo, a bandeira alemã e um pequena foto tipo passe da chanceler merkel de olhos esbugalhados e boca aberta a olhar para cima, para o «nosso» monumental cristiano. Os seus olhares cruzam-se a senhora pequenina parece alucinada com o enorme ronaldo. «No futebol as contas são diferentes da economia», escreve-se em cima como que para orientar o olhar. Quer dizer, na bola somos muito maiores que os alemães e a merkel até está assustadiça com a imponência do nosso menino de ouro.

Como justifica o jornal a chamada de primeira página da foto de merkel - afinal a merkel não joga na selecção alemã? Com uma pseudo notícia indecifrável: «Angela Merkel talismã da selecção germânica, confirma boicote aos jogos na Ucrânia». Perceberam? Eu também não. Percebo que a foto de Merkel não a retrata na qualidade de chanceler mas de «talismã», assim como uma espécie de trevo de quatro folhas ou de rato da sorte que os alemães usam nestas andanças. De resto só nas páginas interiores do jornal é que se percebe o que é que isto tudo quer dizer: que a chanceler merkel dá sorte à selecção que nunca perde quando ela vê os jogos ao vivo (talismã) e que desta vez vai estar ausente como forma de protesto contra a situação política da Ucrânia («boicote»!!!). Portanto: Merkel não vai assistir ao jogo. Boicote à ucrânia! Sorte nossa porque falha o talismã alemão. Valha-me Deus...

No centro, em letras garrafais: «VAMOS EXPULSAR A ALEMANHA DO EURO», assim mesmo, sem meias palavras. Deliberada ambiguidade entre o «euro» de futebol e a zona euro. Como não os podemos expulsar da zona euro, expulsamo-los do campeonato da europa. Mas isto não era só o primeiro jogo de ambas as selecções - como «expulsar»? Mesmo que eles tivessem perdido não estavam expulsos. E eu que pensava que o objectivo deste jogo era apenas ganhá-lo. Mas aqui o jornal como que formula o que entende ser um desejo colectivo recalcado de vingança contra os boches - vamos corrê-los, era bom «expulsá-los» do euro.

É degradante a mistificação que aqui se faz, a sobreposição entre futebol e política, entre bola e nacionalismo (bacoco) e o apelo aos instintos xenófobos mais primários. O jornal pretende aproveitar o clima de revolta latente que se vive no país, com as imposições da troyka, para fazer do chuto na chincha uma ocasião de ajuste de contas com a alemanha. Degradante, repito.

Se esta fosse a primeira página do Kicker ou do Der Spiegel imagino o que não diriam os nossos nacionalistas sazonais da altura dos euros...  Como imaginar sequer uma página de um jornal alemão a dizer sobre a selecção portuguesa, «Vamos corrê-los do euro»? Chauvinimso, xenofobia, racismo, nazismo, imperialismo, fascismo e outros ismos. Tínhamos matéria para prgramas especiais de indignados. Mas é só uma primeira página d`A Bola, uma página portuguesa concerteza. Como tal, não passa de uma mera página patriótica. Portanto tá tudo bem: viva a pátria, avancem os canhões, marchar marchar...

04/06/12

Chuto nos Xutos, por Pontapé

É uma velha questão: até que ponto podemos continuar a gostar de um músico, de um pintor, de um escritor que se revelam medíocres na vida? Não se trata de exigir que o artista seja um padre, nem por sombras, mas há limites. Por exemplo, eu gosto do filósofo Heidegger, mas como posso não ser influenciado pela sua opção política de apoio ao nazismo? Conheço quem adore o escritor Garcia Marquez, mas como ignorar o branqueamento que ele fez do regime castrista? Gosto de Bob Dylan, mas não gostei nada quando soube que o homem tinha acções na indústria do armamento. And so on...

O mesmo se passa com os xutos e pontapés cá do burgo. Achava-os a melhor banda de rock em portugal. Adorei quando editaram o Sem Eira Nem Beira (a tal do ingenheiro...) que entendi - eu e toda a gente, os xuxas incluídos - como um manifesto político claramente dirigido e mais que evidente. Por isso mesmo foi para mim uma grande decepção quando li o branqueamento que cheirou a encomenda que o zé pedro fez numa célebre entrevista em que veio dizer, mais coisa menos coisa, que a música não tinha o ingenheiro pinóquio como destinatário, que não era nada um manifesto político, que estava lá ingenheiro como podia estar arquitecto... Conta-me histórias... Percebeia-se nas  entrelinhas dessa entrevista que os rapazes estavam só a ter juizinho, a tratar da «puta da vida», não fosse dar-se o caso de ainda serem prejudicados... A partir daí nunca mais gostei dos xutos da mesma maneira e agora quando olho para eles e penso na  figurinha a que se prestaram só penso: bolas, estes gajos estão gordos!

Por isso foi para mim uma surpresa quando os ouvi no rock in rio de ontem a inventarem um novo verso numa canção que dizia assim:

«Coelhinho, se eu fosse como tu/ tirava a mão da troika e metia-a no cu.

Até pode ser... Mas são estes os gajos que agora se vêm armar em nobres activistas políticos? Os mesmos que renegaram a música do ingenheiro da cova da beira? Os mesmíssimos que tiveram juízinho e que agora, quando convém, voltam a vestir a conveniente farpela dos rockers rebeldes? Não que tenha uma simpatia especial pelo coelho visado no verso. Fossem os xutos coerentes e eu estava agora aqui a aplaudir. Mas assim... Achei repugnante que eles não tivessem percebido que perderam toda a credibilidade que já tiveram. Que se assumam como o que são realmente - uma banda de divertimento que trata da vidinha e não se mete em política. Zé Pedro, pá: devias ter vergonha do autocolante a dizer Rock Against Racism que tinhas colado na guitarra. Os Clash, meu,  nunca se renderam ao poder político. E o Keith Richards nunca quis ser sire.

03/06/12

Bryan Adams e Vanessa Silva - Who´s that girl?, por Índio

Foi espontâneo? Vanessa estava, simplesmente, no local certo à hora certo? Ou já estava escolhida à partida para subir ao palco do Rock in Rio ontem à noite? Teria sido um meio termo - a Vanessa preparou-se porque sabia antecipadamente que alguém ia ser chamado ao palco? Seja como fôr, ainda que tivesse sido antecipadamente escolhida para subir ao palco (eles dizem que não), nada retira o à vontade e qualidade da miúda que não se atemorizou com o monstro que é ter pela frente 70 000 pessoas. Vanessa brilhou. Podem dizer que teve sorte ao ser escolhida ou, pior ainda, que já estava escolhida. Seja como fôr nada disso lhe tira o mérito...