22/08/16

Ticos, Nicos e Africanos, por Teco



Quem passa pela América Central não pode fazer qualquer ideia de que milhares e milhares de refugiados africanos aqui chegam na sua demanda de sobrevivência. Fala-se muito do êxodo maciço de refugiados africanos para o interior das fronteiras vizinhas da europa. Mas mal se imagina que o seu desespero chega ao ponto de os levar a atravessar o Atlântico de barco para entrarem pelo canal do Panamá ou pelo Brasil (o ponto da América mais próximo do continente africano) e tentarem subir toda a américa central até aos Estados Unidos ou ao México. A Costa Rica é, pois, apenas, um ponto de passagem nesta vergonhosa odisseia dos tempos modernos
 
Agora a Nicarágua do progressista Daniel Ortega resolveu fechar-lhes a fronteira e, em consequência, acumulam-se milhares de refugiados africanos do lado de cá, da Costa Rica. Têm a cor da pele a identificar-lhes o desespero, são distintos e receados pelos nativos costa riquenhos que alertam nos telejornais contra a insegurança. Têm razão, claro, mas poucos lembram que os africanos são, também eles, vítimas de exploração desenfreada

A decisão da Nicarágua de travar esta gente na fronteira é pouco compreensível porque os refugiados não querem ficar na Nicarágua – que já tem problemas de sobra – mas apenas atravessar o país para chegar aos Estados Unidos. O resultado é dramático para os africanos e para as populações costa riquinhas fronteiriças. Como esta zona é uma selva tropical mais ou menos cerrada, o cenário não é parecido com o que vemos na europa onde os campos de refugiados estão situados em espaços abertos (e inóspitos) e perfeitamente demarcados por vedações (de arame farpado). Mas o problema não é estético: a segurança é, simplesmente, mais difícil de assegurar assim, com tanta gente espalhada por extensões enormes de selva. Compreende-se o receio sentido pelas populações locais, pequenas aldeias ou mesmo barracas isoladas, quando se vêm, subitamente, cercadas por milhares de desesperados. Naturalmente que há roubos, se eu estivesse na pele dos africanos, claro que roubaria umas galinhas para comer. Mas também compreendo a hostilidade de alguns «ticos», basta um simples exercício de empatia, coloquemo-nos no seu lugar… Marvin, um costa riquenho que conheci, diz-me que as populações tentam ajudar os refugiados: um banho hoje, comida amanhã, mas isto é possível por um, dois, três dias e insustentável ao quarto.

Por outro lado, pouco se fala da situação desesperada dos africanos. Não apenas da sua saga insana, mas do facto de, também eles, aqui chegados, serem vítimas de exploração de máfias organizadas e de assaltos perpetrados por bandidos locais que lhes roubam o nada que possuem. Como entender, então, a decisão do presidente Ortega, os destacamentos de polícia de choque na fronteira da Nicarágua, armaduras medievais couraçadas e AK 47 a tiracolo? Eleições, explica-me Marvin. Seguro: quando há eleições na Nicarágua, Ortega arranja uma complicação com a Costa Rica. A estratégia é universal, da América à Ásia – unir os seus apontando um inimigo comum. O inimigo comum une - nicos contra ticos

Os mais prejudicados são os refugiados africanos que apenas pedem que os deixem passar. E ainda não vão nem a meio na sua longa e impensável viagem, de rastos pela África desolada, de cargueiro clandestino até ao Brasil ou ao canal do Panamá, a pé pelas florestas da Colômbia, da Venezuela ou da Costa Rica, enfrentando feras não apenas humanas... Se passarem a fronteira da Nicarágua, se conseguirem fintar Ortega e os seus «nicos» armados até aos dentes, ainda têm pela frente El Salvador, as Honduras, a Guatemala ou o infinito México até chegarem ao el dorado norte americano… Para esbarrarem, enfim, nos muros visíveis e invisíveis dos Trump. A saga desta gente, afinal, ainda mal começou.

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