11/07/04

Viva a República! O génio não é hereditário, provam-no os vinhos da Filipa Pato! Hoje, vou escrever à Saramago que foi agraciado com o título de doutor honoris causa na universidade de Coimbra. (Na verdade, o post foi alterado alguns dias depois, porque o autor não percebeu o que escrevera). Em sua homenagem vou escrever à maneira do escritor com a testa mais esquisita da história da literatura, talvez só equiparável ao Anatole France que tinha uma cabeça com dimensões incompatíveis com os feitos literários de acordo com os saberes científicos daquele seu ingrato tempo. Fosse tal prova ainda necessária e pela bizarria craniana do genial autor de Memorial do Convento se contestariam as teses de Johann Gaspar Spurzheim, fundador da frenologia, bem assim como de todos os frenólogos que já não existem. Perdoe-me o leitor estas minhas considerações prévias que mais não são do que preparativos para atacar o que no início deixei dito a propósito da república, da hereditariedade, do génio e da estreia enófila da bela filha de Luís Pato, célebre produtor da Bairrada. Ou melhor, das Beiras, caso prefira ter em consideração as divergências do autor da Vinha Pan ,Vinha Barrosa,Vinha Barrio, Quinta do Moinho e outras preciosidades, com destaque para o mítico Quinta do Ribeirinho Baga Pé Franco. Quero eu dizer então que se o génio dos escritores se não mede pela testa, assim também se não avaliará a qualidade dos enólogos pelo apelido de família ou pela formosura do rosto, posto que se assim procedêssemos seguramente a bela flor oriunda de Óis do Bairro nos mereceria os mais elevados encómios. Mas não, e é pena que os vinhos desmereçam a beleza do rosto que os concebe. Fosse esta regra uma das leis do universo e excelentes seriam os vinhos de Filipa, contrastando com os de seu pai. É porém Republicano o Mundo, e assim a qualidade do vinho deve ao génio tanto quanto é alheio à beleza das mãos que o criam.
Espero, aqui chegado, contar com a compreensão do meu caro leitor e agora lhe confidencio que a Real Esseponto do Tinto se deslocou na passada sexta-feira à cidade de Aveiro. Jantámos no Salpoente uma sopa de peixe que não estava má. Para alguns estava mesmo excelente, que não para mim que não vi suplantada a sopa de peixe do famoso e há já muito remodelado Centenário. Tal como a caldeirada que a quase todos agradou, que não a mim, mais uma vez ficando já eu amedrontado por ser tomado do contra. Mas, também aqui, não consegui ver ultrapassada a memória das belas caldeiradas de Peniche. Enfim, bem servidos. Presença marcaram, para além deste cronista humilde imitador e grande admirador de Fernão Lopes nesta tarefa de legar ao futuro marca dos feitos memoráveis, como quem carimba o tempo com as palavras do presente, o nosso Grão, o Mister (que atende pesados telefonemas às 3 da manhã), o Corneiro, o Banderas mais um convidado, o Mau, o Chulé, o Camisa Rosa, o Nini e o Vice. O abstémio Nini ganhou a prova cega com vinho de meia dúzia de euros - um tal de Barroso - que a todos agradou, provando-se como a lição do José Neiva é seguida por outras bandas. Surpresa foi porém, já no final do concurso quando encarapuçados só restavam dois tintos - um destinado à glória do lugar mais alto do podium e o outro a lançar à lama da ignomínia. No momento imediatamente anterior ao desvendar da resultado final, conformado estava o abstémio Nini com o lugar derradeiro que julgava seu, tanto mais que o parceiro na disputa, sabia-o ele, era um Filipa Pato de seu nome Ensaios. Julgo eu, e sabia-o o Nini, pertencente ao Vice, dado que o acompanhou de Coimbra à longínqua Águeda onde, sob generoso conselho, encontrou uma garrafeira disposta a ceder uma garrafa desta estreia da jovem filha do génio de Óis do Bairro. Aí chegados, o garrafeiro informou o nosso Vice que só dispensava a ambicionada garrafa às caixas de meia dúzia, exigência que não convidou o nosso confrade à reflexão, pois que se rara fosse a qualidade do vinho, intensa seria a demanda e doseada a venda. Mas não. Inverso era o que ali se passava e meia dúzia de garrafas comprou o nosso Vice. Com uma garrafita de Barroso se aconselhou o Nini e a adquiriu no mesmo estabelecimento. Voltemos pois à mesa do Salpoente, sabendo agora o leitor que na disputa final entre a glória e a desonra se encontravam dois peregrinos de Águeda: um portador satisfeito da obra de Filipa e o outro desinteressado apresentador de um vinho que o próprio mal conseguia nomear. Lançada estava a sorte e feito estava o escrutínio. Faltava apenas saber a quem seria entregue o troféu do vencedor. Convencido estava o Nini da derrota e discretamente ufano o Vice se antevia já na vitória. E eis que, quando o Mau desencarapuça o último lugar, se desvenda o primeiro por lógica exclusão. Caído o manto se revela o Ensaio de Filipa! Fosse o vinho reflexo da beleza do enólogo que o criou e de outro modo se entenderia este despir da garrafa que assim se exibiu aos olhos incrédulos de todos, provocando a gargalhada incontida do Abstémio e inesperado vencedor, o escárnio de todos os que mais uma vez renovaram a satânica tradição de calcar o vencido e o inconsolável desânimo do vencido Vice que agora se via com cinco indesejadas garrafas de Filipa Pato na bagageira do carro. Garrafas que poucas horas antes formavam um tesouro entretanto desqualificado. Tal é o efeito do juízo dos confrades, inversa alquimia se pode designar, e que por secretas sentenças unanimemente rejeitaram o Ensaio de Filipa, quais carbonários que fulminaram a herdeira do Pato.

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