A história dos super-heróis remonta aos primórdios da cultura e do pensamento religioso. De facto, já o primeiro texto conhecido da humanidade, Gilgamesh (de que há uma excelente edição em português, traduzida por Pedro Támen), relata as aventuras de um super-herói sumério dotado de qualidades extra-ordinárias. Desde então, a galeria iconográfica dos super-heróis não parou de engrossar, reflectindo, penso eu, uma necessidade humana de transcendência. A cultura clássica grega ou a narrativa mitológica nórdica, só para dar dois exemplos europeus, estão repletas de super-heróis e semi-deuses com poderes fora do normal.
Os próprios cultos religiosos do Livro têm as suas galerias de super-heróis. Maomé no caso do Islão e, no caso do cristianismo, o expoente será sem dúvida Jesus Cristo, logo a seguir ao super-super-herói, ou hiper-herói demiurgo que é Deus. A mitologia cristã, de resto, está cheia de super-heróis com poderes extra-ordinários, a começar nos arcanjos e a acabar no enorme exército de santos milagreiros (homens ou mulheres, mais homens que mulheres, dotados de dons sobrenaturais).
Jesus, no entanto, tal como o (quase) invulnerável Aquiles ou Hércules, destaca-se, não só pelo seu lugar cimeiro na hierarquia cristã, mas também por ser um super-herói com uma natureza mais humana e prosaica (pelo menos até à crucificação) e terá, nesse sentido, apesar de poderes paranormais como transformar água em vinho, dar vista aos cegos ou vida aos mortos, mais paralelo com os contemporâneos Homem-Aranha ou Demolidor e menos com entidades extra-humanas e extra-terrestres como o Surfista Prateado ou o próprio Super-Homem. Isto não obstante ser filho de Deus - de certa forma ilegítimo, como de resto o eram a generalidade dos super-heróis gregos, regra geral fruto de devaneios lúbricos dos deuses do Olimpo com mulheres terrena.
Estas analogias podem chocar o eventual católico leitor, mas eu como não sou católico, nem sequer religioso, vejo as coisas assim e paciência. Ao falar de Jesus também separo a pessoa da persona, o homem do mito reflectido nos Evangelhos e na tradição. É certo que, no que toca a Jesus, a história nos dá muito pouco homem e demasiado mito, mas pelo menos a ajuizar pelos textos canónicos do catolicismo, que reflectem sobretudo o Jesus idealizado, é assim que Cristo prevalece: Como um super-herói de características divinas e super-poderes - similiar ao Thor dos Vikings, igualmente filho de um Deus maior.
È óbvio que os super-heróis da modernidade existem em livros aos quadradinhos. Mas no que a este texto diz respeito, é da natureza dos próprios super-heróis que se trata. E se hoje em dia vivem aos quadradinhos ou no celulóide, noutras eras viveram em romances ou em textos religiosos. Noutras formas, noutros suportes narrativos mas iguais na sua essência de personagens “superiores” aos denominados comuns mortais desprovidos de poder, que somos afinal todos. Projecções do nosso desejo de superação, avatares da nossa imaginação abundante, reflexos da ânsia tão humana de salvadores maiores que a vida.
Um parêntesis para sublinhar a diferença entre heróis e super-heróis. Os primeiros são de outro campeonato. Voltando ao universo clássico, um herói será alguém como Ulisses, ou, já em contexto cristão europeu, como os bravos protagonistas das novelas de cavalaria medieval, figuras como Rolando, o Cid ou Galahad, desprovidos de capacidades extra-ordinárias, ou supra-ordinárias, mas, tal como o Batman ou o Fantasma, por exemplo, dotados de qualidades humanamente superiores, ao alcance de qualquer um sem recurso a magia, radiação cósmica ou intervenção divina. Um herói “não passa”, como tal, de alguém comum que no entanto se destaca dos comuns por revelar notáveis virtudes morais e físicas, nobreza de alma, coragem, etc. Um super-herói, por seu lado, possui a centelha do mistério e o fascínio do transcendente, do metafísico.
Some-se a isto o facto dos superes ou dos heróis serem sempre “gente” motivada pela Justiça, com j grande, paladinos na luta do bem contra o mal, e está mais ou menos e muito resumidamente explicado o fenómeno sócio-cultural dos super-heróis. Para mais e melhor análise remeto para o Eco e para os livros sugeridos pelo Super Hiper ali em baixo.
Creio ser esse o segredo do sucesso da iconografia, eminentemente popular, dos super-heróis, personagens que inspiram o nosso humano deslumbramento pelo “ser superior”, ou que animam o fantasioso escape ao quotidiano comum, regra geral embrutecedor e desprovido de encanto e enigma. É óbvio que não é linear, há muita gente que não tem fascínio nenhum por nada disto e se está a marimbar para os superes e para as criaturas fantásticas, mas uma grande maioria te-la-á. E daí também o sucesso das religiões. Ou da obra de autores como Tolkien ou J. K. Rawlings.
É neste contexto que se inserem, então, os super-heróis dos comics, sobretudo norte-americanos. Sendo parte de um imaginário eminentemente popular, como já vimos, os super-heróis beneficiaram simplesmente da explosão da cultura popular que se produziu nos EUA no século XX. A industrialização da produção cultural e a massificação dos bens culturais e artísticos, motorizadas principalmente pelos Estados Unidos (bem hajam por isso…), aliada à emergência de novas expressões artísticas de massas, como a banda desenhada ou o cinema, resultaram nesta profusão de super-heróis de consumo mais imediato, que os americanos exportaram com grande sucesso para todo o mundo, com destaque para o Japão, onde deram origem à também interessante modalidade das Mangas. É ainda de realçar a grande qualidade estética ou narrativa de alguns autores deste sub-género ficcional, como Frank Miller ou Alan Moore, mormente no capítulo das Graphic Novels.
A estes dois contamos regressar em próximo poste. Merecem destaque pela sua importância revolucionária no contexto dos comics, onde introduziram uma linguagem mais séria e adulta, esteticamente e graficamente inovadora, apresentando um novo tipo de super-heróis, dessacralizados e mais “humanos”, nas suas qualidades mas sobretudo nos seus defeitos. Assumindo, em suma, um registo mais realista e menos fantasioso.
Os próprios cultos religiosos do Livro têm as suas galerias de super-heróis. Maomé no caso do Islão e, no caso do cristianismo, o expoente será sem dúvida Jesus Cristo, logo a seguir ao super-super-herói, ou hiper-herói demiurgo que é Deus. A mitologia cristã, de resto, está cheia de super-heróis com poderes extra-ordinários, a começar nos arcanjos e a acabar no enorme exército de santos milagreiros (homens ou mulheres, mais homens que mulheres, dotados de dons sobrenaturais).
Jesus, no entanto, tal como o (quase) invulnerável Aquiles ou Hércules, destaca-se, não só pelo seu lugar cimeiro na hierarquia cristã, mas também por ser um super-herói com uma natureza mais humana e prosaica (pelo menos até à crucificação) e terá, nesse sentido, apesar de poderes paranormais como transformar água em vinho, dar vista aos cegos ou vida aos mortos, mais paralelo com os contemporâneos Homem-Aranha ou Demolidor e menos com entidades extra-humanas e extra-terrestres como o Surfista Prateado ou o próprio Super-Homem. Isto não obstante ser filho de Deus - de certa forma ilegítimo, como de resto o eram a generalidade dos super-heróis gregos, regra geral fruto de devaneios lúbricos dos deuses do Olimpo com mulheres terrena.
Estas analogias podem chocar o eventual católico leitor, mas eu como não sou católico, nem sequer religioso, vejo as coisas assim e paciência. Ao falar de Jesus também separo a pessoa da persona, o homem do mito reflectido nos Evangelhos e na tradição. É certo que, no que toca a Jesus, a história nos dá muito pouco homem e demasiado mito, mas pelo menos a ajuizar pelos textos canónicos do catolicismo, que reflectem sobretudo o Jesus idealizado, é assim que Cristo prevalece: Como um super-herói de características divinas e super-poderes - similiar ao Thor dos Vikings, igualmente filho de um Deus maior.
È óbvio que os super-heróis da modernidade existem em livros aos quadradinhos. Mas no que a este texto diz respeito, é da natureza dos próprios super-heróis que se trata. E se hoje em dia vivem aos quadradinhos ou no celulóide, noutras eras viveram em romances ou em textos religiosos. Noutras formas, noutros suportes narrativos mas iguais na sua essência de personagens “superiores” aos denominados comuns mortais desprovidos de poder, que somos afinal todos. Projecções do nosso desejo de superação, avatares da nossa imaginação abundante, reflexos da ânsia tão humana de salvadores maiores que a vida.
Um parêntesis para sublinhar a diferença entre heróis e super-heróis. Os primeiros são de outro campeonato. Voltando ao universo clássico, um herói será alguém como Ulisses, ou, já em contexto cristão europeu, como os bravos protagonistas das novelas de cavalaria medieval, figuras como Rolando, o Cid ou Galahad, desprovidos de capacidades extra-ordinárias, ou supra-ordinárias, mas, tal como o Batman ou o Fantasma, por exemplo, dotados de qualidades humanamente superiores, ao alcance de qualquer um sem recurso a magia, radiação cósmica ou intervenção divina. Um herói “não passa”, como tal, de alguém comum que no entanto se destaca dos comuns por revelar notáveis virtudes morais e físicas, nobreza de alma, coragem, etc. Um super-herói, por seu lado, possui a centelha do mistério e o fascínio do transcendente, do metafísico.
Some-se a isto o facto dos superes ou dos heróis serem sempre “gente” motivada pela Justiça, com j grande, paladinos na luta do bem contra o mal, e está mais ou menos e muito resumidamente explicado o fenómeno sócio-cultural dos super-heróis. Para mais e melhor análise remeto para o Eco e para os livros sugeridos pelo Super Hiper ali em baixo.
Creio ser esse o segredo do sucesso da iconografia, eminentemente popular, dos super-heróis, personagens que inspiram o nosso humano deslumbramento pelo “ser superior”, ou que animam o fantasioso escape ao quotidiano comum, regra geral embrutecedor e desprovido de encanto e enigma. É óbvio que não é linear, há muita gente que não tem fascínio nenhum por nada disto e se está a marimbar para os superes e para as criaturas fantásticas, mas uma grande maioria te-la-á. E daí também o sucesso das religiões. Ou da obra de autores como Tolkien ou J. K. Rawlings.
É neste contexto que se inserem, então, os super-heróis dos comics, sobretudo norte-americanos. Sendo parte de um imaginário eminentemente popular, como já vimos, os super-heróis beneficiaram simplesmente da explosão da cultura popular que se produziu nos EUA no século XX. A industrialização da produção cultural e a massificação dos bens culturais e artísticos, motorizadas principalmente pelos Estados Unidos (bem hajam por isso…), aliada à emergência de novas expressões artísticas de massas, como a banda desenhada ou o cinema, resultaram nesta profusão de super-heróis de consumo mais imediato, que os americanos exportaram com grande sucesso para todo o mundo, com destaque para o Japão, onde deram origem à também interessante modalidade das Mangas. É ainda de realçar a grande qualidade estética ou narrativa de alguns autores deste sub-género ficcional, como Frank Miller ou Alan Moore, mormente no capítulo das Graphic Novels.
A estes dois contamos regressar em próximo poste. Merecem destaque pela sua importância revolucionária no contexto dos comics, onde introduziram uma linguagem mais séria e adulta, esteticamente e graficamente inovadora, apresentando um novo tipo de super-heróis, dessacralizados e mais “humanos”, nas suas qualidades mas sobretudo nos seus defeitos. Assumindo, em suma, um registo mais realista e menos fantasioso.
Sem comentários:
Enviar um comentário