28/02/08

A Paixão de Cristo Segundo a Turma C, por Maria Madalena

A Paixão de Cristo de Mel Gibson é um dos filmes mais cabotinos que já tentei ver (digo tentei porque aquilo é impossível de ver). O filme é ideologicamente retrógrado. É um verdadeiro retrocesso porque justifica a mensagem Cristã da pior forma: apelando, simplesmente, ao terror e à compaixão. Era assim que a Idade Média via Deus com um misto de culpabilidade, compaixão e terror; mas não pode ser esta a forma de, no século XXI, justificarmos o cristianismo.

Prefiro mil vezes A Paixão de Cristo de Martin Scorsese e a dimensão humana e céptica que está por detrás da sua Santidade. Scorsese coloca-nos no lugar de Jesus. Gibson limita-se a despertar um mórbido sentimento de horror e comiseração. É certo que o filme de Scorsese foi recebido como herético por se fundar nos Evangelhos Apócrifos, mas é, de longe, muito mais pertinente e faz muito mais pela mensagem Cristã do que a visão reaccionária e retrógrada de Gibson, supostamente baseada nos evangelhos oficiais.

Mel Gibson é um pornógrafo da violência. Espanta-me como a Igreja admira a sua visão sado-masoquista. Dá a impressão que, desde que embrulhada num contexto bíblico, a violência gratuita está justificada. Porque é que a simples sugestão de uma cena de sexo num filme anónimo pode ser tão escandalosa e aquelas cenas de meia hora de flagelação do Cristo de Gibson são consideradas imaculadas?

Mas às vezes a coisa corre mal. O S. é meu amigo e um dia destes contou-me esta interessante história que se passou com o filho. Conta-me o S. que o professor de moral da turma do filho teve um destes dias a ideia peregrina de passar o filme do Gibson nas aulas, em vários capítulos para ser mais emocionante... Mas parece que o resultado não foi bem aquele de que senhor estava à espera. Metade da turma, conta-me o S., vira a cara para o lado ou simplesmente recusa-se a ver o filme. E a outra parte vê o filme de uma perspectiva que, de certezinha, não era aquela que o professor esperava. Na última aula, ia a meio o flagelo, quando grita um aluno do fundo da sala:
- Eh malta, não percam esta cena, é espectacular, o gajo agora vai-lhe dar com um cacete ainda maior… É sangue por todo lado...

Ou seja, os alunos estão a ver o filme como vêm qualquer vulgar filme de «artes marciais», de perseguições de automóveis ou de sanguinárias batalhas de Power Rangers no espaço. O que admiram é, simplesmente a crueza da violência em todo o seu esplendor. Parece que em vez do filme formar os alunos piedosos e bons cristãos de que o professor estava à espera, está é a formar verdadeiros cultores da violência gratuita. Eles apreciam os golpes como se fossem poemas, admiram mais a brutalidade do soldado romano que o sofrimento de Jesus. Em vez de sentirem pena e compaixão, aplaudem, isso sim, os esguichos de sangue a jorrarem no écran… Um filme destes é perigoso até do ponto de vista dos seus próprios objectivos. Gibson passou os limites do decoro. E é por isso que eu receio que a anedota se torne realidade: que o seu próximo filme seja mesmo a descrição detalhada durante três horas dos últimos dois minutos da vida de Joana D`Arc a arder na fogueira, santa agonia, valha-nos Deus que bem pode…

27/02/08

O Grande Nel, por Fã do Nel

Há muito, muito tempo, quando era mais jovem ainda, trabalhei numa rádio daquelas muito locais, de aldeia, no tempo em que as rádios falavam e eram muitas. Enfim, pagavam mal mas era divertido. Nas férias grandes assegurava os “discos pedidos”, um delírio de duas horas a atender e a dar conversa à clientela, muitos emigrantes saudosos, campónios apaixonados e donas de casa românticas, passava por lá de tudo.
Isto foi nos meados de 80 e, nessa altura, recordo-me de alguns dos hits mais pedidos. Canções que então ouvi centenas, senão milhares, de vezes para agradar ao publicozinho. Se coisa aprendi foi a tolerar, mas nem sempre a respeitar, os gostos dos outros e a olhar com outra abertura para todo o espectro da música popular e até era com prazer que virava e revirava os sucessos do momento.
De fora vinham pérolas como o “The Final Countdown” ou “You’re in the army now”, duas canções que para sempre me ficaram gravadas na alembradura e de vez em quando regressam para me assombrar. Mas serve esta para falar dos hits nacionais que então proliferavam. E desde logo, três grandes artistas me vêm à mente: José Malhoa, Jorge Ferreira e Nel Monteiro. Três gigantes! Um, o primeiro, dono do clássico “24 Rosas”, o segundo, autor do monumento chamado “Carro Preto” (“carro preto, diz-me lá porque razão, partistes meu coração, por o meu amor levar” traláláchimpumetc) e o terceiro, O Mestre, com êxitos incontestados como Retrato Sagrado ou Azar na Praia ou o Alô, Alô Maria Antónia. Ou mesmo o ousado Tira o Bikini!
É o grande Nel que gostaria de destacar aqui, designadamente o seu último grande lançamento com a costumeira Orquestra Lusitana, considerado unanimemente pela crítica especializada como um significativo passo em frente no contexto musical e semiótico do cantor e songwritter, que aqui desbrava muitos novos caminhos em direcção a sabe-se lá onde. «Trata-se de um significativo passo em frente», afiançou um dos críticos, acrescentando que Nel, com esta cassete, «supera-se a si próprio e aos demais».
Senhoras e senhores, o último trabalho do Rei Nel: “Puta Vida, Merda Cagalhões”! Um álbum para a história:


As Músicas do Porco - Discos que Já Ninguém Ouve Mas Que São Excelentes, por Maestro

Peter Frampton – Comes Alive. Ficou conhecido como o disco em que o Frampton fez falar a guitarra. O homem ganhou fama de ser um dos maiores guitarristas do mundo. Numa altura em que o rock FM e as super bandas americanas invadiram a Terra, Comes Alive foi, talvez, a única coisa de jeito que surgiu desse filão. Talvez porque mantinha uma energia genuinamente Rocker que Frampton, demasiado metódico, nunca haveria de atingir em estúdio.

25/02/08

O Miguel Sousa Tavares Tá Gordo!, por Maigret

Há em Portugal um verdadeiro Caso Sousa Tavares. Durante anos o Miguel Sousa Tavares foi uma referência do livre pensamento em Portugal. Foi um colunista provocador e incómodo que afrontou os poderes e poderzinhos que se instalaram neste pobre país. Li com admiração muitos dos seus artigos: o homem não tinha medo, batia onde doía, afrontava os grandes, os interesses instalados. Vi-o atirar-se ao lóbi da construção civil, chamar pelo nome o crime que empreiteiros, autarcas e governos da república fizeram, primeiro ao Algarve, depois ao Alentejo e, por fim, a todo o litoral português. Vi-o indignar-se com a ganância dos campos de golfe numa região, o Algarve, onde a água escasseia até para as populações. Vi-o assanhado contra a indústria terceiro mundista da celulose no nosso país e contra a eucaliptização do território. Vi-o cascar sem dó nem piedade no autoritarismo e na arrogância cavaquista, principalmente no segundo mandato, e vi-o denunciar essa chusma de inúteis que pululam nas juventudes partidárias. Até o vi denunciar a corrupção instalada do financiamento dos grandes partidos!

Em suma, durante anos reconheci em Miguel Sousa Tavares um homem incómodo que se batia por causas nobres e denunciava a decadência de um país sem rumo. Infelizmente este Miguel Sousa Tavares já não existe. Em seu lugar está uma outra personagem – o homem, simplesmente engordou, está anafado por fora e por dentro. Vi-o um dia destes na TV e nem quis acreditar que aquela era a pessoa que me habituei a respeitar. Sousa Tavares faz lembrar aquela malta que era hippie nos anos 60 quando tinha 20 anos, mas que assim que teve a oportunidade de se agarrar a um tacho bem pago, tá a aproveitar que esta vida são dois dias e, como dizia a Teresa Guilherme, a maior filósofa portuguesa dos tempos modernos, «quem tem ética passa fome».

Hoje o Miguel Sousa Tavares Gordo já nada tem a ver com o Miguel Sousa Tavares do passado. Aburguesou-se! De voz incómoda que punha em causa o sistema, tornou-se o principal defensor do sistema. É ele o principal ideólogo do regime socratinista, o resquício de cérebro do governo mais acéfalo de que há memória em Portugal. Traindo o passado que lhe conferiu a credibilidade que ainda lhe resta junto de alguns incautos, Sousa Tavares especializou-se, em fazer apologias descabeladas e demagógicas dos interesses instituídos, da máquina política e do regime pê-esse em particular.

Passou anos a cascar na arrogância cavaquista; mas agora acha que o ingenheiro pinto de sousa não é arrogante nem prepotente, é firme… Criticou a falta de rigor do ensino neste país – mas acha que a forma como o primeiro-ministro tirou o malfadado curso de ingenheiro na UNI é exemplar. E acha correcta a avaliação dos professores em função das boas notas que dão aos alunos… Foi um exemplo vivo da acutilância do jornalismo; mas acha que o Público desce muito baixo quando, legitimamente, escrutina o duvidoso passado de um primeiro ministro que assinou projectos de outros autores, dezenas à bórliu, segundo o próprio… Não se pronuncia sobre o deficit democrático do país, ele que outrora se indignou com o episódio da ponte 25 de Abril... Agora nem pia quando a polícia identifica manifestantes que mais não fazem que apresentar os seus pontos de vista às câmaras da TV. Acha que a maioria absoluta (outrora considerada a fonte de todo o mal) dá legitimidade ilimitada ao governo para fazer como quer. Acha que os tribunais são uma força de bloqueio que não deixa governar um governo com maioria absoluta! E o que resta do ecologista preocupado com o Algarve que agora acha naturalíssima a instalação da co-incineração em plena área protegida do parque da Arrábida ou em cima da população de Souselas? Para ele o Apito Dourado é uma ficção, um vulgar «caso de pilha galinhas» (sic). No dizer de Sousa Tavares, o pinto da costa, os valentins, os agressores de Ricardo Bexiga, é tudo gente impoluta, no pasa nada… Em suma, Sousa Tavares tá gordo, aburguesou-se, habituou-se a viver à custa da credibilidade que soube conquistar no passado. Dantes fazia lembrar um forcado amador de Sanatrém daqueles que vão na frente e pegam o touro pelos cornos; agora é o gajo roliço e anafado que fica no fim da fila a puxar a cauda do touro... Do touro errado, claro.

Sousa Tavares é um acumulador de colunas de opinião. Talvez seja essa a razão de ter engordado tanto. Para além de se ter tornado um escritor de sucesso, escreve para a Bola, perorando semanalmente sobre uma matéria que ignora profundamente, o futebol. Tem uma coluna de bitaitada no Expresso e ainda vai à TVI mandar umas larachas... Só gostava de saber se este verdadeiro profissional liberal da atoarda desconta religiosamente os impostos que são devidos a tanta função. É que estamos a falar de espaços de opinião principescamente remunerados, acumulados em catadupa nos principais órgãos de comunicação social… Será que podemos saber quanto é que desconta este profissional da acumulação? Eu gostava de saber, não porque duvide do seu cumprimento, mas simplesmente porque queria ter uma ideia acerca de quanto vale em termos pecuniários um bom apologista do sistema. Dá-me a impressão que a coisa compensa e, assim como assim, pese embora o retrato cor de rosa dos socratinos deste país, ainda há tanto desempregado por aí…

23/02/08

Íntima Homenagem, por Rádio X


ps: Este post é uma adenda ao anterior. E também pode ir para o rol dos posts sobre os grandes álbuns da história da música popular, iniciada lá em baixo com os Crosby, o Prince e os Young Marble Giants. Pet Sounds, álbum onde está este tema "God Only Knows" (tema "fétiche" do programa Íntima Fracção), é tido como a obra-prima absoluta dos Beach Boys e um dos discos mais importantes da história do rock.

Radio Waves, por Rádio X

Apesar do paupérrimo panorama “etérico” nacional, sobretudo ao nível musical, a rádio portuguesa ainda é capaz de nos dar umas alegrias. Venho aqui e agora falar de duas, passíveis de descarregar em podcast e ouvir em qualquer leitor de mp3.

1. Uma das jóias da coroa radiofónica nacional é um “objecto” magnífico chamado Pessoal e Transmissível, na TSF. Todos os dias úteis, ao final da tarde, na companhia de um fabuloso conversador anfitrião e quase sempre de um fabuloso conversador convidado. Os entrevistados parece que são escolhidos a dedo pela sua qualidade. E mesmo quando não são bons conversadores, a mestria de Carlos Vaz Marques transforma o mais lacónico dos personagens (lembro-me do Lobo Antunes, por exemplo) num excelente contador de histórias e confissões. Já foram largas dezenas, os convidados do Pessoal e Transmissível, entre escritores, artistas, psicólogos, músicos (os músicos brasileiros dão sempre entrevistados fantásticos, por acaso), cientistas, filósofos e todo o tipo de gente criativa ou sábia ou as duas coisas juntas que se possa imaginar (até a Carla Bruni já lá passou, em 2004). Um espaço diário de culto, com conversas intemporais. E graças à maravilha das novas tecnologias de comunicação e dos podcasts, as conversas estão, todas, desde 2002, muito facilmente acessíveis pelo link aqui em baixo. A última, com o pintor Júlio Pomar, é um primor.

2. Outro espaço radiofónico que não poderia deixar de destacar aqui é o resistente (sim, ainda resiste!) e sempre lindíssimo projecto Íntima Fracção, do conimbricense Francisco Amaral, que alguns dos estapores conhecem pessoalmente, segundo creio. Este sobrevivente glorioso dos gloriosos “programas de autor”, praticamente extintos pela avassaladora poluição sonora das playlists, também andou muitos anos pela TSF, foi arredado do espaço radiofónico tradicional, mas manteve-se firme, combatendo pela poesia radiofónica com as armas que a tecnologia proporciona: Precisamente também em formato podcast. Além de o autor ter um blog muito, mas muito, recomendável.


Pessoal e Transmissível


Íntima Fracção

22/02/08

O Caroço Da Banana, por Rawalpindi

Série: Eu Tenho Um Amigo…, parte Dois


Eu tenho um amigo que adora peixinhos do rio e ruivacos. Daqueles pequeninos e torradinhos como certamente já estão a imaginar e a salivar. Pois eu gosto mesmo é de ver o meu amigo a comer os bichinhos. Arma-se de faca e garfo e corta-lhes cabeças, rabos, barbatanas, dorsais e ventrais. Depois qual bisturi certeiro abre-lhes a barriga e retira com minúcia a espinha dorsal. Dirão vocês: impossível!. Digo-vos eu: vocês não conhecem o meu amigo. Tira-lhes a espinha, tira-lhes a barbela e vai-se às espinhelas interiores. Nada escapa a um campeão da filigrana. E eu, calado e contente, aprecio o espectáculo e rio-me com as empregadas que vêm da cozinha num corropio ver aqui aquilo que nem no estrangeiro. E vou afinfando nas pirâmides de peixaria. E encho a pança enquanto ele come um ou dois. Vale a pena o meu amigo.

Desculpem-me mas tenho de ficar por aqui. É que o meu amigo acabou de pedir uma banana e este é um espectáculo a não perder. Grande coisa, dirão vocês, mas só o dizem porque não conhecem o meu amigo. É que o meu amigo tira o caroço às bananas e o espectáculo vai começar…

21/02/08

Sometimes it snows in April

Jack London, por Ja'kim Inuit

Há muito, muito tempo, escrevi aqui um post dedicado a filmes de gajos (acho que se chamava mesmo “fitas de ménes”), filmes viris onde as mulheres são pouco mais que adereços. Nesse post escrevi de duas obras de estimação, o “Lawrence da Arábia” (onde a coisa mais feminina que existe é o Peter O’Toolle) e o “Dersu Uzala”, do Kurosawa. E hoje venho aqui para falar um pouco acerca de um dos grandes mestres da literatura de barba rija: Jack London. Há muito tempo que não revisito o London, mas é uma das minhas referências e, goste-se ou não, é um escritor incontornável e muito mais prolixo do que imagina quem o conhece mal. Desde logo, London não é só histórias de aventuras (e mesmo que fosse…): escreveu mais de cinquenta livros, além de inúmeros contos e outras prosas.

Títulos como O Lobo do Mar, o Apelo da Selva, A Febre do Ouro ou compilações de curtas magníficas como os Contos do Extremo Norte, são sem dúvida uma excelente porta de entrada para a leitura para os mais novos, mas na mesma medida em que o será Huckleberry Finn, por exemplo, que é só um marco da literatura universal. Tal como a de Mark Twain, a obra de London tem muito que se lhe diga.

Para quem tem de London “apenas” (com muitas aspas porque a literatura juvenil também tem muito que se lhe diga…) a noção preconceituosa de escritor de aventuras imberbes, aconselho a ler, por exemplo, o romance Martin Éden. Sim, entram mulheres e não, não é passado no Alaska entre inuits e ursos. Não será uma obra-prima, muito menos para os padrões exquisitissimos aqui dos taporquenses, mas pode ser uma excelente surpresa. É de facto um grande livro. Depois, a criatura escreve muitíssimo bem e é uma leitura muito escorreita e cativante. Terceiro, teve um percurso de vida simplesmente extraordinário que só por si lhe daria entrada directa num qualquer panteão de homens “maiores do que a vida”. Como afirmou uma das mulheres da sua vida, Anna Strunsky, London tinha “o corpo de um atleta e a mente de um pensador”.

Em termos literários, London não é só histórias aventurosas de gajos rudes em ambientes inóspitos, mas mesmo que injustamente, o cliché colou-se-lhe e foi efectivamente com essas histórias no Klondike ou nos Mares do Sul que ganhou fama e muito proveito. E é também por essa vertente da sua obra que vai para o rol genérico de escritor macho, membro de uma linhagem norte-americana de grandes escritores iconoclastas, beberrões, caçadores, aventureiros, brigões e putanheiros (Hemingway, Miller, Mailer, Vonnegutt, etc.). Apesar de injustamente rotulado como autor menor por alguma inteligência, London é uma figura central das letras norte-americanas, tendo inspirado de forma determinante gerações de escritores de charneira como os da beat generation, por exemplo.

Toda a existência de London, sobretudo a partir dos 14 anos, altura em que saiu de casa para ir comprar chupas e nunca mais voltou, por outro lado, é uma existência de gajo com G grande. A vida dele não só dava muitos livros, como deu, já que a generalidade da obra é de natureza auto-biográfica (muitas daquelas peripécias radicais, o homem realmente viveu-as!). E o que mais espanta é perceber como é que o homem, alcoólico convicto, conseguia produzir tanta letra talentosa com uma vida tão preenchida noutras frentes. O facto é que a criação literária era para London uma forma como outra qualquer de ganhar dinheiro para estoirar em aventuras e nesse sentido era um escritor pragmático. Definitivamente, não fazia como o outro, que passava uma manhã inteira para mudar uma vírgula. Como em tudo na sua vida, também a escrita era sôfrega: «Não podemos esperar pela inspiração. Temos de ir atrás dela com um pau», disse uma vez. Isto de alguém que também afirmava escrever mil palavras por dia, todos os dias, em média… esta abordagem “mercenária” à escrita era, de resto, assumidíssima (desculpem lá mas não me apetece traduzir esta) «I write for no other purpose than to add to the beauty that now belongs to me. I write a book for no other reason than to add three or four hundred acres to my magnificent estate”. Nem mais. O facto é que tentou mil e um ofícios antes de concluir que só conseguia ganhar dinheiro a sério a escrever ficção.

Mas sobre o escritor e a sua curta mas fascinante vida escreve melhor do que eu por exemplo o José Vítor Malheiros, numa sinopse no Público online. E além disso a internet está cheia de informação sobre este assunto, por isso não vale a pena estar aqui a chover no molhado. Este post serve essencialmente para cativar leitores e porque havia uma lacuna londiniana no tapor. E porque me apeteceu de repente escrever qualquer coisa para o blog, depois do lancinante apelo postal do Grão, e não me lembrei de mais nada assim de repente e de repente saiu isto.

E porque concordo com Vítor Malheiros quando ele diz o seguinte: «Durante anos, London foi vítima dos preconceitos de eruditos e críticos, que acreditaram nas próprias declarações do escritor segundo as quais a sua literatura apenas servia para lhe pagar as contas e o classificaram apressadamente como um escritor de histórias de cães (há muitas, de facto) e de aventuras para rapazes sem interesse de maior. O estudo de London alargou-se, porém, nos últimos anos e as suas edições críticas têm surgido a bom ritmo, acompanhadas por um extenso trabalho de investigação sobre a sua vida e obra, que hoje é reconhecida como profunda e inovadora. O que é talvez mais importante é que London é, porém, um daqueles autores capaz de despertar, apenas com um livro, aquela paixão da leitura que pode iluminar toda uma vida.».

É verdade, comigo foi assim. Tanto que por causa dele nutro desde pequeno uma paixão assolapada e bizarra pelo Alaska e até já jurei a mim próprio que não hei-de morrer sem lá ir. Mas Jack London é acima de tudo uma excelente porta de entrada no mundo da grande literatura.


Ps: Jack London é o nome artístico de John Griffith Chaney, cidadão que veio à luz em São Francisco, a 12 de Janeiro de 1876 (já agora, morreu a 22 de Novembro de 1916).

Pss: O gajo da direita na foto é o poeta George Sterling

20/02/08

Abencerragens! por Fidélio

O problema é essa avantesma, esse falso jovem, essa instituição, essa estátua viva: o Professor Socialista!

São Misteriosos Os Rios Do Senhor, por Sumo Sacerdote

A Igreja da Geografia, Salmo 4 (O Poderoso Orinoco)

Irmãos!, venho hoje falar-vos de uma aberração hidrográfica. Mas perguntarão vocês: “Sumo, então o Senhor na sua infinita sabedoria é capaz de fazer aberrações?” E eu respondo-vos, Irmãos: “É, sim Senhor! Porque são misteriosos os desígnios do Divino. O Senhor obedece a uma lógica que se nos escapa e que nós, no nosso mísero entendimento, jamais alcançaremos. Escapa-se-nos a plenitude da obra Divina. Palavra da Salvação!”

Mas enquanto cá andamos, apreciemos então a sua luminosidade. Mesmo que na forma de aberração. Por isso vos venho hoje, Irmãos, falar do Orinoco. O rio Orinoco nasce nas altas serras de Parima, no sul da Venezuela, pela obra e graça do Altíssimo. Acontece, que este poderoso braço hídrico do Santíssimo, depois de engrossar durante cerca de 400 kilómetros desde a nascente, chega a um pequeno monte e divide-se! Sim, meus Irmãos, Palavra do Senhor, Divide-se em dois! Aleluia!

O milagre liquido, abre-se ao meio como se visse a luz, e metade do poderoso curso segue para Norte dentro da Venezuela governada pelo ímpio e vai desaguar dois mil kilómetros depois, frente a Trinidade e Tobago, que apesar do santíssimo nome, teima naquela órgia demoníaca que é o carnaval caraíba. Não serão perdoados. Pois, este braço norte mantém o nome de Orinoco. É a Verdade, meus Irmãos!

Por sua vez, o braço sul, faz a curvatura contrária adopta o nome de Casiquiare e segue para a Amazónia a sul, entrando no Brasil onde passa a ser denominado por Negro, certamente uma advertência do Senhor ao cuidado que se tem que ter com o Demo. E as suas águas escuras não enganam, o mafarrico nada por ali. O Negro demoníaco vai então desaguar como afluente do all mighty Solimões (Amazonas para os descrentes). Que a paz esteja convosco! Rezaremos para que não ardam no inferno como certamente será o vosso destino!

Eis a obra do Altíssimo. Eis o único caso conhecido em todo o mundo de Comunicação à Superfície de Duas Bacias Hidrográficas. Louvado Seja Deus! A uma escala mais comezinha de cerca de 10 para 1 (mais coisa menos coisa, O Senhor me perdoará!), seria a mesma coisa que o nosso velho Tejo chegar a Alpiarça e amandar-se com a metade norte por Viseu acima e desaguar em Bilbao e a metade sul virar por Évora e Granada e ir desaguar a Valência. Só o Omnipotente pode coisa tão sacra. Santificado Seja o Seu Nome! Regozijemo-nos com a Magnificência da Sua Obra! Palavra da Salvação. Oremos, Irmãos.

19/02/08

Elogio Socrático, por Nixon


O Porco, excepção feita ao defunto Jótta, é visceralmente anti-socrático. O que está mal, já que o homem tem méritos. E pela primeira vez na história do Porco, o Sócrates vai ser aqui elogiado. Portanto, a malta arraigada ao ódiozito de estimação que arrepie caminho e arrede daqui, porque fica avisada que não vai gostar da leitura seguinte.

Reconheça-se que o homem é bom. É um politico nato, habilidoso e escorregadio. Não tenho qualquer dúvida que este homem conseguiria vender frigoríficos a esquimós e cachecóis aos selváticos da amazónia. Eu comprava-lhe um carro, certamente. E vocês também. Mesmo com azulejos no pára-choques e um cãozito a abanar a cabeça no tablier. O Nixon era um aprendiz de feiticeiro no início da estrada de Damasco. O nosso primeiro foi lá e já voltou. Cheio de epifanias.

Veja-se a entrevista de ontem. O homem foge da TVI mais caustica e nas mãos de um grupo estrangeiro menos manobrável, mas também não vai à prata da casa da RTP por pudor e ganho de credibilidade. Vai à SIC do Balsemão, que ainda tem na memória as ameaças veladas e as directas sorrateiras, aquando da última renovação da licença de televisão. Depois, a equipa de entrevistadores mete como sempre o inefável Ricardo Costa, irmão do António Costa. Nem questiono a independência de tal equipa, porque não se pode questionar uma coisa que não existe.

E o nosso primeiro não foi à luta de qualquer maneira. Antes assegurou-se certamente e assim foi cumprido, que não lhe iam perguntar pelos projectos, pelas casas de banho viradas ao contrário, pelos tis Joaquins que juram a pés juntos que o nunca conheceram e nada lhe encomendaram ou pagaram. Assim como nada lhe perguntaram sobre quem mente, se ele, se os tis joaquins. E não lhe perguntaram o que é que ele achava de um trabalho de licenciatura de inglês técnico feito em meia página A4 com 19 erros e 18 valores de classificação. E não lhe perguntaram pela sacanice da colocação na net dos devedores quando o Estado deve tudo o que pode e não pode a todo o cão e gato. E não lhe perguntaram porque raio precisa de um ministro da saúde, se a politica é dele e de mais ninguém. Nem lhe perguntaram porque continua a falar da aposta no interior em vez de avisar as pessoas que aí é tudo para fechar. Muito menos lhe perguntaram pela ineficácia total dos tribunais administrativos e fiscais e do roubo descarado que são as custas judiciais ou sequer do crime de burla e de roubo à mão armada que fez aos notários. E nem lhe perguntaram, a propósito da sacrossanta co-incineração, se a monitorização dos indicadores de saúde e dos controles dos gases pesados já estão no terreno ou sequer porque raio, estão os óleos e solventes a entrar no processo.

No mais foi um fartote de lições politicas e controle de uma entrevista. Sendo certo que aquela equipa de entrevistadores se prestou a esse papel, isso não retira o mérito ao nosso primeiro que de forma directa ou indirecta obteve o que quis. Tal gente perante a mínima contradição deixou-o fazer poses de virgem ofendida e deixou-o embrulhar o presente com redundâncias gongóricas, que espremidas nada dizem.

Desplantes incríveis como dizer que já criou 90.000 empregos, passaram em branco e sem qualquer afrontamento e não houve uma única daquelas alminhas jornalísticas que tivesse a coragem de lhe dizer que no mesmo período se perderam 230.000 empregos e que Portugal tem hoje uma das mais altas taxas de desemprego. A imponência e a pose imperial do nosso primeiro foi tal, que chegou a afirmar que acredita na honestidade irredutível dos nossos professores, que certamente não vão facilitar nas boas notas por passarem a ser avaliados em função delas. Será que seria assim tão mau dizer-lhe que é natural que as pessoas caiam em facilidades porque têm de fazer pela vida, como ele fez a assinar projectos de casas de banho invertidas e a ter aulas no gabinete do reitor?

Ganda primeiro. Um politico e peras. Longe vão os tempos do nabo do cavaco a encher a boca de bolo-rei com a trupe de jornalistas sempre a metralhá-lo e afrontá-lo com a ponte, e o tabu, e o cadilhe, e as contas e a vaca morta e podre no Alentejo e as criancinhas com fome. Eu sei lá. E relembro o massacre do Ferreira do Amaral, e o assassínio em directo do Guterres nas contas do PIB, no pântano, no no-job-for-the-boys. Acho que a malta jornalística anda um bocado perdida. Salve-se A Quadratura do Círculo e O Eixo Do Mal. Mas a esses o esperto do nosso primeiro não vai. É de politico.

18/02/08

Eu Tenho Um Amigo…,por Rawalpindi

Parte Um - To Moon

Eu Tenho um amigo…, que esteve na América a aprender o significado do verbo “to moon”. E aprendeu a fazê-lo. A moonar. E não perde uma. Sempre que vai num carro alheio conduzido por jarbas desprevenido, alça-se ao cimo do banco, vira o cu para o vidro e zás, cola a nalgas felpudas à vidraça acelerada em gesto de provocação e insulto. Quiçá de puro prazer!

É um cu bonito, branquinho e rapadinho, que dá gosto ver. Já o avisamos de que aqui num é a américa, mas o gajo não quer saber. Sempre que há oportunidade e mesmo quando não há, o artista desfivela a calcita e tunga, bota o rabudo de fora. De modos que vai um incauto descansado e deliciado a ouvir o encantatório “Bang, Bang” da Nancy Sinatra e bimba, salta-lhe janela fora do carro do lado as bimbas rabudos do meu amigo. To Moon. Na América até criaram um verbo. Literalmente mostrar o rabo à lua.

Por vezes o meu amigo engana-se. Julga reconhecer o carro da malta e quando vai a ver espetou as nalgas fresquinhas nas fuças de uma velha assombrada. Choque e Espanto. Já o avisámos que um dia destes mata alguém. Ou esfrega o nalguedo em GNR disfarçado. Não sei se há multa para os moonadores. Até porque aquilo também não é bem um "atentado ao pudor". Nas américas os moonadores são perdoados e aceites. É esquisito, mas é assim. Prisão se mostra a maminha, perdão se mostra o rabinho. E o meu amigo esteve na américa. Pra mim tem cem anos de perdão.

Mas Portugal não computa tradições alheias. Basta ver a escandaleira da era cavaquista, quando um aluno do secundário subiu aos ombros dos colegas e mostrou o cu à Assembleia da República. Nasceu aí o “geração rasca”. Mas o meu amigo não se importa, nem se ofende e nós nem desgostamos de apreciar tão cuidado rabinho. To Moon. A américa aqui e agora, no facies inocente de um rabo bem tratadinho. À Lua.

O Maldito Porno Que Não Se Descarrega Sozinho…, por NóGórdio

Mais do que o golfe do Tarik, mais do que a escravidão sexual do Automotora pelos Monges Tibetanos, mais ainda do que a Socratice do Jótta ou os próprios devaneios lunares do Mãozinhas (ver post acima), o carácter defunto do Porco fica a dever-se ao maldito porno que não se descarrega sozinho! Mea culpa. É um dilema a que voltaremos em breve.

Para já aqui fica apenas uma profissão de fé e vontade: You Shall Never Die Pig!. Mais até: You Will Never Walk Alone. A vara está de volta. Da minha parte, voltamos aos postes diários e abafanço do post alheio. E espero que passe ao Jótta a mágoa de fazer parte de um blog visceralmente anti-socrático, que ao Tarik lhe passe o nervoso da falta de fumaça e que ao Mangas volte vontade de afiambrar na fruta.


15/02/08

As Músicas do Porco - Discos que Já Ninguém Ouve Mas Que São Excelentes, por Maestro


Young Marble Giants – Colossal Youth. É o único disco da banda, uma banda meteoro que apareceu fez esta obra prima e desapareceu para sempre. Os YMG fizeram história no antigo Som da Frente do António Sérgio (sim, esse mesmo que relançou a carreira dos Xutos até ao estrelato). Estiveram em Vilar de Mouros nos anos 80, um dia depois dos U2, à data uma banda imberbe. Foram vaiados, massacrados e vilipendiados. Razão: usavam caixas de sons e samplers o que era uma heresia para uma plateia de ideólogos da pureza das barragens sonoras no período pós-punk. De lá para cá Colossal Youth tornou-se um álbum de culto. Foi editado o ano passado em CD, mas ainda não o arranjei. Os YMG são a banda mais minimalista da história da música popular: duas, três vozes e caixas de ritmos. As músicas são geniais e concisas como slogans publicitários.





As Músicas do Porco - Discos que Já Ninguém Ouve Mas Que São Excelentes, por Maestro


Prince – Parade. Quando apareceu, nos anos 90, eu nunca tinha ouvido um som como aquele. Parece que o Prnce tinha embrulhado os instrumentos – em particular a bateria – em tecido de veludo. Depois da fase dos solos furiosos das guitarras eléctricas dos anos 70 e dos baixos preeminentes dos 80, Prince inventou algo completamente radical: o som contido, filtrado, embrulhado em veludo de Parade. É o disco de uma das mais fantásticas baladas da história da música pop: Sometimes in Snows in April. Ainda me lembro das noites de Verão na minha sala de visitas a dizer ao JPC: «mete essa música outra vez». E ali ficávamos em silêncio religioso, pela noite dentro…

As Músicas do Porco - Discos que Já Ninguém Ouve Mas Que São Excelentes, por Maestro


CSNY – Déjá Vu. Uma obra prima absoluta. O ponto mais alto que alguma vez foi atingido na música popular do ponto de vista da harmonia vocal e instrumental. Não há duas músicas como Carry On, nem os maiores perfeccionistas da história, os Pink Floyd, lá chegam… É tudo perfeito, não há aqui notas a mais nem a menos. E nenhuma outra banda reuniu tanta voz de qualidade, nem os Queen no seu melhor.

12/02/08

Happy Birthday Tapornumporco, por Partizan

Não sei se alguém deu por isso, acho que não, mas no dia 5/1/2008 o Tapornumporco fez 4 anos. Foi precisamente no dia 5/1/2004 que o Tapor fez a sua entrada explosiva na blogosfera. Este foi o primeiro post do Tapornumporco:

«A RS.T já tá na blogosfera! Eu escolhi o nome. Se não gostam, preencham formulário de reclamação modelo 45635-A e enviem ao Grão. Anexem fotocópia do BI, do NIF e do cartão de sócio do Benfica. Juntem ainda certificado comprovativo da frequência da escolaridade obrigatória, declaração da Junta de Freguesia da área de residência, atestado de robustez-física e psíquica, declaração de 3 comerciantes idóneos da vossa área de residência, 3 fotografias tipo-passe com a cabeça descoberta, 45 euros em numerário ou em cheque ao portador e ainda uma certidão da conservatória de registo predial a atestar que não vivem debaixo da ponte. Ou então, metam uma cunha que eu logo vejo o que é que se pode arranjar.»

Agora não estou com pachorra para grandes balanços, mas é curioso olhar para o passado e perceber como este blog já foi tanta coisa e tão diferente. Actualmente o Tapor é muito diferente do que começou por ser ed o que veio a ser desde então. A maior parte da malta cansou-se de escrever para cá. Por mim, não deixarei morrer o Tapor. Nem que seja como depósito de pensamentos, ideias, impressões, palermices e idiotices que se passam comigo e à minha volta, o Porco viverá aida muitos anos. E prevejo que ainda será muita coisa e muita coisa diferente do que é agora, como sempre foi. Se o Tapor fosse gaja, ficava, decerto, chateado de termos deixado passar o seu aniversário. Como não é, ele não se chateia. Com um mês de atraso: Feliz aniversário Tapornumporco!

O Pic é de uma das mais famosas as nossas leitoras: o «pãozinho sem sal» (Mangas dixit) mais saboroso do mundo, a divina Scarlet Joahnsson.