19/05/09

A Luta Continua, Pá!, por Guerreiro Profundo de Shaolin

Confesso que, embora apreciando alguns autores da chamada música de intervenção que explodiu no pós 25 de Abril, nunca fui um grande fã do género. Na altura aquilo estava demasiado politizado e não se conseguia ouvir o Zé Mário Branco, o Fausto ou o Adriano, até o Sérgio Godinho e o Zeca Afonso, sem os ligar imediatamente aos comunas. Eu era então um puto, mas fiquei para sempre com a sensação de que aquela overdose de música de intervenção acabou por ser contraproducente para a causa. Não havia pachorra para tanta preocupação social, para tanta letra panfletária, para tanto apelo à revolução. Enfastiava-me o GAAC e a aquela canção da Cantiga é uma Arma..

Nos anos 80, contudo, descobri a música de intervenção portuguesa por intermédio do Sérgio Godinho que comecei a ouvir sem parar. Álbuns como Os Sobreviventes, De Pequenino se Torce o Destino, Pré-Histórias e À Queima Roupa fizeram-me descobrir os Dylans portugueses numa altura em que a agitação política dos anos do Prec ia longe e já não funcionava como ruído. Através do Sérgio descobri aquele que é o maior génio da música popular portuguesa depois da Sra Amália Rodrigues: Zeca Afonso. Os discos e as canções do Zeca foram a minha segunda epifania musical nesta área. Depois, por conexão natural, vieram o Fausto e o seu excepcional Madrugada dos Trapeiros e o Zé Mário Branco (que haveria de editar, em meados dos anos 80 o excelente Ser Solidário para rivalizar com essa outra obra prima do Fausto, Por Este Rio Acima). Na altura o ruído político tinha-se esbatido. Até um pessoa como a Lena, uma meteórica amiga do Liceu que perdi de vista para sempre, e que era assumidamente do partido mais à direita do pós 25 de Abril, o MIRN de Kaúlza de Arriaga, confessava, meio irritada, que adorava o Zeca, o Fausto e «esse cabrão do Sérgio Godinho tão genial como comuna» (sic).

Depois deixei-me ir na onda dos Clash, dos Pistols, dos Stranglers e da New wave, mas mantive sempre o contacto com a música portuguesa de intervenção. Esta também mudou, não fui só eu. O Sérgio Godinho, por exemplo, tornou-se cantor romântico - ainda fez excelentes álbuns como o Pano Cru e o Campolide, mas nunca mais foi o escritor cruamente político do 25 de Abril que me tinha aberto os olhos para a música popular portuguesa - foi pena! E não me falem em híbridos como os Trovante e o Rui Veloso que me tiram do sério...

Bom, a música portuguesa nunca mais foi, para mim, a mesma coisa até que agora, subitamente, eis-me a re-descobrir e a gostar da música de intervenção de antanho, mesmo daquela que na altura eu achei excessiva. Subitamente dou por mim a ouvir o FMI do Zé Mário, o Uns Vão Bem e Outros Mal do Fausto, O Charlatão da dupla Sérgio/Zé Mário ou Os Vampiros do Zeca. De repente ouço letras como a de Um Tractor ou a de Organização Popular - das coisas mais prec do Sérgio - , até A Cantiga é uma Arma que eu dantes detestava e, olha, batem-me... Porque é que agora, precisamente agora, a velha música de intervenção portuguesa ganha tanta actualidade?

É que os versos destas e de outras músicas ganharam um inesperado sentido... Os aldrabões, os charlatães, os vampiros, os sem vergonha, os fascistas, velhas personagens abstractas da nossa canção popular, estão aí de novo. E vivos! Acontece que a sociedade portuguesa bateu no fundo como nunca antes vimos. Estamos no lodo com as cambalhotas e os cambalachos, estamos fartos de tanta aldrabice e de tanto troca-tintas. Vivemos num estado latente de revolta que faz lembrar a tensão dos anos da brasa de Abril. E é por isso que as canções de Abril ganham hoje um novo e inesperado sentido. Até os velhos Xutos, Rockers herdeiros de outras paragens estéticas, sentiram o clima e já nos deixaram um novo hino a juntar aos clássicos da velha música de intervenção... Sente-se no ar: há um cheiro pestilento a corrupção e a decadência. Subitamente o Zeca volta a fazer sentido: digam-me lá que esta música não foi feita de encomenda para os dias que vivemos: http://www.youtube.com/watch?v=ZUEeBhhuUos&feature=related

18 comentários:

Cão disse...

Razão tinha a Lena do MIRN.

Anónimo disse...

Lembras-te da Lena do Mirn, Cão?

Cão disse...

Lembro, sim senhor.Dela e daquela maltosa da JSD todos vestidos e calçados de igual: casaquinho de lã atado no cu com os botões para fora, impermeável com tira de pêlo no capuz, sapatinho preto e bicudo. Lembro-me perfeitamente. Era o tempo em que a nossa equipa de futebol de 5, por causa da turma ser H, se chamava Hrraki. Lembro, lembro.

Anónimo disse...

Mas atenção: a Lena do Mirn não tinha nada a ver com essa tralha dos «jotas por uma associativismo reformista». A lena ouvia música, era fã dos stones, lia poetas, tinha sentido de humor e era rebelde. E era inteligente. Era muito amiga do dantas e isso diz tudo. E até politicamente era o contrário do lixo dos jotas: embora fosse de direita era de extrema, o contrário dos jotas que eram pseudo-certinhos, de centro e burros como calhaus e cinzentos também. Quando acabámos o 12º ano a lena emigrou para o porto e nunca mais soube nada dela. Em contrapartida, nunca mais me livrei dos filhos da puta dos jotas. Estão todos nos governos-centrões e seus institutos ramificados. A música de intervenção renasce por causa dos jotas que chegaram ao poder. Aposto que a lena emigrou do porto para umpaís respirável e ainda ouve o sérgio godinho...

Anónimo disse...

Pá, a nossa equipa de futebol do liceu, o Hrraki... Tivemos problemas com censura interna da escola, não foi?, o directivo embirrou-nos com o nome, mas a malta, éramos tesos, e não cedeu. O morais jogava a defesa central e calçava umas chuteiras Desportex com pitons altos de futebol de 11. E jogava no alcatrão do Dona sem problemas nenhuns, embora os adversários de adidas nastase não achassem grande piada.
O pilas era suplente, não era? Uma flecha apontada à baliza adversária com umas meias pela barriga a tapar-lhe os palitos parece que o estou a ver. Acho que o tocá também fingia que jogava e depois havia mais dois jogadores, os únicos a sério (!!!!!): eu e tu, por esta ordem, claro. o manca mulas também queria jogar mas um gajo não o deixava que ele era jota e não sabia dar um chuto numa bola. Lembro-me que equipava um traje à sportem que é a equipa de todos os jotas do ps e do psd que têm um secreto desejo de terem sido viscondes de alvalade numa outra reencarnação. Fomos campeões? Já não me lembro..

Cão disse...

Não fomos campeões mas passámos ao lado de uma grande carreira. Sei que ganhámos alguns jogos porque a gente ameaçava os gajos que lhes soltava o Grão, o nosso Leonard Nimoy de serviço. Também me lembro de um gajo da nossa turma e equipa chamado Leonel, acho que era da Juventude Centrista ou assim. Também havia o Natércio, alcunha do Sérgio, que mais tarde jogou nos distritais e que recentemente encontrei numa aldeia da encosta poente, salvo erro, da Serra da Estrela, coisas assim. Mas a Lena do MIRN, de facto, é que a sabia toda.

Anónimo disse...

Tu tens uma memória do camandro, ó cão. Eu já não me lembrava de tanto pormenor. É verdade, eles tremiam quando ameaçávamos com o Grão. ele podia não jogar mas fazia mais pela equipa do que muitos que lá andavam. Lembro-me de um adversário me querer afiambrar e de eu apontar para a bancada e lhe dizer assim «tás a ver aquele gajo?». Não disse mais nada e ele nunca mais me tocou. Acho que se el tivesse um mínimo de jeito para dar um chuto numa bola, tinha feito um figurão na nosa equipa. E, já então, tinha outra grande qualidade que aperfeiçoou com o tempo e que fazia o terror das equipas inimigas: sabia as capitais todas de todos os países porque comprava os Alamanaques que a Editora Abril brasuca editava de dois em dois anos.
Tenho uma vaga ideia do leonel, mas se calhar tou a fazer confusão porque os gajos da juventude centrista não jogavam à bola. Ena pá, o mítico natércio, futuro guarda redes dos juniores do mirandense... Esse sim passou ao lado de uma grande carrerira. Eu vi: era o 10 e ia para a terra dele.

Cão disse...

O Grão, que na altura era Spock, fez-me um jeitaço do caraças, academicamente falando. Estava claro que eu por mim nunca seria capaz de tirar aquele curso feminino que escolhi, Letras. Vai daí, comecei a convidar o Grão, vulgo Spock, para o bar da Faculdade de Letras. Cada vez que passava uma professora, eu apontava-lhe o Grão, o Leonard Nimoy dali perto de Souselas. Foi assim que fui fazendo as cadeiras. Ainda hoje me fazia jeito para ser escritor, se ele quisesse. Levava-o a Lisboa à Feira do Livro e mostrava-o ao pessoal, isso é que era vender as merdas que escrevo.

Anónimo disse...

bonito, bonito, memórias selectivas do que dá jeito.

verdade verdade é que eram uns coxos do catano e o único gajo a dar o litro naquele campo de futebol era eu às voltas dele a correr atrás do puto flipito pra lhe afiambrar.

por vezes o gajo pedia perdão e levava na mesma. outras vezes cansava-se e levava a dobrar, até porque se ele estava cansado eu já tinha rebentado com dois ou três bofes.

por vezes variava com o puto pedro e perseguia-o à volta do dona maria.

ass: Grão

Anónimo disse...

fónix, ó cão, tá tudo muito bem, o humor é lindo e tal, mas Leonard Nimoy, também é demais? Leonard Nimoy? Mas tu, por acaso, sabes quem é o Leonard Nimoy?

Anónimo disse...

(o post, só pra recordar) era a falar da música de intervenção nesta era de podridão em que vivemos...

Cão disse...

O Leonard Nimoy? Era do nosso tempo, ainda o zeca afonso era vivo e a minha vida sexual também não.

Anónimo disse...

Não me lembro nada da Lena do MIRN. Isto deve ser da minha memória selectiva. Excelente post, ó coiso. O FMI do JM Branco tenho lá em casa e ouço-o de vez em quando, é uma catarse. A minha recordação mais antiga sobre música do Infanta é de um gajo ter levado um Mundo da Canção e andar a mostrar a toda a gente fotografias de punks bifes que lá havia. Passado algum tempo, andava toda a gente com camisinha branca, casaquito e gravata fininha. Toda a gente é como quem diz, os jotas das listas C e D continuavam com a fardita lá deles, cor de beje vómito. Essa coisa do punk acho que foi antes de vocês “existirem”. O Sérgio “Natércio” tem uma boa que nunca me farto de contar, apesar de eu já não saber se é verdade, se lenda urbana. Um dia o clube dele (acho que jogava no Moinhos, a terra dele, ou coisa assim) calhou ir ao Estádio da Luz para a taça, uma daqueles acontecimentos que calham no universo uma vez em cada milhão de anos. O Sérgio era guarda-redes e nunca tinha visto um avião na vida (Sérgio, se tiveres aí, estou a brincar). Vai daí, põe-se a olhar para os aviões que levantavam da Portela ali ao lado e deixou entrar a bola.
Ah, esqueceram-se do Múrias, um ratito caixa dóculos (olha quem fala) que era um portento nas fintas. Eu também era, mas nunca tive um agente à altura.

alfa pendular

Anónimo disse...

Já que estamos nesta, a minha canção de protesto por excelência dos tempos de liceu, foi o Biko, do Peter Gabriel. Foi um dos discos comprados pelo autor do post numa das expedições que alguns destes rapazolas faziam periodicamente à baixa para comprar discos, à Neves ou à livraria dos comunas, na Sofia (corrige-me se estou enganado).

E acho muito injusto o desdém com que tratas o Rui Veloso, prontos, tinha que dizer isto.

alfa pendular

Cão disse...

Havia os Ramones, que não sabiam música mas vendiam discos ós jótas que se não fartava. O Báice era e é completamente stóne. Eu era delicodoce, com aquilo dos Simon & Garfunkel. Os Clash tinham sido há pouco tempo. Os Stranglers apareceram com o Golden Brown. E o Carlos Paião ainda era vivo. E tal e coiso.

Anónimo disse...

porra, esta gente é de que século? estão a brincar, né?

Inês

arlo guthrie disse...

tamos a brincar tamos.

Dá-lhe, Falâncio disse...

É sempre bom saber que não sou a única que tem pudor em admitir gostar da música desses homens da luta. Verdade seja dita que os sacanas dos comunas têm música genial.