04/01/10

O Kindle, por Amazona

Já tivemos esta discussão em muitas outras ocasiões: discutiu-se muito se o cinema mataria a leitura, se vídeo ia liquidar o cinema, se o CD liquidaria o vinil, se o telemóvel daria cabo do telefone fixo, etc, etc... Geralmente o advento de um novo medium é contemporâneo de anúncios apocalípticos de outros. E as respostas variam , caso a caso. Nuns casos, sim, há um novo medium que destrói outro ( o CD praticamente anulou o vinil e liquidou de vez a cassete, mas o vídeo apenas alterou o cinema sem o matar em definitivo...).

Agora a discussão ressurge a propósito do Kindle. O Kindle é a nova maravilha da Amazon, a primeira geração de uma nova ferramenta, o livro digital, que a meu ver revolucionará o futuro. Tem a forma de um livro normal, um peso rídiculo e a grossura de um lápis. E não, não me parece que o livro digital acabe de vez com o livro tradicional, mas que vai mudar profundamente o panorama, isso vai.

São-nos familiares os argumentos dos defensores do livro em papel: o cheiro, o lado sensorial do livro, a comodidade de leitura, etc. Balelas! Não que eu não reconheça essas virtudes todas e muitas outras ao livro em papel (por alguma razão sou um leitor compulsivo)... Mas acontece que as imensas potencialidades do Kindle vão arraasr simplesmente a concorrência. Cito algumas:
1. O Kindle permite o carregamento de milhares e milhares de livros num pequeno suporte, levezinho e com a espssura de um lápis. Significa que vamos poder ter a nosa biblioteca toda, aquela coisa que nos ocupa estantes e estantes e divisões lá em casa, num pequeno espaço que cabe no bolso de um casaco. Já pensaram nas possibilidades que isso dá? De agora em diante, quando formos de férias não temos que estar a escolher 3 ou 4 livros para levarmos na mala. Vai a biblioteca toda num pequeno volume que viaja connsoco e está a sempre à mão. Na praia, no campo e na montanha está tudo ali acesível a um click. Acabaram-se as esperas desprevenidas. Com o Kindle podemos sempre ler, seja onde for, temos milhares de opções para matar o tempo. Acabaram-se as secas no médico.

2. As possiblidades interactivas são fantásticas embora não estejam ainda completamente desenvolvidas. No futuro o E-livro terá, obviamente, aceso à internet. Podemos estar a ler um livro sobre pintura e ir ver os quadros - seria uma experiência muito diferente ler, por exemplo, O Pintor de Batalhas do Reverte e poder contemplar ao mesmo tempo o quadro de Brueghel que o inspira. Referências musicais, de cinema, de arquitectura, outros livros, críticas, tudo à mão de semear... E jornais, revistas, blogs, fóruns de discussão, e-mails de passagens mais marcantes para amigos, é impressionante como o hábito da leitura se pode transformar tão profundamente.

3. Já pensaram bem nas implicações profissionais da coisa? Um conferencista, um professor, um advogado, um médico, praticamente toda a gente, passa a ter obras marcantes à disposição imediata. Numa conferência podemos cruzar referências, fazer citações exactas...

4. E ainda há questões de forma. Quando nos dizem que ler no écran é mais cansativo para a vista, respondo que é uma questão de tempo e de hábito. A tecnologia digital vai permitir uma leitura ainda mais cómoda que o livro. Há técnicas que simulam o próprio gesto de desfolhar: com um dedo passamos de uma folha para a outra, como num livro. E,se pensarmos nas limitações do livro, vemos que o E-livro só pode melhorar o cenário. Pensemos na limitação da letra, por exemplo, o tamanho minúsculo de certas edições que, praticamente nos impede a leitura. Com o Kindle podemos aumentar o tamanho de letra, variar a cor, dar-lhe a forma que quisermos. Em matéria de conforto o cenário é para melhorar e não o contrário.

5. Para nós, portugueses, há ainda outra vantagem. É que vamos passar a ter acesso ao imenso mercado brasileiro (e não só). Milhões de livros que não se encontram nas nossas livrarias, porque nunca foram editados, vão passar a estar disponíveis.

6. E o tempo trará, concerteza, o advento daquilo que erroneamente se chama a «pirataria». Mais tarde ou mais cedo vamos poder trocar livros. Olha gostei da poesia do Camões. Toma lá e passa-me a Mensagem do Pessoa. Já imaginaram a facilidade?

7. Last, but not least: o preço. E se todos os outros argumentos não vos convenceram, avanço com o último: o preço. Neste momento um livro que sai a 25 euros em suporte de papel pode ser adquirido por 10 em suporte digital! E a tendência é que o E-livro desça (para não falar na possibilidade já referida da partilha dos ficheiros).

Concerteza que haverá desvantagens. Mas não posso ser eu a fazer tudo. Avançem vocês com as desvantagens do Kindle na caixa dos comments. Entretanto, e até que alguém me convença do contrário, eu declaro-me desde já um adepto do livro digital. Neste momento a coisa sai por cerca 200 ou 300 euros. É uma questão de tempo e todos teremos o nosso Kindle.

14 comentários:

Anónimo disse...

Podes acrescentar acesso a mapas dos locais onde se desenvolve a acção. Acho que também era interessante. Mas onde ficam os sublinhados e as notas nesses livros digitais?

Anónimo disse...

Não há qualquer problema técnico que o impeça Anónimo. Basta o mercado querer. Com a evolução o Kindler será o que quisermos dele, dentro desses limites técnicos, claro (não se pode pôr aquilo a fazer de automóvel)...

Anónimo disse...

Com o Kinder evita-se limpar o pó às resmas de livros! Se calhar poderemos passar a dispensar as técnicas especializadas de limpeza.

Mais desemprego, mais uma crise social. Proletários de todo o mundo uni-vos!

... e os tipógrafos...

... e os alfarrabistas...

E também, deixaremos de ter bichinhos de prata a comerem-nos os livros e passaremos a ter um jardim zoológico de vírus a tratarem do assunto.

Será que aquelas bolinhas brancas com um cheiro tão característico tratarão da nova bicharada?

Outro aspecto, no futuro quando perdemos um livro, com o Kinder... perdemos a biblioteca toda!!!
But who cares...

Velho do Restelo

Anónimo disse...

Velho: lanças pontos pertinentes à discussão. a questão dos empregos que se vão perder é outro déja vú. é um argumento recorrente sempre que aparecem novas tecnologias revolucionárias ou mudanças profundas. lembra-te dos operários que destruíam as máquinas que lhes lixavam os empregos... mas o que é que se há-de fazer? Se a nossa preocupação fosse preservar empregos ainda havia cocheiros, amola-tesouras e guardas de alfândega...

Quanto ao segundo argumento da bicharada informática que nos pode destruir a biblioteca toda, reconheço que é uma das grandes preocupações que o E Livro pode gerar, mas estou longe do teu pessimismo. basta pensarmos na quantidade de coisas preciosas que guardamos nos nosos pcs - sim, tu também - e que estão sujeitas aos ataques de vírus. Nem por isso deixamos de usar os pcs, não é? E olha que se um vírus me apagasse os ficheiros a minha vida andava pra trás...
Amazona

Anónimo disse...

ménes, eu tenho uma solução para o problema dos virus: faz-se logo uma cópia de segurança. Imprime-se a cena toda do kinder em maços de folhas juntinhas, separadas por titulo e autor, e arrumam-se em estantes sobrepostas numa sala.

Já agora, como é que o cardeal patriarca da igreja da geografia dobra os cantos do kinder? Não pensaram nisso.

Alfarrobista

Supernova disse...

ecrans riscados... não sei se o Kindle aguentará uma leitura na areia da praia, pingos de água, poeiras... Falta saber a duração das baterias... não vão haver propostas de namoradas/os gravadas a tinta nas contra capas e em paginas secretas...
No entanto a potencialidade do bicho é enorme e será de certeza um êxito de vendas.

Anónimo disse...

Ecrans riscados, bem visto Super. Mas eu respondo-te - protecções de écran, uma espécie de estojo transparente do Kindle para o vestir em ambientes mais exigentes, como a praia.
Fónix, mene, essa das propostas das namoradas é que me parte todo, mene. estás a ir buscar argumentos mesmo ao fundo do baú, pra essa não tenho resposta, ok, 1-0 aqui para o livro tradicional...
Amazona

britannicus disse...

Ora viva! Sou devoto praticante, há um ror de anos, do Bookcrossing, que é um tipo de despojamento bibliófilo que o Borges não aprovaria, e que consiste em "deixar um livro num local público para que outros o encontrem, leiam e voltem a libertar, e assim sucessivamente".
Ainda esta semana deixei, inteirinha, a trilogia Sexus – Nexus - Plexus do Henry Miller na Igreja de Santa Cruz e "O Amor é Fodido" do Miguel Esteves Cardoso na sala do Curso de Preparação para o Matrimónio do CADC. Ontem, no bebedouro aqui do terrunho, encontrei uma edição inglesa intitulada “The Gay Science” que, pelo que percebi, é a obra de um misógino doido e alemão, chamado Friedrich Nietzsche. Pareceu-me um augúrio, mas como não leio jornais, não sei se bom, não sei se mau.
Ora, o e-Bookcrossing está um nadinha acima das minhas posses e, apesar da minha proverbial natureza dadivosa, parece-me um nadinha narcísico e excessivo deixar num espaço público a minha biblioteca, agora portátil.
Há ainda outra coisinha. Nos tempos idos em que me dedicava, com minguados proveitos, ao estudo e à leitura na Biblioteca Geral, pelava-me por observar o sortilégio e a sugestão erótica do gesto grácil das minhas colegas, que levavam o dedo médio à comissura dos lábios ( os homens, óbvios, usam o indicador) humedeciam-no com a turgidez tépida da ponta da língua e, cariciosas, viravam a folha com desvelo digital.
O meu mundo está a acabar. O que vai ser de mim?!

britannicus disse...

Ora viva! Sou devoto praticante, há um ror de anos, do Bookcrossing, que é um tipo de despojamento bibliófilo que o Borges não aprovaria, e que consiste em "deixar um livro num local público para que outros o encontrem, leiam e voltem a libertar, e assim sucessivamente".
Ainda esta semana deixei, inteirinha, a trilogia Sexus – Nexus - Plexus do Henry Miller na Igreja de Santa Cruz e "O Amor é Fodido" do Miguel Esteves Cardoso na sala do Curso de Preparação para o Matrimónio do CADC. Ontem, no bebedouro aqui do terrunho, encontrei uma edição inglesa intitulada “The Gay Science” que, pelo que percebi, é a obra de um misógino doido e alemão chamado Friedrich Nietzsche. Pareceu-me um augúrio, mas como não leio jornais, não sei se bom, não sei se mau.
Ora, o e-Bookcrossing está um nadinha acima das minhas posses e, apesar da minha proverbial natureza dadivosa, parece-me um nadinha narcísico e excessivo deixar num espaço público a minha biblioteca, agora portátil.
Há ainda outra coisinha. Nos tempos idos em que me dedicava, com minguados proveitos, ao estudo e à leitura na Biblioteca Geral, pelava-me por observar o sortilégio e a sugestão erótica do gesto grácil das minhas colegas, que levavam o dedo médio à comissura dos lábios ( os homens, óbvios, usam o indicador), humedeciam-no com a turgidez tépida da ponta da língua e, cariciosas, viravam a folha com desvelo digital.
O meu mundo está a acabar. O que vai ser de mim?!

Anónimo disse...

Os dedinhos, ai os dedinhos com os seus trejeitos maliciosos... Boa britannicus!!!

Só aconselhava alguma moderação ao "desvelo digital" por causa das segundas interpretações.

Anónimo disse...

Concordo contigo em gênero, número e grau.

Anónimo disse...

O mais fascinante disto tudo é ver como estes gadgets criam necessidades. Ora vejamos: nunca ninguém tinha sentido necessidade de levar uma biblioteca inteira para férias. Agora, ficamos perplexos a pensar como passámos estes anos todos sem poder levar para a praia toda a Biblioteca Nacional maila Torre do Tombo, com todo o conhecimento audiovisual associado. Mais dia, menos dia, fazem um kindler completamente estanque e a malta vem celebrar a possibilidade de ler o Guerra e Paz debaixo de água, ou enquanto faz surf, ao mesmo tempo que se vai projectando à frente dos nossos olhos uma carga de cavalaria cossaca, com som e cheiro a pólvora. É como aqueles relógios que anunciam estanquicidade até aos dois mil metros de profundidade, ou resistência ao embate com os calhaus dos anéis de Saturno...

Eu tenho em casa livros com mais de duzentos anos, ainda perfeitamente legíveis. Garanto que nenhum kindle dura um quarto do tempo. Nunca irá haver alfarrabistas de microchips. E ainda bem, fónix.

jorge luis

Anónimo disse...

Tens a certeza, Jorge Luís? Eu não, muito pelo contrário...
Amazona

Anónimo disse...

Eu também alinho pelas reflexões do Jorge Luis. Basta ver, em casa ainda tenho um telefone do tempo do meu avô (a funcionar) e desde que tenho telemóvel já troquei umas 5 ou 6 vezes e garanto-vos que essas trocas não foram motivadas por critérios estéticos.

Velho