26/05/10

O Melhor Jogo da Minha Vida, por S. Tomé

No dia 27 de Fevereiro de 1977 fui, pela primeira vez na vida. ver um jogo de futebol. O meu pai levou-me a ver o Benfica que defrontou a Académica (na altura CAC) no estádio Municipal de Coimbra. Até aí eu gostava, principalmente, de jogar futebol mas só isso. Não sabia muito das equipas, mas depois desse jogo tornei-me um apreciador a sério da bola. Do Benfica sempre fui, mesmo muito antes desse jogo.

Nunca esqueci a entrada no Municipal... O meu pai foi obrigado a comprar os bilhetes na candonga e entrámos pelo portão do lado do Liceu D. Maria. De repente, ali estava eu, no meio de uma multidão fanática a gritar Hossanas ao Glorioso. Ouvia vozes a berrarem a constituição da equipa do Benfica e a gritarem Chalana como se fosse Cristo, Shéu, Zé Luís, Alhinho e Alberto como se fossem os apóstolos. Foi inesquecível, acho que foi a primeira e única vez que me senti religioso e o medo inicial da multidão deu lugar a um sentimento de beatitude.

Recordo-me de polícias montados nos seus cavalos enormes que me aterrorizavam. De vez em quando havia mesmo umas bastonadas neste e naquele adepto mais nervoso. Mas o tal sentimento de religiosidade foi mais forte que o terror e lá acabei por entrar, não sei como, suponho que levado pelos ares entre a força da multidão e o aconchego do meu pai.

É curioso que eu me lembre de tanta coisa desse dia, aquelas memórias ficaram-me para sempre. Nunca mais me esqueci, por exemplo, da equipa do Benfica que alinhou nesse jogo: Bento na baliza; Bastos Lopes, Carlos Alhinho, Eurico e Alberto;Shéu, Zé Luís e Vítor Martins; Nelinho (Moínhos na 2ª parte), Nené e Chalana. O Benfica começou muito mal esse campeonato. Mas depois, o seu treinador, o inglês John Mortimore, resolveu lançar na equipa três juniores de uma vez, Alberto, Zé Luís e o fabuloso Fernando Chalana, tinha 17 anos na altura. O Glorioso nunca mais perdeu e acabou campeão. Nesse jogo com a Académica venceu 1-0 com um golo do Nené.

Quanto à Académica alinhou assim (não me lembrava de todos mas felizmente existe o livro Académica - História do Futebol e está lá tudo): Hélder; brasfemes, carlos alhinho, zé freixo e martinho; mário campos (rogério), rachão (vala)e gregório; camegim, joaquim rocha e costa. A académica tinha uma grande equipa, a sua linha avançada, principalmente, era temível. O Joaquim Rocha era um ponta de lança muito rápido e explosivo; o Costa foi apenas o melhor jogador de sempre da equipa, um extremo poderoso que levava tudo à frente. E o camegim era um tecnicista nato, um jogador muito fino.

O Benfica ganhou esse jogo para minha felicidade mas não foi nada fácil. Mas a sua equipa era superior, tinha uma defesa inexpugnável, tecnicistas como Shéu e Chalana e jogadores velozes como o nelinho e o zé luís. E depois tinha o nené que não sujava os calções, mal tocava na bola e tinha cagufa, mas que não falhava um golo. Ainda me lembro do que ele marcou nesse dia, uma bola colocada com a parte lateral interior do pé direito, em habilidade, de fora da área quando toda a gente esperava um remate em força. Parecia simples!

Nesse tempo ainda não existiam as normas de segurança apertada de hoje. Não havia torniquetes, nem bilhetes com lugares marcados nem stewards. Havia alguns polícias apenas. O estádio Municipal devia levar umas quinze mil pessoas, mas nesse dia estavam lá dentro umas 30 000. Lembro-me que começámos a ver o jogo na bancada, mas estava tudo em pé, as pessoas amontoadas umas em cima das outras porque se vendiam mais bilhetes do que a lotação do estádio. Se fosse hoje era um escândalo.

Antes ainda de começar o jogo, deu-se a primeira invasão de campo, simplesmente, porque havia gente a mais para tão poucas bancadas. Mas não foi nada de grave. As pessoas foram-se sentando na relva em volta do campo e outras ficaram em pé nas pistas de atletismo. Achei o máximo - tinha a oportunidade de ver os dribles do Chalana e os correrias do Zé Luís mesmo ao pé de mim! Correu tudo bem e só me lembro de uma segunda invasão pacífica dos adeptos do Benfica quando o nené facturou e de outra no fim quando ganhámos o jogo.

Ficou-me para sempre uma vaga memória da plasticidade do jogo, das camisolas rubras do Glorioso, do negro da académica, do arfar da multidão, do delírio do golo e de uma defesa do bento a remate do Joaquim Rocha que desafiou as leis da gravidade. Houve alturas em que julguei que aquela gente não era humana, quando somos pequenos somos profundamente inocentes, afinal, vendo-os hoje, cinquenta quilos mais tarde e muitos cabelos brancos depois eles parecem-me todos tão humanos...

E também me lembro do percurso para o estádio no velho Fiat 128 do meu pai. Coimbra era então muito diferente do que é hoje e a Académica era o verdadeiro clube da cidade (hoje já está muito longe de o ser, perdeu-se a identidade). Os carros dos adeptos do Benfica circulavam em fila, lentamente, e eram insultados das janelas pelos academistas que eram a cidade inteira. Fiquei amedrontado com aquilo, mas percebo agora que o futebol é feito dessas paixões, não é grave enquanto não passar de certos limites. Mas na altura eu era um miúdo e não percebia isso. Assim, até a vitória do Benfica me soube melhor. Quando o jogo acabou e fizemos o percurso de volta, eu não cabia em mim de orgulho e felicidade e os insultos dos adeptos da académica, agora, pareciam-me música. Sentia-me imortal! No fim desse jogo eu tinha decidido: queria ser jogador de futebol durante toda a vida, sonho que, nunca saberei se feliz ou infelizmente, jamais cheguei a realizar.

Mas pelo menos fiquei a adorar futebol. De tal modo que o ano passado levei o meu filho pela primeira vez à Luz para ver jogar o Benfica, por coincidência, com a Académica. Acredito, pela expressão extasiada com que o vi a olhar para o Aimar, para o Reyes, para o David Luís e para o Cardozo, que ele também não vai esquecer esse dia. A história repete-se, afinal... Mas não exactamente como gostaríamos: no jogo em que eu fiz de meu pai e o meu filho fez de mim, o resultado também foi de 1-0. Mas desta vez, para meu desespero e do meu filho, a favor da Académica...

5 comentários:

Anónimo disse...

Que excelente memória! E o Simões ainda não jogava? Eu lembro-me que as cadeiras eram duras como o caraças. E como a falta de protecções do campo davam jeito para aquelas gloriosas invasões de campo quando jogava o Ónião, esse sim, o verdadeiro clube da Cidade!

Tibi

Anónimo disse...

Bem vindo Tibi.
O Simões não era desta apanha de 77/78, creio que já estava no fóculporto. Mas vou confirmar. Quanto ao Ónião nunca achei que fosse o clube da cidade. O Ónião era o Ónião, prontos...
S. Tomé

Anónimo disse...

Era de um bocado da cidade, prontos, e já nem isso agora. O Simões já estaria no Porto em 77? Eu ainda me lembro de o ver jogar no menicipal, era eu canino.

Tibi

Anónimo disse...

Pois é, caro tibi... Como eu digo uns posts mais abaixo um clube que tem um livro como o Académica, História do Futebol tem tudo. Fui lá ver e o primeira época que o Simões figura no plantel da AAC é a de 69-70. Na pg. 235 podes comprovar que ele fez 9 jogos pela AAC, 3 dos quais completos, num total de 492 minutos e um golo marcado. Saiu na época de 74-75 (cf. pg. 251 do referido livro) penso que terá sido para o fóculporto, acho que foi transferência directa. Portanto em 74-75 ele tornou-se jogador do fcp. Também tinha ideia de que o homem era mais novo...

Anónimo disse...

Viva o BENFICAAAAAAAAAAAAAAAAA...