07/10/10

Fui Pesquisar o Tapor e, sim, o Nobel Já aqui foi Referido:

Metalomecânica Literária, por Paracelso

Ainda a propósito de livrarias, na sequência daquele post ali em baixo do, o que mais me surpreende em algumas é a falta de conhecimento do ofício por parte dos empregados. Numa das Bertrand de Coimbra peço o Tia Júlia e o Escrevedor, do Mário Vargas Llosa. “Mário quê”, pergunta a empregada. – “Vargas Llosa… Llosa, Llosa…”, com dois lês, como aquele tango do Gardel, llorona, no llores maaaas… (bom, na realidade nunca me ocorre dizer estas coisas assim, na altura própria).

A senhora consultou o computador, e acabou por concluir que tal obra não existia nas bertrands de Coimbra, que são quatro. Aventou até a possibilidade de a coisa ter saído muito recentemente e entonces… Não é estranho um funcionário de livraria nunca ter ouvido sequer falar do tal Mário? É que o homem é uma celebridade; está para a literatura como o parafuso está para o mundo das ferragens e drogarias. Ora, quando vamos a uma loja de ferragens pedir parafusos, a última coisa que nos passa pela cabeça é que o empregado nos diga: “para… quê? fuso? não, ó amigo, desse material ainda não temos, sabe, é que as novidades tecnológicas às vezes demoram a chegar à loja, efeitos da interioridade”. Normalmente dirá: “ó meu amigo, parafusos há muitos, quer de fenda simples ou cruzada, para o de fenda simples tem que ter uma chave de fendas a condizer, e afinal o meu amigo quer o parafuso para que efeito, e não se esqueça das anilhas e porcas”, etc. E o mundo da literatura não é muito diferente do mundo da metalomecânica.

Imaginemos que chego a uma livraria e digo - ”ora viva, amigo Freitas, quero levar que ler na praia, estou inclinado para o Kafka”. Pois o Freitas deve então responder qualquer coisa como isto: - “Ó meu amigo, Kafkas há muitos. quer o das novelas ou o dos diários? E se quer que lhe diga, se é para levar para a praia, não se meta nisso que dá mau resultado. Leve antes o Ovídio, que o bucolismo campestre é mais eficaz a temperaturas superiores a trinta e cinco graus”. – “E como aplico?” – “Olhe, o amigo abre o livro a meio e pega-o com a mão direita, assim ó, e com a mão esquerda pega numa gaiola com um grilinho. E depois senta-se numa esplanada na praia e pede um copo de água e um pão torrado com doce de abóbora. Em cinco minutos está rodeado por dez suecas de óculos redondos, garantido”.

Deviamos até poder levar os nossos livros para assistência técnica. - “Ó amigo Freitas, a métrica deste madrigal está incorrecta, ora veja, dez, dez, dez… nove! Li isto à minha namorada e ela rompeu o contrato de namoro, por erro técnico! Eu que sempre fui aqui bem servido, e agora isto…”. - “Tem o meu amigo muita razão, e não é o primeiro a queixar-se. Mas o defeito é de origem e a fábrica diz que já acabou essa linha de produção. Mas se quiser, tenho um primo que lhe arranja isso, mete-lhe mais uma sílaba no verso e a coisa fica perfeita, deixe cá e passe daqui a uma semana”. - “Mas tem a certeza que fica bem?”. - “Ó meu amigo, nem de propósito, tenho aqui um Ovídio arranjado para entrega. Olhe para esta qualidade, posso batê-lo aqui no balcão que a métrica não se desmancha. Garanto-lhe que nunca mais sai”. Mas pronto, ó meus amigos, o mundo nunca é como nós queremos.

4 comentários:

Anónimo disse...

eis um nobel bem merecido. o tia júlia e o escrevedor, o conversa na catedral e o paraíso na outra esquina são obras imortais.

muitos bons também são a festa do chibo, e o pataleão e as visitadoras.

dromofilo disse...

Eu digo mais...Os livros, como os melões,as mulheres e as garrafas de vinho deviam levar-se para casa sempre à consignação.Se, como diz o povoléu, "melão e mulher pelo rabo difíceis são de conhecer", no caso do vinho e dos livros, a bona fide a que o cliente é jungido é da ordem da pacovice dos simples. Um caso pró DECO.

Cão disse...

Merecido e bem atribuído. Mais um ano de chucha amarga pró lobantunes, eheheheh.

Refer disse...

quem é, ou era, o "paracelso"?...

Foi um prémio bem atribuídoO homem não é o Garcia Marque, mas ainda assim, tem raça.

Cão, o licantropo tem de reencarnar mais vinte vezes até receber o prémio. E esperar que o saramago não reencarne também para lhe boicotar os propósitos.