O meu anterior post cumpriu a sua função de agitar as hostes e de trazer ao de cima o pior que há em nós, um dos objectivos basilares deste blogue. Como sou um tipo empreendedor, como se deve insistir em modelos de sucesso, como o Cão pede para desenvolvermos o que pensamos disto tudo e do que ele chama «os gajos de ocasião» e como também tenho filhos, resolvi continuar a empreender neste tema candente da sociedade portuguesa: jovens parvos e outros à rasca.
Pelo que pude perceber, para o próximo dia 12 avolumam-se dois movimentos de protesto distintos. Um de jovens revoltados com a falta de emprego e com as relações precárias de trabalho. Outro de gente de todas as idades, que se irmanam no slogan: «Um milhão de pessoas na Avenida da Liberdade pela demissão de toda a classe política». Repito: «pela demissão de toda a classe política». Pessoalmente, simpatizo mais com os primeiros. O proto-anarquismo de fancaria e o discurso anti-político radical, a sua sanha purificadora com laivos jacobinos, subjacente ao segundo assustam-me um bocado, ainda que concorde com alguns dos diagnósticos que acompanham o «manifesto» que tem corrido na net. Merecem-me mais respeito e empatia os jovens à rasca.
Os dois movimentos, no entanto, têm algo que os une: nenhum oferece soluções ou alternativas. E ambos esperam que alguém, não se sabe bem quem, resolva os seus problemas. É evidente que todos nós, que pagamos impostos, esperamos que o Estado ofereça algumas respostas no sentido de atender às aspirações e necessidades da população. Mas como o Estado não é uma abstração religiosa do tipo Espírito Santo e é feito de cidadãos concretos que o gerem e sustentam num determinado quadro constitucional, nomeadamente de democracia parlamentar representativa e do estado de direito, convém colocar o discurso no plano das soluções concretas. E, se formos democratas, no plano do sistema vigente no sentido de o reformar e melhorar. Isto é, vir para a rua defender a «demissão de toda a classe política» é um programa mais do que irrealista: nihilista. Até porque parte do princípio de que se «toda a classe política» fosse demitida, aconteceria um milagre e que emergeria da sociedade portuguesa, não se sabe bem como nem de onde, uma nova vaga impoluta e infalível de políticos e gestores da coisa pública. Como se por baixo do sistema político, fervilhasse uma pátria anónima honesta, competente e voluntarista, que nos conduziria à glória.
Eu sei que para além do sistema político, há imensa gente capaz e honesta, pronta a tomar as rédeas do Estado. No entanto, as coisas não são tão simples. Não só os políticos que temos são um reflexo do povo que somos (no seu melhor e no seu pior), como a gente capaz e honesta que existe, está nos sítios onde deve estar: a produzir riqueza, ciência e saber nos seus postos: empresas, universidades e demais instituições privadas que são tão essenciais quanto o Estado para manter este país de pé. É por isso que acho que devemos transcender a demagogia populista destes arautos da mudança sem projecto e que devemos ser realistas, porque os tempos não estão para fantasias. E a única forma que vejo de fazer isso é mudar o sistema por dentro. É nesse sentido que defendo como soluções uma maior participação dos cidadãos descontentes na política que demonizam e uma mentalidade mais empreendedora. Porque pura e simplesmente não há outras opções, se quisermos dar um futuro melhor aos nossos filhos.
O que é que isto significa na prática? Significa desde logo ir às urnas escolher as alternativas que se apresentem no quadro da tal democracia representativa - e o que temos visto é que a maioria da população se demite desse dever, sendo como tal, responsável por omissão pelo estado da nação. Isso é o básico. Depois, há formas mais interventivas de corporizar a mudança, no contexto da política. À cabeça: aderindo a partidos e lutando activamente não só pela mudança interna desses partidos, mas também por uma mudança de governo e de forças parlamentares. Ou mesmo criando novos projectos partidários e saindo para o terreno na luta por causas consequentes e por verdadeiras alternativas de poder central ou local. Ainda no quadro da política, o sistema oferece a possibilidade da criação de movimentos de cidadania não-partidários, que se podem constituir em lóbi de pressão junto de quem decide.
O que acontece de facto, no entanto, é que o povo português, na sua maioria, se demite de participar e reduz a sua actividade política às conversas de café e aos bitaites raivosos na net. E muitos nem isto fazem. Na sua generalidade, infelizmente, somos um povo apático que de vez em quando se excita e se manifesta, mas que logo a seguir regressa à sua normal e sofredora vidinha. O verdadeiro problema não são os «gajos de ocasião», não é este tempo, como afirma o Cão sem sentido histórico ou sociológico, são os gajos de sempre: somos nós, ou a maioria de nós, que nos eternizamos nesta mentalidade fadista, conformista e de lamuria inconsequente.
Enfim, valham-nos o futebol, a novela, os cafés e as suas esplanadas, o malogrado Carlos Castro, o facebook, os blogues e os jornais online para desabafar e soltarmos a fera que há em nós! Fora do contexto político, podemos de facto fazer a mudança se abraçarmos uma atitude mais empreendedora e menos avessa ao risco. De uma forma ou de outra, nada de essencial mudará a partir de 12 de Março se os portugueses, políticos ou não, continuarem a achar que a culpa e a responsabilidade da mudança é sempre dos outros. Ou é preciso citar o Kennedy?...
4 comentários:
O que me preocupa não são os jovens serem parvos. É mais os adultos parvos. Esses é que são perigosos. Nós ficamo-nos por manifestações via facebook. Na Grécia foram mais radicais. Será que é o que precisamos? Vai ficar tudo na mesma? Pois...mas não devia. É criminoso o percurso que nos trouxe até ao presente. Responsabilidade? Culpa? Todos sabemos de quem. E quem não quer ver é como o cego...
«E quem não quer ver é como o cego...». Subscrevo.
Um contributo interessante para este debate: http://perplexo.blogs.sapo.pt/23881.html
Outro: http://blasfemias.net/2011/03/04/entao-vamos-la-escrever-mais-um-texto-%E2%80%9Chistorico%E2%80%9D%E2%80%A6/
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