03/09/11

«Welcome to the desert of the real», por Comandante

Atravesso a ilha, de Varadero, no estreito da Florida, até Trinidade, património mundial da humanidade, no outro lado da ilha, em cima do mar Caribe. Toda a paisagem está impregnada de cartazes com citações revolucionárias. Frases de Fidel, de Raul, de Che, de Camilo ou simplesmente de lugares comuns do ideário comunista:

«O sacrifício pela revolução não é um acto de heroismo mas o dever de todo o cubano»; «Trabalha mais e critica menos» (Che), à entrada de uma plantação de cana, a roçar, perigosamente, o célebre Arbeit Macht Frei; «Fomos, somos e seremos socialistas»; «Temos a obrigação de vencer»; «Cana: tradição, cultura e identidade»; «Playa de Girón: cemitério do imperialismo»; «Serra de Escambray: berço da revolução» e o omnipresente «Hasta la victoria siempre»...

Sinal curioso, este superpovoamento da paisagem real com os dizeres ideológicos... Como se houvesse necessidade de forçar a realidade a explicar-se, até mesmo de negá-la, impondo-lhe legendas e, com elas, a Leitura do que se vê. Esta impregnação ideológica da paisagem ensina-nos a ver: não, não são kilómetros e kilómetros de campos de cana o que vês à tua esquerda, à tua direita, à frente e atrás, mas «a nossa cultura, a nossa identidade a nossa tradição» (mas que tradição? A da escravatura dos escravos haitianos? Que cultura? A do trabalho de sol a sol sem descanso nem direitos? Que identidade? A das máscaras de estanho que os senhores da fincas colocavam aos escravos para que estes não comessem o açúcar enquanto trabalhavam no corte? Ou a dos trabalhos forçados dos presos políticos do regime castrista?). Não, não estás a ver um povoado miserável nem crianças andrajosas que brincam em poças de lama da água da chuva - o que estás a ver é antes a resistência do povo cubano que recusa e recusará sempre render-se ao imperialismo. Como é seu dever...

A impregnação ideológica da paisagem cubana é um dos sinais mais evidentes da esquizofrenia do regime. A realidade virtual em Cuba não tem nada a ver com computadores (de facto, em Cuba há sites e fóruns proibidos e a internet é mais lenta que a máquina a vapor). Pelo contrário, é ao longo dos campos da imensa paisagem rural cubana que melhor compreendemos o que é realidade virtual em todo o seu esplendor alucinante. A saturação ideológica da paisagem rural cubana faz lembrar o universo Matrix em versão low-tech. De Varadero a Trinidad parece que ressoa por toda a paisagem a célebre frase dita por Morpheus a Neo: «Bem Vindo ao Deserto do Real»!

1 comentário:

Anónimo disse...

foto de um quadro de Gilberto Frómeta exposto no Museu Nacional de Bellas Artes de havana.