27/03/11

Como Identificar um Xuxa?, por R. Attenborough

Do ponto de vista da identificação das espécies partidárias vive-se em Portugal um período muito difícil - há uma enorme dificuldade em identificar claramente um xuxa! O problema não é de agora, já dura há uns anos. Já nas últimas e nas penúltimas eleições legislativas, os eleitores xuxas andavam escondidos, tímidos, silenciosos.Um tipo perguntava aos suspeitos se tinham votado neles e nada, nunca encontrei ninguém que tivesse reconhecido ter votado nos gajos. Parece que ninguém lhes deu as últimas maiorias parlamentares. Terão sido os espanhóis que nos terão invadido em massa para votar neles cumprindo, mediante este expediente, o desejo histórico que sempre tiveram de nos arruinar, cheguei a perguntar-me?

Identificar um xuxa é mesmo muito difícil e apenas está ao alcance de experimentados especialistas. Requer anos e anos de exploração no terreno e muita leitura, um pouco como o trabalho daquela malta do National Geographic que vai às florestas mais incríveis e consegue detectar espécies mirabolantes de sardaniscas, aranhas e batráquios que passam despercebidas à maioria da malta.

Faço aqui uma ressalva: quando digo que é difícil para um olho menos treinado identificar um xuxa, não me refiro, evidentemente, aos espécimes mais empedernidos, particularmente notórios. Quem não reconhece um dinossauro xuxa? Trata-se de um espécime ancião, geralmente ex-presidente (da república ou de outra vetusta instituição nacional) e é facilmente reconhecível pela pose de «pai da nação» e pela tropa de familiares e amigos que, directa ou indirectamente, vai nomeando para cargos públicos bem remunerados. Um dinossauro xuxa é uma espécie de carpa da política portuguesa.

Também não me refiro ao xuxa fanático da linha dura, tipo «animal feroz», virulento, enganador e trauliteiro, ao melhor estilo silva pereira, santos silva ou, em versão indigente, estilo zé lello e vitalino canas. Estes espécimes são perigosos, mas a sua identificação também não é complicada. Nunca reconhecem um erro e fazem sempre fuga em frente como estratégia.

O que é difícil mesmo de identificar é o xuxa-eleitor-típico porque esse raramente se assume. Nunca vimos um destes espécimes a defender aberta e directamente o líder. Jamais ousam justificá-lo a propósito dos muitos casos duvidosos que todos sabemos. Nem sequer são capazes de defender as políticas nem as medidas dos governos xuxas. Se o voto não fosse secreto era fácil dar com estes camaleões que se confundem com a paisagem - mas não é e, por isso, sabemos que eles existem em abundância apenas quando contamos os votos. São como os insectos, pequenos, numerosos e silenciosos mas com uma facilidade espantosa de se adaptarem ao ambiente. Então como podemos identificá-los? Deixo aqui a pergunta. A caixa de comments está aberta a todos os contributos para este verdadeiro serviço público. No próximo post resumo aqui algumas dicas que permitirão a qualquer leigo menos experimentado identificar sem falhas um xuxa desta espécie camaleónica só aparentemente tímida.

22/03/11

Haja memória..., por Bad


Hoje resolvi fazer um exercício. Ao ler, no Jornal de Negócios, que a Espanha está a recuperar da crise (ao mesmo tempo que Portugal caminha para a insolvência) muito graças às seguintes medidas:

1) Governantes viram salários reduzidos em 15%.
2) Reestruturação do sistema financeira.
3) Redução dos investimentos públicos.
4) Corte de 5% nos salários da função pública em Maio (ao passo que, em Portugal a medida só foi anunciada em Outubro).

Ora estes dois últimos pontos criaram-me a necessidade de fazer um exercício de memória: ir rever o debate entre José Sócrates (JS) e Manuela Ferreira Leite (MFL).

Por um lado, eu tinha ideia de uns investimentos públicos defendidos por JS e combatidos por MFL. Por outro, achava MFL dizia que Portugal estava numa situação política bastante grave e que, por isso, era necessário mudar os caminhos que JS estava a seguir. E mais, lembrava-me de ouvir JS a dizer que MFL apostava no pessimismo e o que interessava ao país era o optimismo e a confiança no futuro para se sair da crise (um argumento tão incrível que nunca mais me saiu da cabeça). Resolvi ir confirmar se tudo isto era verdade...

Frases a reter:
MFL:

“Modelo económico tem de ser alterado, porque se não o for os resultados vão ser os que têm sido com o modelo que tem sido seguido”

“Fico sempre muito preocupada quando ouço o Eng. José Sócrates dizer que não vai mudar de politica, que não vai mudar de rumo…”

“Em primeiro lugar combateu-a [a crise] tarde. Se tivesse combatido quando eu anunciei que isso ia acontecer, se tivesse seguido os nossos conselhos e as sugestões, provavelmente o país hoje não estaria da mesma forma.


JS:
Sócrates:

“Respondemos com mais investimento público: e é disso que o país precisa.”

“O que o país precisa é de uma atitude de confiança no futuro.”


Realço um diálogo interessante:
JS: Porque é que no governo defendeu a questão da alta velocidade e agora não a defende?

MFL: Exactamente o ponto em que o Eng. Sócrates falha na sua análise é considerar e não admitir que política é exactamente isso que o senhor não está a fazer. É que não pode passar de uma situação A para uma situação B completamente diferente e achar que as medidas são as mesmas e que as hipóteses são as mesmas. (…)

JS: Mas porque é que em 2003 concordava e agora não?

MFL: Porque em 2003 a situação do país não era a de hoje. O Sr. Eng. não está a ver qual é a situação de endividamento do país?

JS: Por amor de Deus… por amor de Deus…

MFL: A situação de endividamento do país HOJE é insustentável para isso. (…) O motivo pelo qual a Espanha tem tanto interesse em fazer esta linha para Portugal tem a ver com o facto de que precisa que o comboio passe a fronteira para ter a categoria de transporte transfronteiriço e aí ter mais fundos comunitários do que os que terá se ele não passar a fronteira. Eu não estou aqui para defender os interesses espanhóis. Estou aqui para defender os interesses portugueses.


E depois destes esclarecimentos (quanto a mim, lógicos - em conjunturas diferentes há que adoptar posturas diferentes), eis que JS conclui o óbvio...
JS: (…) O que eu naõ aceito é que no governo tenha afirmado em nome do meu país com outro país uma prioridade [o TGV] e que agora, apenas porque foi para a oposição, diga o contrário do que disse no governo. Isso desculpe, mas eu não posso aceitar.

Digo eu: perante a explicação de MFL concluir isto... se não é má fé vou ali e já venho.


Mas há mais:
JS:

Houve uma altura em que nós precisámos de pedir um esforço aos portugueses para por as contas públicas em ordem, mas os portugueses também sabem que nós conseguimos atingir o nosso objectivo, que tivemos o défice menor da democracia portuguesa e que estamos agora preparados para responder aos desafios da crise internacional.

21/03/11

Fracos Com Os Fortes, por John Deere

Já lá vai uma semana que o governo da república veio anunciar,muito contente e orgulhoso,que chegara a acordo com as associações de camionagem que ameaçavam parar o país. Os camionistas, ou melhor, os seus patrões que a greve era dos empresários e não dos trabalhadores, voltaram a pegar ao serviço e tudo acabou em bem. Ainda estava na memória de todos a anterior paralização no sector que, praticamente, meteu o país em estado de sítio. O governo respirou de alívio com o acordo, a comunicação social noticiou a feliz novidade e os comentadores de serviço concentraram-se noutras questões mais candentes. Durante uma semana esperei que alguém fizesse a pergunta óbvia: mas é justo este acordo? A cedência do governo às reivindicações das empresas de camionagem é um acto de justiça devida e equânime? Ou uma cedência do governo a um poder real e efectivo? Como ninguém se lembrou de fazer estas singelas perguntas eu trago-as aqui e respondo.

O governo cedeu. As empresas de camionagem passam a contar com descontos importantes nas scuts e nas portagens das auto-estradas e beneficiam de mais uma série de benefícios fiscais. Até posso achar que, em face da actividade de rapinagem das gasolineiras que a todos afecta, estas medidas sejam justas. Mas porquê só para as empresas de camionagem? Porque é que outras empresas ou até empresários individuais que necessitam igualmente de se deslocar de carro nas mesmas estradas não gozam dos mesmíssimos benefícios que o governo atribui às empresas de camionagem? Se eu for dono de um camião usufruo dessas vantagens, mas se for um padeiro, um carpinteiro, um advogado, um empresário de outra área qualquer, não tenho essas benesses. Isto faz sentido?


Não teve nada a ver com justiça, esta cedência governo. É fácil de perceber que o governo mais uma vez comportou-se de acordo com um padrão. Foi fraco com os fortes, como sempre ( assim como continua a ser forte com os fracos). A única e exclusiva razão para estas cedências nada tem a ver com justiça, mas com o medo. Se a gente xuxa percebe que lida com alguém que tem poder afectivo - como é o caso - cede. E quando não reconhece ao seu interlocutor esse poder, não cede e enche a boca com a firmeza e tretas que tais. Mas, de facto, a única linguagem que esta gente entende é esta: a da eficácia do poder. Tanto faz que milhares de trabalhadores se manifestem nas ruas todos os dias, que utentes do sitema de saúde se revoltem, que a geração a rasca desça à rua indignada ou que pais, alunos e professores reclamem do ataque à escola pública. nenhum deles tem - ou não sabe que tem - o poder de parar o país como as empresas de camionagem quando resolvem parar. E é isso e apenas isso que os xuxas entendem. E ficámos todos muito contentes porque o país, afinal, não parou...

16/03/11

Arroz e Lampreia e Outras Coisas Que Justificam Viagens no Nosso Portugal, por Interlúdio Publicitário


1 a 10 de Abril - Festival do Arroz e da Lampreia - Montemor-o-Velho (mais informação)

17 de Março a 3 de Abril: Festival Internacional de Chocolate em Óbidos ( mais informação )

19 e 20 de Março: XX Feira do Queijo em Oliveira do Hospital ( mais informação )

25 a 27 de Março: VI Festival a Pão e Laranjas na Vidigueira ( mais informação )

25 a 27 de Março: Jornadas Gastronómicas Sabores do Porco Alentejano e Feira do Porco Alentejano 2011 em Ourique ( mais informação )

26 e 27 de Março: Fim de Semana de Sarrabulho em Ponte de Lima ( mais informação )

1 a 4 de Abril: Fim-de-Semana do Arroz de Bucho e dos Negalhos em Vila Nova de Poiares ( mais informação )

15/03/11

36 mortes, por Hitchcockianista


"In films murders are always very clean. I show how difficult it is and what a messy thing it is to kill a man", Alfred Hitchcock

13/03/11

A Luta Continua, por Camarada Barreirinhas

Num blog assumidamente anti xuxa e anti socas, como é o Tapor, o dia de hoje não podia deixar de ser assinalado. Fomos dos primeiros a declarar a nudez do rei quando ele ainda vencia eleições com maiorias absolutas. Tudo o que de socas e dos xuxas se diz agora, tudo o que é ponto assente para quem consegue ter um mínimo de imparcialidade sobre a tenebrosa rede que nos desgoverna, foi anunciado pelo Tapor, praticamente desde que existe. Os ratos abandonam o navio, apoiantes de sempre do ingenheiro e dos xuxas apressam-se a desmarcar-se. Nós cá estamos, como sempre, a dizer o que sempre foi óbvio.

O dia de hoje é particularmente importante porque das manifs que decorreram em todo o país, é claro que a o povo, e não só a geração à rasca, já não suporta os xuxas. Foram 200 mil em Lisboa,80 mil no Porto, foram milhares noutras cidades do país. E foi pena que nalgumas delas, gente que passa o tempo a perorar contra os xuxas tenha preferido ver as manifs na TV. Teríamos sido mais ainda...

Hoje vi slogans sintomáticos como aquele que dizia «socas faz um favor ao país e entra em contra mão na A1», vi políticos como a joana amaral dias a quererem discursar na manif de Lisboa a a malta a mandá-la calar porque não queria políticos a falar, vi os Homens da Luta em grande a puxarem pelo pessoal e, sobretudo, vi milhares e milhares no Porto e em Lisboa. Reunir tanta gente depois da contra-propaganda da comunicação social do regime foi obra - ainda na sexta feira ouvi na antena 1 eduarda maio, a autora do best seller O Menino de Ouro, biografia oficial de zé socas, a atacar durante meia hora um dos promotores das manifs. Nunca tinha visto uma coisa assim, com a referida autora da grande peça biográfica citada, a dedicar todo o santo tempo da «entrevista» a tentar provar que as manifs são manipuladas. Curiosamente esta é a mesma senhora que me enjoa pela subserviência com que trata as figuras do regime.

Mas a malta, desta vez, pela primeira vez?, aguentou tudo e lá apareceu nas manifs. Não entendo como é que o governo nem assim se demite. Façam um exercício singelo - metam-se nas cabeças do socas, do santos silva, do silva pereira, da alçada, do teixeira, daquela gentinha toda... Conseguiam dormir descansados esta e as próximas noites? Não coravam de vergonha quando se vissem no espelho? Ao menos Guterres teve a hombridade de se ir embora. Estes, pelo contrário, só irão quando forem corridos. Felizmente esse dia está próximo - socas e os seus xuxas estão mortos e enterrados. E foi isso que hoje lhes dissemos.

10/03/11

Sinais dos Tempos, por Reco Reco

Toda a gente que mora em Coimbra conhece este coreto. Fica no parque da cidade. Hoje passei por lá e fiquei impressionado não tanto com o coreto do parque Manuel Braga, mas com uma volumosa e, presumo, dispendiosa placa que lá está ao lado. Em vez de indicar o autor e a data do coreto, como seria natural, a placa comemora a excelsa data em que o coreto do parque foi «restaurado». O coreto foi pintado e, possivelmente, levou mais uns retoques ligeiros. E lá fizeram, ao lado, uma placa para assinalar a efeméride: «este monumento foi restaurado em dois mil e troca o passo por sua excelência, o presidente da câmara municipal de coimbra, dr. carlos tal e tal e tal encarnação e pelo administrador de já não sei quê, eng. paulo fulano sicrano de beltrano e não sei quê canha» mais coisa menos coisa!

O coreto do parque é uma marca de uma época: uma obra da arquitectura do ferro em voga no princípio do século xx e bem representada em Portugal por outros felizes exemplos. Mas a placa comemorativa da inauguração do coreto é a marca do nosso tempo bacoco, ridículo e pequenino.

Para que conste, o Tapornumporco repõe aqui o que lá não está: que o coreto do parque Manuel Braga é uma peça de 1934 assinada pelo arquitecto Silva Pinto. A foto foi tirada em 1981 por Delmar Carvalho. Nessa altura ainda lá não estava a ilustre placa com os nomes dos magníficos restauradores do coreto.

08/03/11

Quanto Tempo Dura Uma Nomeação Política?, por Tic Tac

A notícia saiu em toda a comunicação social: Um professor foi demitido do cargo de coordenador da Equipa de Apoio às Escolas por ter contestado o modelo de avaliação docente.

O referido docente acumulava o cargo de professor na Escola Secundária D. Maria em Coimbra com um cargo de coordenação na DREC. A justificação do ministério da educação para a demissão, segundo o mesmo pasquim, é que o referido funcionário tem um «dever de lealdade» para com quem o nomeou.


Pessoalmente considero que esta é uma prática fascistóide que só desprestigia quem a toma. Mas aceitemos de barato que o cargo do corrdenador em causa era de confiança política e, portanto, de nomeação, sendo-lhe, assim, a «lealdade» exigida. Mas então sejam consequentes: se esta gente toda que é nomeada para as DRECS e quejandos é de nomeação política que saiam imediatamente quando sairem os políticos que os nomearam. Custa muito legislar nesse sentido?

Infelizmente, neste país, a confiança e a lealdade são sempre requeridas quando convém (como neste caso). Mas quando saem os decisores políticos ficam lá as suas excrescências. Nessa altura já ninguém se lembra do famigerado «dever de lealdade». Sempre que um xuxa fala em lealdade fica logo no ar um aroma pestilento...

De olhos bem abertos, por Don Sebastião

A última edição da Ler é uma preciosidade daquelas de comprar e guardar. Pela(s) retrospectiva(s), pelas fotografias, pelas ideias para o futuro, pelo ensaio de Harold Bloom sobre génios literários e, ainda, pela cereja no topo do bolo, para utilizar a expressão de um cliente furioso deste blog: uma longa entrevista com George Steiner, que não só chama gigante a Lobo Antunes (gigante maior do que Saramago, diz ele e eu concordo) e discorre apaixonadamente sobre Pessoa e Camões, como fala de temas essenciais da contemporaneidade, do porvir e não só. E quando Steiner fala de temas essenciais, tenho para mim que a atitude mais sensata é abrir bem as orelhas. Ou os olhos, se estivermos a ler. É assim que devemos proceder com os sábios, que não dizem senão o essencial, mesmo quando estão a divagar. Por tudo isto e mais que não digo aqui: Ler.

03/03/11

(Re)pensar a Democracia: Uma proposta. Por E S'Cá Nevasse?

Ter e trocar ideias é importante. Mas não menos é agir em conformidade, dando consequência concreta às palavras, aos princípios e às intenções. Nos meus últimos posts tenho defendido uma maior participação dos cidadãos na coisa pública, sendo que essa é para mim a única saída viável para a crise em que nos encontramos. Não falo da crise económica, mas sobretudo da crise política, que existe e é mais profunda do que os normais conflitos entre partidos ou com viabilizar ou não viabilizar orçamentos na AR. A verdadeira crise reside na apatia ou no desencanto da grande maioria dos portugueses relativamente ao panorama político institucional (partidário, parlamentar) nacional. À sensação de ausência de alternativas que leva a grande maioria dos nossos concidadãos a demitirem-se dos seus direitos (deveres?) eleitorais e de cidadania política. E que, por omissão, ajudam a perpetuar as disfunções.

Falo, em suma, de uma crise de representatividade, que se agrava perante a incapacidade de renovação dos partidos instalados e que se traduz na seguinte triste realidade: «(...)estes resultados já podiam ser previstos num estudo publicado pouco antes das eleições pelo Projecto Farol, um think tank independente. De acordo com o estudo do Projecto Farol, 94 por cento dos portugueses dizem não confiar na classe política, 90 por cento nos Governos, 89 por cento nos partidos e 84 por cento na Assembleia da República. Cerca de 70 por cento revela também não ter confiança nos tribunais, na administração pública ou nos sindicatos. 

Quase metade dos inquiridos afirma ter pouco interesse na política nacional (43 por cento) e na política local (48 por cento).» (in Perplexo).

Significa isto que o modelo democrático que temos está esgotado? Longe disso. O que significa é que precisa de ser melhorado. Melhor ainda: renovado. E não faltam exemplos de outros países onde a Democracia funciona melhor, onde nos podemos inspirar. Sendo certo que, onde funciona melhor, é onde os cidadãos não só participam mais, como são mais esclarecidos, lêem mais e debatem mais. O alheamento não é uma resposta. E a simples manifestação de revolta não chega para alterar o essencial, que passa por ser o sistema. Sendo que o sistema somos todos. Não é uma questão de "nós" e "eles". É sempre uma questão nossa.

Mas este post pretende ser apenas um princípio de conversa. Um princípio de conversa em forma de proposta. E o que proponho é a criação de um fórum, que pode evoluir para um formato associativo, para (re)pensar a democracia. Um fórum de gente verdadeiramente interessada em mudança e em fazer parte dela, pensando soluções, reflectindo alternativas e pugnando pela sua aplicação. Chamemos-lhe "think tank", chamemos-lhe lóbi, chamemos-lhe coletivo ou organização, chamemos-lhe o que os seus membros acharem melhor nas reuniões fundadoras. O importante é congregar ideias, vontades e esforços. Um fórum de gente partidária ou apartidária, de gente de esquerda, de direita, do centro ou de lado nenhum, de gente interessada em aprofundar e aperfeiçoar a democracia representativa vigente. Propunha desde já Coimbra como cidade-sede e, além de reuniões regulares presenciais, a criação de uma plataforma online (um grupo no Facebook, por exemplo).

A ação deste coletivo pode passar pela organização de conferências ou eventos públicos, por atividade editorial, por contactos diretos com partidos ou eleitos, por pressão junto de grupos parlamentares, por lançamento de petições ou por uma miríade de outras formas de intervir na esfera pública e de pensar coletivamente em questões essenciais do nosso tempo. Queremos construir um país melhor para os nossos vindouros? Então façamo-lo. Quem estiver interessado pode manifestar-se nesse sentido nos comentários deste post, deixando um contacto ou escrevendo para jpcruz(at)gmail.com.

02/03/11

Também tenho um (des)gosto, por Se Não Nevar em Abril Não Há Crise

O meu anterior post cumpriu a sua função de agitar as hostes e de trazer ao de cima o pior que há em nós, um dos objectivos basilares deste blogue. Como sou um tipo empreendedor, como se deve insistir em modelos de sucesso, como o Cão pede para desenvolvermos o que pensamos disto tudo e do que ele chama «os gajos de ocasião» e como também tenho filhos, resolvi continuar a empreender neste tema candente da sociedade portuguesa: jovens parvos e outros à rasca.

Pelo que pude perceber, para o próximo dia 12 avolumam-se dois movimentos de protesto distintos. Um de jovens revoltados com a falta de emprego e com as relações precárias de trabalho. Outro de gente de todas as idades, que se irmanam no slogan: «Um milhão de pessoas na Avenida da Liberdade pela demissão de toda a classe política». Repito: «pela demissão de toda a classe política». Pessoalmente, simpatizo mais com os primeiros. O proto-anarquismo de fancaria e o discurso anti-político radical, a sua sanha purificadora com laivos jacobinos, subjacente ao segundo assustam-me um bocado, ainda que concorde com alguns dos diagnósticos que acompanham o «manifesto» que tem corrido na net. Merecem-me mais respeito e empatia os jovens à rasca.

Os dois movimentos, no entanto, têm algo que os une: nenhum oferece soluções ou alternativas. E ambos esperam que alguém, não se sabe bem quem, resolva os seus problemas. É evidente que todos nós, que pagamos impostos, esperamos que o Estado ofereça algumas respostas no sentido de atender às aspirações e necessidades da população. Mas como o Estado não é uma abstração religiosa do tipo Espírito Santo e é feito de cidadãos concretos que o gerem e sustentam num determinado quadro constitucional, nomeadamente de democracia parlamentar representativa e do estado de direito, convém colocar o discurso no plano das soluções concretas. E, se formos democratas, no plano do sistema vigente no sentido de o reformar e melhorar. Isto é, vir para a rua defender a «demissão de toda a classe política» é um programa mais do que irrealista: nihilista. Até porque parte do princípio de que se «toda a classe política» fosse demitida, aconteceria um milagre e que emergeria da sociedade portuguesa, não se sabe bem como nem de onde, uma nova vaga impoluta e infalível de políticos e gestores da coisa pública. Como se por baixo do sistema político, fervilhasse uma pátria anónima honesta, competente e voluntarista, que nos conduziria à glória.

Eu sei que para além do sistema político, há imensa gente capaz e honesta, pronta a tomar as rédeas do Estado. No entanto, as coisas não são tão simples. Não só os políticos que temos são um reflexo do povo que somos (no seu melhor e no seu pior), como a gente capaz e honesta que existe, está nos sítios onde deve estar: a produzir riqueza, ciência e saber nos seus postos: empresas, universidades e demais instituições privadas que são tão essenciais quanto o Estado para manter este país de pé. É por isso que acho que devemos transcender a demagogia populista destes arautos da mudança sem projecto e que devemos ser realistas, porque os tempos não estão para fantasias. E a única forma que vejo de fazer isso é mudar o sistema por dentro. É nesse sentido que defendo como soluções uma maior participação dos cidadãos descontentes na política que demonizam e uma mentalidade mais empreendedora. Porque pura e simplesmente não há outras opções, se quisermos dar um futuro melhor aos nossos filhos.

O que é que isto significa na prática? Significa desde logo ir às urnas escolher as alternativas que se apresentem no quadro da tal democracia representativa - e o que temos visto é que a maioria da população se demite desse dever, sendo como tal, responsável por omissão pelo estado da nação. Isso é o básico. Depois, há formas mais interventivas de corporizar a mudança, no contexto da política. À cabeça: aderindo a partidos e lutando activamente não só pela mudança interna desses partidos, mas também por uma mudança de governo e de forças parlamentares. Ou mesmo criando novos projectos partidários e saindo para o terreno na luta por causas consequentes e por verdadeiras alternativas de poder central ou local. Ainda no quadro da política, o sistema oferece a possibilidade da criação de movimentos de cidadania não-partidários, que se podem constituir em lóbi de pressão junto de quem decide.

O que acontece de facto, no entanto, é que o povo português, na sua maioria, se demite de participar e reduz a sua actividade política às conversas de café e aos bitaites raivosos na net. E muitos nem isto fazem. Na sua generalidade, infelizmente, somos um povo apático que de vez em quando se excita e se manifesta, mas que logo a seguir regressa à sua normal e sofredora vidinha. O verdadeiro problema não são os «gajos de ocasião», não é este tempo, como afirma o Cão sem sentido histórico ou sociológico, são os gajos de sempre: somos nós, ou a maioria de nós, que nos eternizamos nesta mentalidade fadista, conformista e de lamuria inconsequente.

Enfim, valham-nos o futebol, a novela, os cafés e as suas esplanadas, o malogrado Carlos Castro, o facebook, os blogues e os jornais online para desabafar e soltarmos a fera que há em nós! Fora do contexto político, podemos de facto fazer a mudança se abraçarmos uma atitude mais empreendedora e menos avessa ao risco. De uma forma ou de outra, nada de essencial mudará a partir de 12 de Março se os portugueses, políticos ou não, continuarem a achar que a culpa e a responsabilidade da mudança é sempre dos outros. Ou é preciso citar o Kennedy?...

Um (des)gosto, por Cão

Tenho uma filha com 17 anos feitos que acredita em si mesma. É bom. Também acredita no futuro dela, ela. Já não sei se isso é tão bom. Não sei – e não sei explicar-lhe a minha ignorância.
Tenho outra menina a que pertenço também. Tem 11 anos, vai andando, não sei bem em que acredita ela, vejo-a menos vezes do que deveria.
Uma e outra são portuguesas. Crescem como juncos que o vento matiza de verde. São cidadãs deste tempo.
O problema é este tempo ser destes gajos. Deste país. Desta conjuntura.
A Leonor e a Teresa são exactamente iguais aos vossos filhos e filhas: encarnações floridas com que intentei prolongar a eternidade que o Tempo nos nega. Não o Tempo dos filósofos alemães. Não o Tempo de mármore da Grécia. Não o Tempo cartográfico das caravelas. Este Tempo.
O Tempo dos corruptos/corruptores. O Tempo dos falsos adventistas. O Tempo dos idiotas subidos a lugares de comando. O Tempo dos amigos serem para as ocasiões que fazem ladrões.
A minha Leonor e a minha Teresa foram feitas em Portugal, mas não para ele.
E os vossos filhos e as vossas filhas? Terão sido para gajos de ocasião como estes?
Gostaria de saber o que pensais disso.
Gostaria mesmo.

01/03/11

Um Jogo num Microsegundo, por Papoilo

Há momentos que valem o mundo. Foi assim este Domingo na Catedral da Luz quando o Fábio Coentrão rematou para a vitória do Benfica no último segundo do jogo com o Marítimo. O Benfica empatava por um golo e, no último segundo, quando todos já tinham perdido a esperança, há uma bola que sobra para Fábio. É esse ínfimo momento que me interessa. Gostaria de parar o tempo naquele instante como se faz nos dvds para analisar um pormenor de uma cena.

Naquela fracção de segundo o mundo parou: Fábio domina com o esquerdo e a bola fica ao alcance do pé direito o seu pior pé. Percebemos que ele vai atirar à baliza , todos sabemos que é o último remate do jogo, estamos no segundo final, e é claro que ou sai fantástico e ganhamos ou acerta na floresta de pernas do marítimo e tá tudo perdido. Nessa fracção de segundo, se a pudéssemos imobilizar, milhares de gargantas ficam mudas e outros tantos corações deixam, indelevelmente, de bater. Se Fábio acertar o remate o Benfica continua na luta pelo título, se falhar o sonho morre. Fábio tem toda a responsabilidade de um clube maior que um país concentrada no seu pé direito. Mas eis que o tempo retoma o seu curso: Fábio Coentrão remata forte, certeiro, espectáculo, GOLÃO! Um momento mitológico, toda a responsabilidade do universo naquele remate de Fábio Coentrão, como um pequeno big bang em que toda a matéria do universo está encerrada num pequeno grão de matéria que subitamente se liberta numa grande explosão de energia que ainda hoje se expande!


Há momentos assim na história do desporto: o penálti falhado por Zico na meia final contra a França no mundial de 86 (falhou); um putt de Tigger Woods em Augusta do qual dependia um título (acertou); um Ace de Sampras para jogo em Wimbledon (acertou). E agora Fábio. São momentos que valem um jogo, um campeonato, que digo?, são momentos que valem um universo. Mitológicos!