10/01/12

O Deus da Carnificina, por Antropófago

Ontem fui ao cinema. Mas não vou falar do filme. Este post é mesmo sobre a minha ida ao cinema e não sobre o último excelente filme de Roman Polanski, o notável O Deus da Carnificina.

Segundo informação oficial o filme começa às 21 20. Como já conheço os hábitos da casa cheguei às 21 15 à bilheteira. A bicha não era muito grande, despachar-se-ia facilmente em dois minutos se fosse realmente uma simples fila para comprar bilhetes. Mas não. Acontece que aquilo é, na verdade, uma bicha do Só Peso disfarçada de bicha para o cinema. Raramente aparece um cliente que deseje comprar apenas um bilhete de cinema – a maior parte compra baldes de coca-colas, barris de picocas com manteiga, açúcar, sal e frutos secos. Há até menus especiais como nos restaurantes de fast food. À minha frente um casal de gordos descomunais pagou vinte e tal euros para se empaturrar de porcarias. Podiam ter ido ao Porcão, mas preferiram o cinema…

Enfim, depois de várias pesagens de comida e de perguntas cinéfilas do estilo «deseja as pipocas com sal ou com açúcar?» lá chegou a minha vez. Disse que só queria um bilhete para O Deus da Carnificina e o empregado pareceu ter visto um e-tê. E não deseja mais nada? Um bacalhau à Zé do pipo, apeteceu-me dizer-lhe. Mas respondi que só queria o bilhete. São 6.60 eur. Fónix! 6.60 eur para ir ao cinema? Depois admiram-se dum gajo sacar os filmes todos da net…

Entretanto eu tinha ficado a pensar que estava tramado com a multidão de mastigantes que se preparava para a sessão das 21 20. Já estava arrependido de ter saído de casa porque não me agrada nada a expectativa de ir partilhar uma exígua sala de cinema durante uma hora e meia com um exército de comilões a sorver pipocas e refrigerantes. Mas vá lá, tive sorte, a sala de O Deus da Carnificina tinha só meia dúzia de curiosos. Percebi que fora salvo pela Bruna Surfistinha, o filme que estava em exibição na sala do lado. A maior parte do exército grunho tinha ido ver a Bruna. Com pipocas, cerveja em lata e manteiga de amendoim, claro.

No início do filme ouvi este excelente diálogo entre um jovem casal que ficou na fila detrás:

Ela– Carnificina? Mas o que é que quer dizer carnificina? (depreendi que há gente que vai ao cinema sem sequer saber o título do filme que vai ver. Podia ser o Senhor das Moscas, o West Side Story, outra coisa qualquer. Mas não, por acaso era o Deus da Carnificna, que palavra tão esquisita).

Ele – Carnificina… é… bem… Como é que te hei-de explicar? (sim, como? Este rapaz é sem dúvida um intelectual para dominar assim uma palavra tão complexa, um conceito tão elaborado, tão sofisticado que se torna difícil de traduzir para mentes mais simples. Ora deixa-me ver…)

Ela – Em inglês é carnage, diz ali…

Ele – Pois, é isso, carnificina deve ter a ver com carnívoro, tem a ver com os carnívoros (quererá ele dizer canibais? Pensaria que ia assistir a qualquer coisa semelhante ao mítico Holocausto Canibal? Pode ser…)

Mas vá lá. Não eram dos piores, pelo menos não estavam de balde de comida e de barril de cola nas mãos.

O Deus da Carnificina que devia ter começado às 21 20, começou, como é hábito, vinte minutos depois, às 21 40. Nada de novo. Pior foi o intervalo abrupto, um corte completamente arbitrário a meio do filme, para que o pessoal se vá abastecer com mais comida. Percebe-se. Tudo é feito de modo a conseguir o máximo de lucro. E quantos mais intervalos, mais baldes de pipocas vendidos.

E foi assim. A minha ida ao cinema acabou por ter interesse sociológico, senti-me uma espécie de Richard Attenborough em missão de reconhecimento de uma estranha espécie de animais de hábitos raros que, pelos vistos, se reproduz no escuro das pequenas salas de cinema. Aguardo agora, ansiosamente, a estreia do próximo filme de Jean-Luc Godard que não quero perder – possivelmente já irei vê-lo ao Porco ao Peso. Nada como um bom rodísio de carne de bísaro para apreciar devidamente a Nouvelle Vague .

6 comentários:

britannicus disse...

Ó antropófago, não me digas que há um filme baseado no "Diário De Uma Garota de Programa" da Bruna Surfistinha. Fosca-se! E foste tu ver a Carnificina quando podias ver a história duma cachopa com uma carnação do caraças e que ainda por cima gostava de rodízios à brasileira.

Anónimo disse...

Mas tá minha lista, brit, tá na minha lista...
Antropófago

Supernova disse...

Antropófago como me revejo no que disseste! Que saudades tenho de ir ver filmes ao avenida quando havia pessoal que quando levava um chocolate para o cinema parecia que estava a cometer um crime.
Depois começou-se a ouvir " vamos ao gira que lá até há pipocas" e consegui ver um dia a armadilha em Bangkok ao som dos tiros da sala do lado!
E sim, de facto é com cada bacorada no cinema que por vezes só apetece meter uma bomba

Anónimo disse...

Pois é super. Eu também vi o Inception com um cabrão dum velho a mascar pipocas e a gluglubar cola. Ainda hoje, para mim, a banda sonora do filme tem aqueles ruídos incorporados

Supernova disse...

A respeito do Inception há uma tirada de uma rapariga que é um luxo! disse ela: "como é que alguém consegue fazer aquilo aos predios? está mesmo exagerado"

Anónimo disse...

Pois é super. Como aqueles que dizem que não gostam do Super Man porque «é muita fantasia»...