03/01/08

Sim, Eu Tenho Todas as Nove Séries de Seinfeld, por Bizarro

Cheguei a odiar séries de TV. Passei a odiá-las mortalmente desde que as telenovelas brasileiras chegaram a Portugal e a malta que tirava os fins de tarde nos meses de Verão para vir jogar à bola para a rua até ficar noite cerrada, passou a ficar em casa, pantufas instaladas e olhar vítreo no écran. Tudo começou com a Gabriela, Cravo e Canela. Ainda hoje nem posso olhar para as fronhas dos personagens que me lembram logo os anoiteceres solitários que passei irritado à espera da malta da bola que nunca mais apareceu.

Por essa razão perdi muitas telenovelas algumas das quais, dizem-me amigos credíveis, eram excelentes. E, supostamente, quanto melhores eram, mais as odiei. Por extensão, passei a odiar também as séries, pobres inocentes no meio disto tudo. Entendamo-nos: não foi propriamente contra a qualidade das séries e das novelas que eu me revoltei. Não. Foi contra o próprio conceito de telenovela, essa ideia própria de escravos que gostam de o ser, de ficarmos ali todos os dias à mesma hora à espera para cumprirmos uma rotina, qual extensão dos deveres diários. Todos os prazeres morrem assim, quando os disciplinamos e lhes marcamos horários. O conceito de «série» tornou-se-me pois, intrinsecamente repugnante. Não me recordo do nome de nenhuma telenovela e o máximo que o meu fundamentalismo permitiu foi assistir a séries semanais, aqui e ali. Enfim, a obrigação semanal de ver uma série não é exactamente o mesmo que estar todos os dias à mesma hora colado ao écran. Neste caso a quantidade faz a qualidade.

Foi assim que, com o tempo, pese embora o meu preconceito inicial, acabei por me tornar fã de algumas séries fundamentais. Do Bonanza que era anterior às telenovelas e preenchia o meu universo infantil de castigar os maus que eram sempre os índios. Dos Monthy Python que descobri espantado, atarantado e divertido na excelente série Flying Circus que dava aos sábados de manhã e se chamava em português Os Malucos do Circo, vá-se lá saber porquê… Não perdi um Cosmos do Sagan, verdadeira descoberta que me afastou do glorioso pelado dos sábados à tarde; delirei com o Espaço 1999 que hoje revejo com um sorriso nos lábios quando penso em tudo o que os autores previam para aquela data mítica - colonização da Lua, viagens no tempo e no espaço, armas de raios laser, convívios com ETês afáveis e lutas intergalácticas. Suprema ironia, passados anos depois da série que passou nos anos 80, em 1999 ainda ouviríamos vinil e andaríamos de Fiat 128… A série tinha contudo uma ideia brilhante que seria a realização dos sonhos mais lúbricos do porco que há em todo o homem. Refiro-me à personagem da segunda série de Espaço 1999, Maya, uma fantástica extraterrestre que tinha o poder da transmutação – Maya podia transformar-se num tigre, numa ratazana, num dragão do planeta Zorg, mas também numa scarlett, numa marylin ou numa angelina if you know what i mean…E também adorei Star Treck, os seus argumentos inteligentes e aquela tensão permanente entre Mr Spock, o etê do planeta Vulcano com a sua hipertrofia racionalista, e o capitão Kirk, terrestre como nós, irracional e intuitivo.

Bonanza, Monthy Python Flying Circus, Cosmos, Espaço 1999 e Star Treck fora as minhas séries de culto, mas ainda hoje penso que o que me mantinha preso, para além da sua espantosa qualidade, era a sua periodicidade semanal, suficientemente arejada e nem sempre regular. Nunca as suportaria em formato diário. Abominaria se se tivessem transformado em telenovelas.

Depois fez-se um hiato imenso de muitos anos em que devo ter perdido séries geniais (para não falar das telenovelas, formato que considero filosoficamente incompatível). Deixei de ver séries, prontos. Até que nos anos 90 reencontrei-me com a série, ao descobrir aquela que é a mais espantosa e genial obra do género. Falo, claro do imortal Seinfeld. Seinfeld é o supra-sumo, o clássico dos clássicos, a perfeição viva. Seinfeld está para o género como Sófocles para a tragédia, Camões para poesia, Kant para a Filosofia... Ele é o ponto de chegada do género «série» finalmente rehabilitado. Devo a iluminação ao nosso Grunfo, Deus o guarde! Nunca descobriria a série porque simplesmente estava afastado do formato, já não tinha outra vez paciência para aturar séries. Felizmente o Grunfo tinha a paciência e o espírito metódico que ainda hoje tem e salvou-me a vida.

Comecei a ouvir falar de Seinfeld, precisamente pelo Grunfo que me contava religiosamente as peripécias de Constanza, Jerry, Helen e Kramer. Eu ria só de ouvir o que ele me contava. Mas havia um problema. É que a série, comprada se não estou em erro , na altura, pela TVI, dava às 3 da manhã, remetida para os fundos de catálogo em nome de famigeradas telenovelas e programas pré-big brothers que disputavam entre si o bom gosto dos telespectadores portugueses. E, por essa razão, eu passei quase um ano a ouvir falar de Seinfeld e a rir-me a sério com as suas peripécias antes mesmo de ver um único episódio, abençoado Grunfo, nunca te poderei agradecer o suficiente… O Grunfo, esse continuou fiel, firme no seu posto às três da manhã para ver mais um episódio. Felizmente para mim, um dia o Grunfo cansou-se de ficar acordado e começou a gravar aquilo tudo em cassetes VHS, hoje autênticas relíquias, peças de colecção para admiradores fanáticos como nós. E foi assim que, num belo dia que ainda hoje recordo como se fosse ontem, o Grunfo me passou uma data de cassetes com os episódios das 3 da matina todos gravados. Foi amor à primeira vista. Só vos posso dizer que houve um fim de semana que nem saí da cama e vi furiosamente todos os 40 ou 50 episódios da cassete. Talvez eu nunca tivesse descoberto a série se ela desse muito certinha num disciplinado horário televisivo. Mas vê-la assim de enfiada como um enorme filme de Longa-Longa-Metragem, em overdoses cavalares, foi a maneira certa de me apaixonar por Seinfeld para sempre.

Seinfeld merece mais atenção. Merece que aqui no Porco nos detenhamos um pouco na consistência das personagens e como são parecidas connosco próprios. Merece que dissequemos aquele excelente slogan que é a ideia chave da série – Notes About Nothing. Merece posts sobre as personagens «secundárias», sobre o megalómano e hilariante Newman, sobre o Nazi das Sopas que eu haveria de conhecer nas noites de quinta feira na cervejaria Munich, sobre os pais de Costanza, sobre Bania, sobre o tio Léo…

Além disso, Seinfeld reconciliou-me com a série, enquanto género respeitável e, graças a isso, ainda vim a descobrir Os Sopranos e O Sexo e Cidade (e acrescento uma preciosidade que, infelizmente, saiu da circulação cedo de mais e discretamente, Calma Larry! que tem o argumentista de Seinfeld, Larry David como personagem principal e que já mereceu post no tapor (http://tapornumporco.blogspot.com/2007/09/
curb-your-enthusiasm-calma-larry-na-rtp.html) . Sopranos e O Sexo e a Cidade… Ninguém quer pegar na deixa?.

Sem comentários: