Muito se fala dos novos escritores da lusofonia como Agualusa, Ubaldo, Lobo Antunes ou Mia Couto. Acho bem. É merecido. São apontados como criadores da língua, porque, aproveitando a imensa criatividade da oralidade e a multipilicidade linguística dos palops, estes autores recriam um novo português. Mia Couto chega ao ponto de inventar novos vocábulos e a sua escrita é um exercício de recriação surpreendente. Os puristas não gostam, eu acho interessante. As palavras que ele cria são de uma grande riqueza metafórica. Mia é um inventor de um português novo e futurista assente na misceginação e no encontro das suas múltiplas expressões. A sua originalidade baseia-se nas novas formas de dizer e escrever português.
Em contrapartida pouco se fala dos escritores antigos de Portugal, como Fernando Campos. Acho mal. Devia-se falar muito. Campos faz o contrário de Mia Couto e dos novos escritores lusófanos – pega no português arcaico e, re-inventando-o, luta para que ele não morra. É impressionante como ele recupera vocábulos perdidos, palavras que deixámos de usar e como lhes dá novos sentidos ou recupera os velhos.
Campos é um escritor contemporâneo, mas é o mais antigo de todos eles. Note-se que eu digo «antigo» e não velho. Um homem antigo tem uma ressonância semântica que escapa à palavra velhice. A antiguidade vale, a velhice é indesejável. Por isso não há contradição nenhuma em ser-se inovador e antigo, simultaneamente. É o caso de Fernando Campos. No fundo ele porta-se com a nossa língua como um guarda de um santuário ecológico que tenta preservar a diversidade biológica da terra e dos seres que lhe foram confiados. Campos sabe, como o guarda ecológico, que de cada vez que deixamos morrer uma palavra a nossa língua fica mais pobre. Ele mostra o caminho oposto – mas complementar – ao de Mia: o da renovação assente na tradição e não só na modernidade. Esse é um ds muitos aspectos interessantes da escrita de Campos. No fundo ele é, neste sentido, um Mia Couto ao contrário. E o que ambos procuram fazer da nossa língua é igualmente vital. Não é justo que só reparemos no mérito dos que se viram para o futuro. Os que preservam e actualizam o passado não são, longe disso, menos importantes. São tão ou mais vitais para o futuro como os outros.
Nota final - Fernando Campos nasceu em 1924 em Águas Santas, Porto, e licenciou-se em Filologia Clássica em Coimbra. É autor de alguns dos melhores romances baseados na impressionante e cada vez mais ignorada história deste Portugal governado por ingenheiros medíocres. Como, por exemplo: A Casa do Pó (um drama tecido no século XVI durante o reinado de D. Manuel e de D. João III), A Esmeralda Partida (de D. Pedro, a D. João II, passando por Afonso, o Africano, joga-se um dos períodos mais importantes da nossa história), A Sala das Perguntas (sobre o grande Damião de Góis, renascentista e cosmopolita em sarilhos com o Portugal da Inquisição) , O Prisioneiro da Torre Velha (sobre a saga de D. Francisco Manuel de Almeida que é visto pelos espanhóis como português e como espanhol pelos portugueses no período Filipino e da Restauração), O Cavaleiro da Águia (A reconquista e a saga de Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador), A Ponte dos Suspiros ( e se D. Sebastião não morreu em Alcácer Quibir?) e o último, de 2007, O Lago Azul (sobre a descendência dos herdeiros ao trono português, filhos de D. António Prior do Crato, no período da ocupação filipina). Estes foram os que eu li, até agora e den entre eles aconselho vivamente, A Casa do pó, A Sala das perguntas e, principalmente, A Esmeralda Partida.
Mas ele ainda escreveu mais estes que ainda me falta ler: Psyché, O Homem da Máquina de Escrever, O Pesadelo de dEus, Viagem ao Ponto de Fuga, e …que o meu pé prende… Um dia destes volto a Campos.
6 comentários:
tá bem.
mas como disse em baixo:
agora queria mazera aqui uma sondagem acerca de gajas.
não interessa a pergunta.
gajas.
gajas é que interessa.
É claro que é preciso manter o pulsar das ideias e o contraste das opiniões, mas não descuidem a imagem…e a gaja ,onde esta? Agora é substituída por uma casinha, é uma proposta de sumisão? Vamos lá , gajas!!
eu acho até que em, português, em vez de se dizer, à antiga, bem-haja, debia-se-de-dizer: vem-gaja?
ou o homem nao fosse um Maiato ora!!!
Quem és tu Irish? Um(a)maiato(a) comó campos?
Ah! Também gosta de Fernando Campos! Só li A Casa do Pó e O Prisioneiro da Torre Velha. Gostei muito do primeiro. E concordo, inteiramente, com o que pensa sobre a escrita dele e a sua contribuição para não deixar morrer um determinado estilo de escrita.
Quanto ao Mia Couto, vou escrever uma heresia: arrepia-me o uso - abusivo, do meu ponto de vista - que ele faz das figuras de estilo! Reconheço-lhes a beleza indiscutível, mas a quantidade das mesmas incomoda-me. Apesar disso, estou a ler o último livro dele, Venenos de Deus, Remédios do Diabo, e acho-o muito mais interessante do que o anterior, O Outro Pé da Sereia - este último é menos onírico. E introdu-lo uma frase lindíssima do extraordinário Mário Quintana:"A imaginação é a memória que enlouqueceu"! Ah!E não esquecer Raíz de Orvalho - único livro de poesia dele publicado - que é, simplesmente, delicioso!
E, pronto, aqui fica o meu atrevimento acerca de literatura :)
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