23/07/11

O Verdadeiro Pasquim, por Peninha

Publico aqui a capa do Jornal de Notícias de 22/7/11 porque se trata de um número histórico. Aparentemente é uma primeira página banalíssima, indistinta de milhares de outras tantas que fazem a imagem de marca deste jornal. Mas se repararem bem, mesmo ao fundo, a letras cinzentas, há uma notícia (?) espantosa. Leram bem, escreve o jn na sua primeira página que: «professor badalhoco aperta o pescoço a funcionária zeloza».

Não li mais, não sei mais nada, mas é espantosa a adjectivação que marca uma autêntica revolução no jornalismo mundial. Possivelmente acabámos de entrar numa nova era. Se a moda pegar, vai ser bonito... Já imaginaram as capas que aí vêm, tipo: «taxista filho da puta insulta cliente cuidadoso» ou «empregado de restaurante mal cheiroso agredido por técnico de contas tinhoso» ou «advogado cabrão atira código civil a juiz ranhoso»... Vai ser lindo, vai, ganda JN.

22/07/11

E Assim se faz Portugal..., por Cácá Metenojo


O Público de ontem noticia que «Cerca de um terço dos deputados da anterior legislatura – 70 dos 230 – tinham também assento em empresas do Estado, muitas vezes com interesses cruzados com os assuntos que defendiam no Parlamento.»

Saúda-se a publicação da notícia que não a própria. Mas é pena que seja incompleta: falta agora publicar a lista desses "senhores" e os decretos lei que aprovaram para ver se houve interesses cruzados. E, se quiserem ir mais ao fundo (ir ao fundo é a imagem certa, neste caso) podiam ainda investigar - não necessariamente o Público, claro - se há participações de familiares de mais «senhores» nas tais empresas, tipo aquela coisa das esposas empresárias e das santas mãezinhas com queda («queda» hehehehe) a negócios e assim...

17/07/11

Hiper realistas avant la letre?, por Manolo

Já da primeira vez que vim ao Thyssen tinha reparado neste Fachada Ocidental de Santa Maria de Utrecht (1662) de Peter Saenredam (1597-1665). Agora vi-o de outra forma: o quadro dá uma impressão semelhante à que anotei em Richard Estes no post anterior de ultrapassagem da realidade pelo seu excesso realista (note-se também a perspectiva geometrizante da realidade comum aos dois pintores).

O contraste entre a compacidade do edifício e a volatilidade do céu, cria um efeito de «realidade irrealista» que é quase onírico. A velha catedral parece reinvindicar uma força ontológica especial, destacando-se pelo seu excesso de substancialidade do céu etéreo envolvente.Talvez as origens do hiper realismo contemporâneo se possam procurar nos pintores flamengos dos séculos XVI-XVII como este Saenredam.

16/07/11

Richard Estes: Alice do Outro Lado do Espelho?, por Chapeleiro Maluco

Os quadros de Richard Estes – o Thyssen tem três, se não estou em erro - causaram-me uma forte impressão. Veja-se este Cabinas Telefónicas de 1967. À primeira vista olha-se para os quadros de Estes e parecem fotos extremamente realistas. Nada que o hiper realismo não tenha já mostrado ao mundo (e por isso Estes aparece geralmente filiado neste movimento juntamente com nomes de referência como Chuck Close) . Mas depois começamos a reparar e nada daquilo é o que parece.

Em primeiro lugar não se trata de fotografias mas de pinturas (embora produzidas frequentemente a partir de fotos). Mas tão realistas que parecem fotos. Mais: reparando melhor estas imagens são demasiado realistas para serem reais, quer dizer, ultrapassam a realidade, criando uma certa aura de irrealidade (daí a importância do trabalho pictórico que se exerce sobre a foto inicial). Aquilo que nos parecera um retrato fiel está afinal demasiado afastado da realidade precisamente pelo seu excesso realista. Ou seja, Estes faz o contrário de movimentos como o impressionismo, o cubismo ou o expressionismo: aqueles subverteram a imagem comum do real mostrando-o de tal maneira que, muitas vezes, temos até dificuldade em discernir se são figurativos; Estes faz o inverso e subverte a realidade pelo seu excesso realista.

Anoto ainda dois tópicos de leitura acerca da obra de Estes – as referências Pop (frequentemente enquadradas por um tratamento geometrizante que contribui para aquele clima geral de criação da tal aura de irrealidade) , a sua valorização do banal e dos objectos de consumo; e a referência permanente no seu trabalho ao tema dos espelhos e das suas imagens desfocadas, cruzadas, ampliadas, invertidas. O pintor americano parece estar mais atento às perspectivas que os espelhos dão das coisas concretas que à contemplação directa dessas mesmas coisas. Como se duvidasse que as coisas fossem mais reais que as suas imagens (des)focadas nos espelhos que estão em toda a parte. Afinal, parecem gritar os quadros de Estes, o que é a realidade? Se nos concentrarmos nas imagens deformadas dos espelhos tudo parece ser tão diferente…

15/07/11

Tratado de Epistemologia Geral, por Private Joke

Muito se aprende numa viagem de longas horas a Madrid: diz o médico que há dois tipos de doenças, as que se curam com laranjas e, quando as laranjas não chegam, as que se curam com laranjas e limões. Fora disso as outras doenças são incuráveis. Responde o advogado: «Olhe que não sôtor, não vá por aí, sôtor!». E eu percebi, finalmente, a suprema inutilidade dos infinitos compêndios da medicina e do direito.

O pic é de um quadro de Michael Andrews, mais uma descoberta na última visita ao Thyssen.

14/07/11

Ainda o Thyssen: o Galo de Chagall, por Pepone

Também descobri este espantoso quadro de Chagall, o Galo. A mulher agarra/monta, o galo enternecidamente – veja-se a cabeça de lado, só de lado percebemos nitidamente tratar-se de um rosto de mulher. A cor vermelha das suas pernas funde-se com o vermelho do galo, numa sugestão de amplexo erótico. O abraço tem qualquer coisa de desesperado, de violento e perigoso para o galo que ainda por cima está a ser montado, isto é, dominado - mas ao mesmo tempo o rosto deitado da mulher sugere ternura. O amor pode ser terno mas ao mesmo tempo ameaçador e perigoso - as cores de Chagall são extremamente fortes, nada é suave neste quadro. Entretanto, ao fundo, vê-se um barco onde um casal está envolvido ou num abraço amoroso ou numa luta violenta, de novo a sugestão da ambiguidade entre a ternura e a violência do amor.

13/07/11

Crónicas de madrid 5, por Pata Negra

Ainda por cima, logo a seguir à Cidade Velha, está uma pintura mais simbolista de Eduard Munch. O quadro, um dos poucos de Munch que se encontram fora da Noruega, chama-se Atardecer. Laura, la hermana del artista (1888) e nele uma rapariga, pintada num primeiro plano deliberadamente exagerado, olha com um ar perdido para lugar nenhum. Ao fundo uma sugestão onírica de encontro. Uma jovem, um casal ao fundo, como o trio comovido diante do quadro de Egon Schiele. Não há dúvida: este bocado do Thyssen é o meu metro e meio preferido de todo o museu!

11/07/11

Crónicas de Madrid 4, por Valderrama

No Thyssen revi como emoção este Cidade Velha de Egon Schiele. Este é um quadro notável. Acho-o profundamente humano e isso não tem só a ver com as suas qualidades intrínsecas. Acontece que o associo a uma cena comovente que uma vez aqui presenciei e que se acrescentou para sempre à minha memória deste quadro.

Foi há uns anos, eu estava sentado a observá-lo e eis que uma jovem e um casal dos seus 60 anos se aproximam. Inicialmente foi a rapariga que ficou a olhar o quadro com uma expressão feliz. Depois fica muito comovida e chama o casal, dizem qualquer coisa numa língua incompreensível e ficam os três durante uns momentos defronte da Cidade Velha de Schiele. Via-se que estavam claramente emocionados. Chegaram a chorar mas foram lágrimas que não me pareceram desesperadas, foi mais uma coisa nostálgica, como quando recordamos alguém, um amigo ou um familiar que perdemos.

Estamos habituados a emocionarmo-nos (até às lágrimas, por vezes) com uma música, um filme ou um romance. Mas não é tão comum que alguém chegue ao pé de um quadro e fique primeiro numa espécie de estado de contentamento que depois se resolve em lágrimas.Ainda hoje não posso ver A Cidade Velha sem me lembrar do poder que esta pintura exerceu sobre aquelas pessoas, quase como se o quadro fosse um reencontro ou uma porta da qual só eles possuíam a chave. É um dos meus preferidos do Thyssen e voltei outra vez a ficar fascinado a olhar para ele e a pensar naquela misteriosa família (os avós e a neta? Porque choravam? Por quem choravam? Porquê diante do quadro de Schiele?).