08/05/08

Agora Deu-me Pá História, por Infante Santos

Foi uma espécie de nostalgia dos tempos em que tive os melhores professores da minha vida: os, coincidentemente, mestres de História, profes Monteiro e Beatriz, dois verdadeiros mitos, dois ícones que ainda hoje são venerados por todos nós, os dinossauros do Tapor. Nem faço ideia se os professores Monteiro e Beatriz ainda se lembram de nós. Mesmo que se lembrem certamente não sonham que ainda falamos deles com o respeito e a admiração que nos merecem aqueles que nos marcam para sempre. Eram os velhos tempos do Dona Maria, eram os tempos em que conversávamos sobre História nos feriados e nos intervalos das aulas.

Mas a História perdeu-se. No país dos ingenheiros com cursos tirados ao Domingo que chegam a primeiro-ministros, a História passou a ser considerada uma disciplina mais ou menos obsoleta. A disciplina perdeu o espaço nobre que tinha nas escolas e nos programas de ensino. Perdeu espaço na Televisão, nos jornais, nos Media em geral. O espaço nobre é agora ocupado por eminências pardas saídas das faculdades de eduquês, de pedagogês e de economês. Falam os Valteres de carapinhas e gravatas garridas... Já não se fala de História, muito menos se discute História. Até o Cavaco (pasme-se!!!) vem refilar porque as novas gerações já não têm memória (surprise!).

É inconcebível que um país com cerca de nove séculos, como o nosso, tenha assassinado desta maneira uma disciplina tão fundamental. Os putos do secundário ignoram profundamente quem foram os nosso reis, os nossos feitos e os nosso defeitos. E lamentam-se, a culpa não é deles que já não dão História de Portugal, uma coisa obscura e pequenina perdida no emaranhado de programas que a reduzem a um capítulo da História Europeia.
Compare-se com os Americanos: os EUA são uma invenção recente. Têm um património histórico incipiente ao pé do nosso, são praticamente bebés... O património histórico americano não passa dos 400 anos, uma parte dos quais entretida a matar índios e a empurrar os nativos para o extermínio. E, contudo, ao contrário de nós, os Americanos conseguiram que todo o mundo falasse da sua história e dos seus heróis. Desde logo fizeram de Colombo, um sanguinário que chacinou sem dó nem piedade os índios da América (não lhe retiro os méritos, mas é o que ele foi, entre outras coisas) um vulto misterioso e grandioso. Criaram uma mitologia à volta da data de 1492, tiveram grandes personagens que não esquecem e chegaram mesmo ao ponto de fazer do deserto um cenário épico. Trasnformaram a sua política de genocídio metódico numa saga gloriosa, fazendo dos bons (os índios que lutaram pela sua terra) os maus e dos maus (os cowboys que invadiram nações alheias) os bons. O cinema - de Ford, de Hawks, dos clásicos - foi peça chave na construção do mito.

Em contrapartida que fizemos nós da nossa fabulosa história - dos tempos da reconquista, de heróis como Gonçalo Mendes da Maia, da luta pela independência face a castela, do Mestre de Avis e de Nuno Álvares Pereira, do extrordinário percurso da Ínclita Geração, do carácter pioneiro e visionário do rei D. João II, o Príncipe Perfeito? Tirando um breve apontamento de Manuel de Oliveira no cinema, não conheço nada de relevante que, nesta área se tenha feito sobre o teenager, Sebastião... Ignoramos completamente o papel de D. António , Prior do Crato um notável resistente ao jugo de Filipe II; pouco sabemos sobre a corte castiça que fugiu de Napoleão para o Brasil... Em suma, excluindo os profissionais do ramo, bem se pode dizer que desprezámos e continuamos a desprezar o nosso riquíssimo património histórico. Tivessem os americanos material deste à sua disposição e estaria o mundo inteiro a ver filmes sobre Bartolomeu Dias e Diogo Cão, sobre D. Afonso Henriques, sobre o Infante D. Pedro. Já um Ford se teria levantado para filmar a história da batalha de Alfarrobeira, de Aljubarrota, do Toro, sei lá que mais.

É, pois, curioso que numa das minhas incursões sobre o século XV - uma das épocas da minha predilecção - me tenha vindo parar às mãos um livro sobre os notáveis acontecimentos que se passam na segunda metade deste século na Península Ibérica. Acontecimentos tão decisivos como o lançamento da Segunda Inquisição em espanha, a expulsão dos Judeus e dos Mouros da Penínsual, o ínicio dos Descobrimentos portugueses na costa Africana e a descoberta da América. Esta é uma época fabulosa em que coe-existem personagens tão fascinasntes como os reis católicos de espanha, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, D. Afonso V de Portugal e seu filho D. João II, o mouro trágico Boabdil, último rei de Granada, o inquisidor-mor Juan de Torquemada, o Judeu Abravanel, o papa Alexandre VI, um dos tristemente célebres Bórgias também ele espanhol de nascimento e, claro, Cristóvão Colombo. O livro que fala de tudo isto numa linguagem acessível para nós, os leigos, chama-se Os Cães de Deus (ed. Bertrand) e, curioso, é da autoria de James Reston Jr, um historiador... Americano!

É o tipo de livro que relança em nós o bichinho da História. É certo que lhe apanhei algumas falhas, algumas iaprecições injustas e despropositadas, alguns comentários falaciosos. Mas não importa. Tem qualidades nas quais devíamos meditar porque se trata de um americano a escrever sobre nós de uma forma que considero aliciante e motivadora. Num país que é um deserto nesta matéria, em que as obras que se publicam têm um insuportável aparato académico, o livro de Reston não pode deixar de ser saudado e meditado. Que no cinema eles, os americanos, nos dêm lições, não é nada de invulgar, mas que até no ramo da história tenha que ser um americano a vir dizer-nos o quanto a nossa história é interessante, dá que pensar.

P.S. Considero que há, porém, uma excepção no panorama da nossa literatura historiográfica: o grande escritor, português de gema, Fernando Campos, autor de, entre outras, obras primas como A Casa do Pó ou A Esmeralda Partida. Campos é excepcional e merece um post pra um dia destes.

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