Os perfumes são um dos produtos mais estranhos da indústria da vaidade. O olfacto é um dos sentidos mais esquecidos no ser humano. Não é que os cheiros não sejam importantes (são-no e muito), mas, por razões que não importa agora adiantar, não temos uma cultura do olfacto e não o educamos, como fazemos, por exemplo, com a visão, o paladar ou a audição.
Uma vez, o Zebu aqui do Tapor, humilhou-nos a todos quando nos fez um teste aparentemente banal que era o de identificar, entre várias amostras, os correspondentes aromas vínicos de baunilha, banana, cacau, compota, couro e mais uns quantos. Tirando o Mister, um verdadeiro nariz de excepção nas provas de vinhos, nenhum de nós acertou em mais que dois perfumes. Sentimo-nos desolados, perdidos para sempre para a nobre prova dos vinhos… Mas no fundo percebemos que a nossa inaptidão é a norma e não a excepção.
É por isso que eu acho que os perfumes são, em grande medida, produtos de marketing, isto é, que os escolhemos muito mais em função da força e da imagem das marcas que estão por detrás deles do que por uma inclinação natural e subjectiva do nosso olfacto. Quando se trata de escolher entre um leitão e um queijo da serra, aí sim, podemos dizer que é o nosso gosto o elemento determinante. Mas quando se trata de um perfume – embora admitindo uma base natural, claro – creio que o que nos leva a decidir é muito mais a imagem associada ao produto, a força da marca, o logo, do que a nossa apetência natural para o aroma citrino em vez do floral.
Movido por esta convicção, comecei a pensar qual a imagem que as diferentes marcas de perfumes procuram associar aos seus produtos. O exercício é interessante. Cheguei à conclusão de que há estratégias muito diferentes. Há de tudo: marcas mais convencionais como a Burberry que vai ao ponto de ter um perfume com a designação de Baby Touch! Límpidas e vitalistas como a Armani com a utilização de um símbolo tão positivo como a água (Acqua), também utilizada pela queque Lacoste (Eau); marcas higienistas como a Bitoherm com os seus Anti Pollution ou Anti Desséchement; nacionalistas como a E. Zegna (o protótipo italiano) e, sobretudo, Tommy Hilfiger, símbolo do espírito americano, a piscar um olho à juventude (a própria designação de Tommy em vez de Tom, só por si, já remete para esses valores).
Mas depois notei que embora a maior parte dos perfumes se afirmem pelas suas imagens específicas vocacionadas para segmentos de mercado bem definidos, há uma espécie de valor transversal que a maior parte procura atingir. De um modo geral, pareceu-me, a associação entre o perfume e a sensualidade ou mesmo a sexualidade, a transgressão, o desvio, são comuns à maior parte das marcas e nalguns casos,constituem mesmo a sua imagem principal. Repare-se na lista:
A Calvin Klein é a que mais assume esta vertente transgressora e sexista. Deixando de lado as fotos (Kate Moss, Kate Moss) e os slogans da marca, basta repararmos apenas nas designações dos produtos CK: Contradiction, Obsession Escape, Euphoria.
Mesmo as marcas mais clássicas com a Yves-Saint Laurent (Ópium, Champagne, os estados alterados, a embriaguez) ou a intemporal Chanel não fogem à regra. O caso da Chanel é interessante: por um lado a marca cultivou, historicamente, designações mais ou menos neutras como nº 5, nº19, Cristalle ou, simplesmente, Coco, o nome da grande mentora da firma. Mas ao mesmo tempo foi obrigada a ultrapassar esta aparente neutralidade. Por isso associou o célebre nº 5 a Marylin Monroe e mais tarde a Catherine Deneuve, simultaneamente bombas sexuais e mulheres sofisticadas. Hoje o 5 ainda é um dos maiores sucessos da Chanel, mas o número já perdeu a sua neutralidade. Foi transfigurado pela sua associação a Marylin, principalmente a ela. A Chanel tentou transformar o 5 num símbolo do erotismo. Há quem diga que conseguiu, principalmente, aqueles gajos que não podem ver o nº 5 sem ficarem excitados ;-)
A lista de perfumes que associaram a sua imagem aos valores do erotismo e da transgressão é imensa e eu não parava mais: Dior - POISON , Eau Sauvage; Hugo Boss - BOSS WOMAN DEEP RED, DARK BLUE; Gaultier – Le Male (jogo fónico, o mal e o macho (Male); Lempicka - LOLITA LEMPICKA ; Escada – Magnetismo; etc, etc, etc.
De facto, a indústria da perfumes é um compêndio do erotismo humano. Resume todas as transgressões, fetiches, pulsões e obsessões da natureza erótica do homem. Apesar do seu carácter etéreo o mundo da indústria dos cheiros é muito mais pensado do que se possa imaginar à primeira. Nenhuma indústria age ao acaso. Muito menos uma tão importante como a indústria da vaidade.
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