Mas então, como ia dizendo, acontece que me vejo de repente com o filme na mão. Olho então para o chão, e começo a desfiar uma ladainha ridícula e cobarde: “Olhe, eu hoje estou com um bocado de dor de cabeça, estou cansado, a vida corre-me mal, sofro de stress pós traumático, o iraque não se democratiza, a vida é dura e então quero levar um filme que não faça pensar muito. O amigo desculpe a desfeita, eu tenho muita pena, não é por mal, mas eu hoje vou levar o Mansão Assombrada III”. O empregado, pesaroso, lá sente obrigação de dizer “ah, sim, é um clássico, sim, sim…”. “Mas qual clássico, qual caralho? É só um filme, seu imbecil!”, penso eu, irritado. Mas lá vou dizendo, com humildade, “pois, desculpe… eu juro que para a próxima levo o Quintal das Cerejeiras em Flor, este grande clássico da filmografia da Letónia”.
Feito o negócio, saio porta fora, a sentir nas costas o olhar desiludido do empregado. Fico então paranóico e imagino-o a ligar para os amigos: “ele hoje levou o Mansão Assombrada III, passa palavra”. Coincidência ou não, no fim-de-semana seguinte vou comprar peixe à praça e a dona Alzira olha-me com o cenho carregado e engana-me no peso do pargo. É claro que como sou boa pessoa, (além de cobardolas) uma vez em cada dez dias levo um filme alternativo. Lá vejo. Mas acontece que na maior parte das vezes quero é levar filmes, não sei como diga isto, de “suspanse”, daqueles que aparecem no Expresso com o seguinte aviso desprezivo: “para quem gosta”. Nem bom, nem mau, mas “para quem gosta”, que os vermes não têm escala de valores.
Mas chegados aqui, atenção para o seguinte: Há os vermes que chegam aos clubes de video e perguntam: “chegou algum bom filme de suspanse?”, como se dissessem “tens hoje aí tintol do bom?”. E vai o empregado à pipa e tira um carrascão espumoso. E há os vermes, como eu, que não perguntam ao empregado porque já levam lista de compras, feita logo ali à porta da loja, com base nos cartazes grandes da montra. Mas não sou um verme todos os dias, é preciso que se note. Por exemplo, no outro dia, por acaso noutro clube de vídeo, vi um filme dos Monthy Python, mesmo junto ao balcão. Passei-me, claro. “Olha, tem aqui Monthy Python?!”. E então aconteceu o inesperado: o empregado revira os olhos e olha-me assim como se tivesse reconhecido um irmão da maçonaria. “Conhece? Você é o primeiro que aparece aqui a falar dos Monty Python! É fã?” Élá… pensei eu… se caio nesta, vou ser obrigado a levar também a trilogia do primo mais velho do Kusturica. Reajo então com grunhice marialva: “Eu? Eu ia precisamente perguntar que raio de título é este com dois ipsilons! Tem cá, cof cof, o Massacre no Texas?” Fiquei bem servido na mesma e no dia seguinte corri para a Worten, comprei os gloriosos malucos e fim da história. Um gajo para ter descanso, às vezes é melhor fazer-se de burro.
Sem comentários:
Enviar um comentário