17/01/11

Génios-Arquitectos, por Borromini

Às vezes os arquitectos são um perigo do caraças! Antes de continuar faço já uma declaração de princípio: não é minha intenção ofender uma classe profissional, há lá de tudo como em qualquer outra profissão, os bons, os maus, os mais ou menos e etc e tal… E dito isto voltemos ao princípio:
Às vezes os arquitectos são um perigo do caraças! Toda a gente conhece projectos de arquitectos que ignoram o mais singelo bom senso e concretizam obras monumentais onde não era necessário mais que um retoque de engenharia. Conheci um indivíduo que pediu a um arquitecto um projecto para, simplesmente, ampliar um quarto lá de casa. Pois bem, o projecto do arquitecto atirava literalmente toda a casa abaixo (ou quase) e fazia passar uma espécie de arco suspenso gigantesco que ia ligar o que restaria à garagem existente do outro lado (a qual também levava uma volta de 180 graus).
E que dizer daquele outro indivíduo que se viu confrontado com um projecto de uma casa inteligente, com jardins suspensos, piscina xpto e sanitas aerodinâmicas (!!!) que lhe ia custar os olhos da cara e que nada tinha a ver com a encomenda inicial?
Mas, enfim, dir-me-ão, estes são casos de arquitectos anónimos que têm os seus momentos de inspiração em que se tomam pelos Sizas, pelos Fosters ou pelos Gehrys. Mas o problema é que não é assim. O problema é que, mesmo os grandes arquitectos, aqueles incontroversos génios que todos reconhecemos, têm também os seus momentos de desvario. E ao contrário de outras profissões, o desvario de um génio-arquitecto (pelo seu efectivo poder transformador) pode ser um verdadeiro perigo. Dou apenas três exemplos retirados do excelente livro do escritor brasileiro Ruy Castro, Rio de Janeiro, Carnaval de Fogo, dedicado à Cidade Maravilhosa.
O autor refere alguns projectos que chegaram a estar agendados para o Rio mas que, felizmente, nunca chegaram a concretizar-se. Em 1929 o grande Le Corbusier trabalhou num novo projecto urbano para a cidade. Uma das suas ideias era a construção de um viaduto suspenso, uma espécie de mega centopeia que escalaria e perfuraria morros e que iria do centro da cidade ao Leblon. Em toda a extensão deste monumental polvo, previa-se a construção de quinze andares de apartamentos com capacidade para 90 mil pessoas, rampas, garagens, elevadores para automóveis e até um hangar para hidroaviões! Comenta Ruy Castro: «Algo para reduzir a Muralha da china a um reles belvedere de pagode». Quem tem o prazer indescritível de presenciar a indescritível paisagem do Rio não consegue deixar de sentir um arrepio na espinha só de pensar nesta tarântula gigantesca a envolver mortalmente os morros da cidade…
Mas até o grande Oscar Niemeyer delirou. O seu projecto para o estádio Maracanã, se tivesse sido levado a cabo, seria um verdadeiro bico de obra. Niemeyer propunha que, para evitar que a torcida tivesse que subir rampas, as bancadas ficassem ao nível da rua e o relvado a uns doze metros de profundidade. Pode imaginar-se um Fla-Flu com cerca de 150 mil espectadores disputado numa panela cavada a 12 metros do chão a uma temperatura de 50 graus. Devia ser bonito! E, como o bairro de Maracanã fica numa zona alagadiça qualquer chuva mais forte provocaria inundações e converter-se-ia num tsunâmi mortal para os frequentadores do relvado, dos balneários e das instalações ao fundo do estádio. Felizmente, apesar dos nomes imortais destes dois grandes arquitectos, nenhum destes projectos foi levado a cabo. Às vezes ganha o bom senso…
Mas as ideias mirabolantes estão longe de serem um exclusivo de arquitectos geniais. Ruy Castro recorda o caso do visconde de Courby um diletante francês das belles lettres que, em 1886, propôs, nem mais nem menos que a demolição do Pão de Açúcar para resolver o problema da falta de ventilação do Centro, provocada, segundo ele, pela entrada estreita da baía de Guanabara! A cidade poderia, enfim, respirar e acabariam os surtos de febre amarela… Não se imagina o Rio sem o Pão de Açúcar e só de pensar nas loucuras a que uma cidade - qualquer uma, mas em especial uma tão esplendorosa como o Rio de Janeiro - está sujeita convencemo-nos facilmente da fragilidade das belezas naturais.
Porque raio é que os homens e, em especial, os grandes arquitectos, hão-de ter esta imorredoira vontade de aperfeiçoar o que a natureza já fez perfeito? Não lhes passa pela cabeça completar com grandes jardins botânicos e obras de arte surpreendentes, a paisagem desolada do Barreiro, de Tunes ou de Nova Deli? Essas sim, precisam da intervenção humana… Mas não podem ver cenários de Xangrilá como o Rio que não lhes dê logo para entrar numa espécie de competição privada com Deus. Às vezes o que nos vale é o senso comum...

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