Este ano passei as minhas férias de barco. Bom, parte delas, pelo menos. Para ser ainda mais preciso, vi um. Se bem que em rigor não possa assegurar que fosse um verdadeiro barco, isto porque nessa altura me encontrava na imensa pradaria do Arkansas. Pensando bem, aquilo que vi ao longe parecia-se mais com um camião com um longo atrelado. Bom, mas o que interessa mesmo é que cumpri um sonho de infância: atravessar a grande nação americana pela mítica Route 66, desde Chicago a Los Angeles. Tudo começou quando cheguei a esse notável país e, sem saber o que fazer, me dirigi ao guichet do American Dream, Inc.: Perdão, acabei de chegar e gostaria de saber o que um homem pode fazer de interessante por aqui. Well, pode comer um Big Mac com cebola e extra queijo, respondeu-me a recepcionista. Não me parece mal, disse eu, mas queria algo ainda mais emocionante, qualquer coisa que me faça sentir mais em casa nesta grande nação. Bom, se preferir, pode optar pelo menu completo, com batata frita, alface, e ainda um boneco do schrek à escolha. Tem também direito a chamar-se Steve durante um período de doze horas, automaticamente prorrogável. Aproveitei, claro. Depois dessa experiência, e como só tinha bilhete de regresso para daí a dez dias, voltei ao guichet e perguntei como deveria ocupar o resto do tempo. Bem Steve, respondeu a moça, agora temos para si este cadillac com mudanças automáticas e chifres no radiador para percorrer a Route 66 que sai de Chicago todos os dias às 15 horas e quarenta minutos. Que mais podia eu querer?. Dirigi-me então a Chicago e anunciei-me. Estávamos à sua espera, Steve, respondeu-me um rapaz de dentes perfeitamente alinhados. Aqui tem o roteiro, um pacote de pronúncias do midwest e uma harmónica programada com cinco melodias tocadas pelo Clint Eastwood, intercaladas com disparos de Smith&Wesson. E lá me meti ao cam inho. Não tinha rodado mais do que setenta milhas, quando me deparo com um marco de estrada que dizia: “Milha 70 da Route 66”. Hhhmmm, que mais me irá acontecer, pensei eu, emocionado. Estive por ali mais um bocado, e segui viagem. Mais setenta milhas decorridas, vejo uma paragem de autocarro, uma mítica paragem de autocarros americanos, que todos conhecem de filmes como Paragem de Autocarro ou Intriga Internacional. Estacionei e vi passar três autocarros. Um quarto autocarro parou e largou um homem magro e alto de suspensórios. Fiquei por ali a vê-lo afastar-se, heróico, até desaparecer no horizonte, como o Tom Joad no Vinhas da Ira. Continuei então a minha peregrinação e trezentas milhas decorridas deparo-me com algumas daquelas peculiares e extremamente cénicas formações de pó e lixo, que podem ser vistas em filmes como Duel o em OK Corral. Passei ali umas boas três horas a vê-las rodopiar com o vento, ao som da minha harmónica. Um pouco mais à frente, encontrei um posto de bombas de gasolina, do género dos que podem ser apreciados em filmes de perseguição automóvel. Encostei por ali e travei com um genuíno velhote, sentado numa genuína caixa de garrafas de coca-cola, o diálogo mais emocionante da minha vida: So… how are you? I,m fine, Steve. You are from out of town, aren’t you? Yes I am, I’m from Portugal! Where the hell is that? Is in Europe! So, where the hell is that? Is in the other side of the ocean! Damn japanese! Emocionado, verti uma lágrima e despedi-me. Ao fim do dia, parei, montei a tenda e fiquei durante toda a noite a ouvir coiotes e cavalos a trotar e cowboys a praguejar e manadas de vacas em direcção a Kansas City. Mas não estou bem certo. Talvez fosse antes o som de buzinas de camião, como as que se ouvem em filmes como O Comboio dos Duros, ou Perseguição na Auto-Estrada. Já de madrugada levantei-me, olhei em volta, e constatei emocionado que o meu carro tinha desaparecido, tal e qual como no…bem, vocês sabem. Definitivamente, estes eram os dias mais felizes da minha vida. Tive de percorrer então a pé as quinhentas e setenta milhas seguintes, seguido por aqueles maravilhosos pássaros, conhecidos por abutres, que povoam a minha imaginação desde que via aos domingos à tarde os filmes do John Wayne. E atingi então o destino, chegando a Los Angeles. Só então me dei conta de que não me tinha aparecido ao caminho um louco homicida a pedir boleia com um machado, um balde de ácido, ou com longas unhas de aço afiado. Oh well, pensei eu conformado, não se pode ter tudo. Agora que estou de volta vou fazer em casa um pequeno museu, com trezentas e cinquenta pontas de flecha usados pelos índios na batalha de Little Big Horn, que me foram vendidos pelo simpático velhinho das b ombas de gasolina, e quinhentas peças de esqueleto de bisonte que fui apanhando pelo caminho. Mas acho que preciso de descansar bastante primeiro. E como foram as vossas férias?
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