John Sanabagana sempre fora uma besta estúpida. Estamos em meados do século XIX mas a infância do estupor decorreu por inícios do mesmo século, em Boston, Machachucha, mais precisamente no matadouro do tio, ao fundo à esquerda da sebosa Downbythewaterfront Street. John cresceu órfão de pai e mãe e delirava com o abate do gado. Ao fim do dia divertia-se a escorregar pelo chão do matadouro, como quem patina, nas grandes poças de sangue das vacas e dos bois massacrados. Na escola fugia ao recreio para ir ver esfaquear animais de grande porte. Quando cresceu, depois de uma irregular carreira no negócio dos abates (a força física e o entusiasmo pela morte violenta dos animais não chegavam para compensar a inaptidão completa para gerir negócios ou outra coisa qualquer) e depois de estripar pela enésima vez um marinheiro nas docas da cidade numa noite de borracheira, John Sanabagana fugiu. Nos matadouros de Boston corria o boato que fugira para o West, tese credível na medida em que toda a gente em Boston naquela altura fugia nessa direcção sem lei, onde John poderia expressar livremente as suas potencialidades destrutivas construindo algo.
O John cresceu mais um bom bocado, e encontramo-lo finalmente em meados do século XIX, onde estamos. É onde vemos, afinal, Big John Sanabagana, grande rancheiro do Arizona, dono e senhor de um quarto do Estado (uma carrada de estádios de futebol) e das respectivas cabeças, de gado ou outras. A ascensão de John a Big não foi fulgurante. Nada disso, foi árdua, violenta e lenta. Épica! O John precisou de suar suor e sangue, dos outros, às golfadas, até chegar ao poder em que o encontramos em meados do tal século. Índios, outros sanabaganas, pretos, amarelos, mineiros, engenheiros dos caminhos de ferro, pastores luteranos, senhoras da Avon, mais índios, juízes, cobras, carteiros, xérifes, prostitutas, tatus, mulheres em geral, homens em geral, etc., etc., etc. Quase todos ali naquela parte do velho west dos states sentiram o fio aguçado da famigerada e grande faca de matar porcos de John, homem de aço e não de chumbo, zás-tum-tunga, mestre da naifa, zum… Foi longa e árdua a gesta do carniceiro de Boston. Big John Sanabanaga. The man.
Já soberanamente instalado no Big Ranch, em meados, John contemplava o seu império agro-pecuário. De pé no alpendre da enorme vivenda, o fazendeiro impiedoso e ignorante coça os tomates. Dá dois passos para a frente, escarra no chão do alpendre e diz para o xerife, que parecia esperar alguma coisa, humilde, de chapéu torcido à frente dos genitais, na poeira do acesso ao alpendre, dois metros abaixo do John:
- Hoje não quero conversa, nem boa tarde nem o caralho, nem quero olhar para ti que metes nojo. Amanhã de manhã vais ao Hotel da outra puta, da tua amiga, e metes um tiro nos cornos ao palhaço. À hora de almoço vens aqui dizer assim: está feito, senhor Big John Sanabagana, obrigado. Baza
Big John escarrou outra vez, desta vez na direcção do xerife, e assobiou com dois grossos e sebentos dedos de cada mão entalados nos lábios, soando com a potência de um sirene. Como que nascendo da terra, dos mais variados pontos do rancho, cerca de duas dezenas de cães grandes e feios como os trovões começaram a correr e a ladrar como demónios na direcção do dono odioso. O xerife entrou no carro em pânico e só voltou no dia seguinte, pela hora de almoço. Onze da manhã pelo horário de Big John. O palhaço morreu às sete da manhã. Morreu muito cedo porque o xerife estava ansioso por agradar ao aborto do rancheiro. Foi fácil, o palhaço não ofereceu resistência porque estava a dormir. Depois foi só uma questão de esperar pela hora de almoço indicada. No velho West, no entanto, os verdadeiros pioneiros sabiam ser pacientes quando era preciso.
- Está feito, senhor Big John Sanabagana, obrigado.
- Agora vai-te foder.
- Obrigado, senhor.
- Não, estúpido do caralho, estava a gozar contigo. Anda cá p’ró pé de mim, aqui juntinho ao meu ombro, anda cá, dá cá o teu ouvidinho, dá cá. Agora, quero que deixes o cabrão do palhaço morto estendido ao sol, uns tempitos, tipo um dia, depois cortas-lhe a piça e vais levá-la à puta da Laurinda, que há-de estar em casa dela. Embrulhas num paninho, entregas em mão e dizes só que vai da minha parte. Xô, andor daqui para fora, senão chamo os cães.
- Obrigado.
- Vai-te foder meu… ai os tomates... Rosnou Big John Sanabagana entre dentes, como quem chama por cães.
A Laurinda era a corista principal do saloon e compreensivelmente não gostou da prenda de Big John. Mesmo no antigo West há limites. Nem um palhaço merece tal sorte. Principalmente um palhaço que é pai. Mas sobretudo um palhaço que é nosso pai. O palhaço era, pois, pai da Laurinda, que fervia de ódio, qual Mercedes McCambridge. Olhando para a bolsa aberta, a corista fez umas contas de cabeça e gritou:
- Óh Silva!
Solicito, o Silva correu para junto da senhora.
- Diga, minha senhora. Disse o Silva, que era o idiota da aldeia.
- Olha, dou-te o dinheiro todo que tenho na carteira e faço-te um bóbó se me fizeres um favor.
- É para já, minha senhora.
- Vais lá acima ao Big Ranch e dás um tiro nos cornos ao Big John.
- Precisa para agora?
- Se puder ser.
- Vou ver o que é que posso fazer. Acho que tinha um servicito para as três, deixe cá ver no filo-fax… não, foi desmarcado. Pronto. Sendo assim estamos combinados. Até já… E o bóbó, como é, venho cá logo à noite a sua casa, vai lá à barraca, como é que é?
- Vens aqui ter.
- Está bem. E uma garrafita de tinto?
Silva nem sempre foi o idiota da aldeia. Ou melhor, sempre fora idiota e sempre fora da aldeia, mas não fora, de longe, O idiota da aldeia, The Number One. O português chegou, começou um negócio de cortumes, espalhou-se, concorreu a xérife, ganhou, veio o John e meteu-o no olho da rua porque naquele dia esquecera-se da faca de matar porcos na vivenda. O Silva nunca mais pensou no assunto e meteu-se nos copos e a fazer biscates às putas e às coristas. Hoje, em meados do século XIX, o Silva de Fornos de Algodres vai roto, bêbado e aos esses por uma vereda do Arizona. Ao chegar aos degraus do alpendre da vivenda do infame Big John Sanabagana, o Silva pára e diz.
- Olhe faz favor, mandaram-me dar-lhe um tiro nos cornos.
Big John Sanabagana nem tugiu nem mugiu porque dormia sentado no banco do alpendre quando levou com os chumbos grossos no meio da testa e ficou sem metade da cabeça, e um buraco enorme na parede da vivenda. Só então os cães despertaram do estupor da torreira, para fugir com o susto do balázio da caçadeira de canos serrados do imbecil do Silva.
À noite, Mary-Lou Laurinda, cuja avó paterna era natural da Ilha Terceira, fez o bóbó ao estúpido do Silva, que deixou de beber e voltou a apostar no negócio dos cortumes. Idiota crónico, espalhou-se. É outra vez xérife e correu com a Laurinda, que dava mau nome à aldeia.
O John cresceu mais um bom bocado, e encontramo-lo finalmente em meados do século XIX, onde estamos. É onde vemos, afinal, Big John Sanabagana, grande rancheiro do Arizona, dono e senhor de um quarto do Estado (uma carrada de estádios de futebol) e das respectivas cabeças, de gado ou outras. A ascensão de John a Big não foi fulgurante. Nada disso, foi árdua, violenta e lenta. Épica! O John precisou de suar suor e sangue, dos outros, às golfadas, até chegar ao poder em que o encontramos em meados do tal século. Índios, outros sanabaganas, pretos, amarelos, mineiros, engenheiros dos caminhos de ferro, pastores luteranos, senhoras da Avon, mais índios, juízes, cobras, carteiros, xérifes, prostitutas, tatus, mulheres em geral, homens em geral, etc., etc., etc. Quase todos ali naquela parte do velho west dos states sentiram o fio aguçado da famigerada e grande faca de matar porcos de John, homem de aço e não de chumbo, zás-tum-tunga, mestre da naifa, zum… Foi longa e árdua a gesta do carniceiro de Boston. Big John Sanabanaga. The man.
Já soberanamente instalado no Big Ranch, em meados, John contemplava o seu império agro-pecuário. De pé no alpendre da enorme vivenda, o fazendeiro impiedoso e ignorante coça os tomates. Dá dois passos para a frente, escarra no chão do alpendre e diz para o xerife, que parecia esperar alguma coisa, humilde, de chapéu torcido à frente dos genitais, na poeira do acesso ao alpendre, dois metros abaixo do John:
- Hoje não quero conversa, nem boa tarde nem o caralho, nem quero olhar para ti que metes nojo. Amanhã de manhã vais ao Hotel da outra puta, da tua amiga, e metes um tiro nos cornos ao palhaço. À hora de almoço vens aqui dizer assim: está feito, senhor Big John Sanabagana, obrigado. Baza
Big John escarrou outra vez, desta vez na direcção do xerife, e assobiou com dois grossos e sebentos dedos de cada mão entalados nos lábios, soando com a potência de um sirene. Como que nascendo da terra, dos mais variados pontos do rancho, cerca de duas dezenas de cães grandes e feios como os trovões começaram a correr e a ladrar como demónios na direcção do dono odioso. O xerife entrou no carro em pânico e só voltou no dia seguinte, pela hora de almoço. Onze da manhã pelo horário de Big John. O palhaço morreu às sete da manhã. Morreu muito cedo porque o xerife estava ansioso por agradar ao aborto do rancheiro. Foi fácil, o palhaço não ofereceu resistência porque estava a dormir. Depois foi só uma questão de esperar pela hora de almoço indicada. No velho West, no entanto, os verdadeiros pioneiros sabiam ser pacientes quando era preciso.
- Está feito, senhor Big John Sanabagana, obrigado.
- Agora vai-te foder.
- Obrigado, senhor.
- Não, estúpido do caralho, estava a gozar contigo. Anda cá p’ró pé de mim, aqui juntinho ao meu ombro, anda cá, dá cá o teu ouvidinho, dá cá. Agora, quero que deixes o cabrão do palhaço morto estendido ao sol, uns tempitos, tipo um dia, depois cortas-lhe a piça e vais levá-la à puta da Laurinda, que há-de estar em casa dela. Embrulhas num paninho, entregas em mão e dizes só que vai da minha parte. Xô, andor daqui para fora, senão chamo os cães.
- Obrigado.
- Vai-te foder meu… ai os tomates... Rosnou Big John Sanabagana entre dentes, como quem chama por cães.
A Laurinda era a corista principal do saloon e compreensivelmente não gostou da prenda de Big John. Mesmo no antigo West há limites. Nem um palhaço merece tal sorte. Principalmente um palhaço que é pai. Mas sobretudo um palhaço que é nosso pai. O palhaço era, pois, pai da Laurinda, que fervia de ódio, qual Mercedes McCambridge. Olhando para a bolsa aberta, a corista fez umas contas de cabeça e gritou:
- Óh Silva!
Solicito, o Silva correu para junto da senhora.
- Diga, minha senhora. Disse o Silva, que era o idiota da aldeia.
- Olha, dou-te o dinheiro todo que tenho na carteira e faço-te um bóbó se me fizeres um favor.
- É para já, minha senhora.
- Vais lá acima ao Big Ranch e dás um tiro nos cornos ao Big John.
- Precisa para agora?
- Se puder ser.
- Vou ver o que é que posso fazer. Acho que tinha um servicito para as três, deixe cá ver no filo-fax… não, foi desmarcado. Pronto. Sendo assim estamos combinados. Até já… E o bóbó, como é, venho cá logo à noite a sua casa, vai lá à barraca, como é que é?
- Vens aqui ter.
- Está bem. E uma garrafita de tinto?
Silva nem sempre foi o idiota da aldeia. Ou melhor, sempre fora idiota e sempre fora da aldeia, mas não fora, de longe, O idiota da aldeia, The Number One. O português chegou, começou um negócio de cortumes, espalhou-se, concorreu a xérife, ganhou, veio o John e meteu-o no olho da rua porque naquele dia esquecera-se da faca de matar porcos na vivenda. O Silva nunca mais pensou no assunto e meteu-se nos copos e a fazer biscates às putas e às coristas. Hoje, em meados do século XIX, o Silva de Fornos de Algodres vai roto, bêbado e aos esses por uma vereda do Arizona. Ao chegar aos degraus do alpendre da vivenda do infame Big John Sanabagana, o Silva pára e diz.
- Olhe faz favor, mandaram-me dar-lhe um tiro nos cornos.
Big John Sanabagana nem tugiu nem mugiu porque dormia sentado no banco do alpendre quando levou com os chumbos grossos no meio da testa e ficou sem metade da cabeça, e um buraco enorme na parede da vivenda. Só então os cães despertaram do estupor da torreira, para fugir com o susto do balázio da caçadeira de canos serrados do imbecil do Silva.
À noite, Mary-Lou Laurinda, cuja avó paterna era natural da Ilha Terceira, fez o bóbó ao estúpido do Silva, que deixou de beber e voltou a apostar no negócio dos cortumes. Idiota crónico, espalhou-se. É outra vez xérife e correu com a Laurinda, que dava mau nome à aldeia.
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