O ministro das Finanças, Bagão Félix, nunca deixa de me atrair a atenção. Não só pelo que diz como pela curiosa mistura que o rosto e a expressão argamassam: sob um olhar jesuíta, aquele nariz semita e aquela fina boca de canivete. Tudo na figura dele me acorda para o mau pesadelo de Salazar. Nas mãos, em vez da papeleta do discurso ou da caderneta de poupança, adivinha-se-lhe um rosário. Na lapela, quase lobrigo um alfinete de ouro com a águia da Luz. Nunca estive perto do senhor, mas não me é difícil adivinhar que dele emanará uma fragrância mista de bolacha e água benta. Em seu gabinete, é natural que pondere entre madeiras escuras, numa meia-luz de sacrário que imporá aos assessores um silêncio de martírio tranquilo. Mas, enfim, nada isto é importante. Importante é o que sofremos por causa de o Governo ser constituído por figuras destas.
Quando gizou o novo Código Laboral, deve ter-se benzido: afinal, quem o sofre é quase tudo cristãos. Apreciei o ar de pardal repugnado com que esvoaçou, apesar de tudo incólume, entre a revoada triste do processo da Casa P(edofil)ia. Mas não gostei que lhe tivesse faltado a dignidade mínima de fazer o que Manuela Ferreira Leite fez: virar as costas a Santana e ir trabalhar, que é o que ele gosta de nos mandar fazer depois de nos condenar ao desemprego.
Agora empossado nas Finanças, apareceu na televisão com aquele ar entre o seráfico e o mefistotélico, aspergindo-nos com os perdigotos de extrema-unção das contas públicas. Que o Estado não tem cheta, diz ele (como se o Estado não fôssemos nós). Que o défice público vai deixar de ser uma obsessão (afinal, era uma obsessão, Manuela). Que vai haver crescimento (de número de assessores, suponho, não exactamente do PIB). Que o tabaco vai aumentar (deve aumentar os mesmo cêntimos que as pensões e os salários).
Acontece que eu acredito que o ministro acredite naquilo que diz. Eu é que não acredito. Não acredito, pronto. Falta-me a fé(lix). E ando sem bago, quanto mais bagão.
Com os anos, uma espécie de ateísmo político emaranha-se-me no optimismo, tornando-me incréu. Incréu e azedo.
Depois, penso com amargura nas pessoas que deram o corpo e a alma ao manifesto para que um dia este País proporcionasse trabalho aos cidadãos livres de o procurar. Educação para todos, idem. Saúde, habitação, justiça, essas coisas, ibidem. Mas não. Portugal descola-se cada vez mais dos campos, onde uma população inculta amanha a couve à espera que o filho venha do Luxemburgo em Agosto. As fábricas declaram falências não raro fraudulentas. Os mais abastados fogem ao fisco como o Diabo da Cruz, mas ninguém os obriga a prestar contas. Impostos e duplas tributações, que as paguem os raros empregados do comércio, os vendedores, os professores, os electricistas, os sérios, enfim.
O senhor ministro não concordará nada comigo, naturalmente. Por isso será ministro. Mas não do meu país, saiba o senhor. O meu país é outro, embora os meus impostos sejam deste. O meu país é o de Ruy Belo, que o senhor desconhecerá. Ruy Belo disse: “Portugal não é pátria mas país”. Ponha lá mais esta no rosário, senhor ministro.
Quando gizou o novo Código Laboral, deve ter-se benzido: afinal, quem o sofre é quase tudo cristãos. Apreciei o ar de pardal repugnado com que esvoaçou, apesar de tudo incólume, entre a revoada triste do processo da Casa P(edofil)ia. Mas não gostei que lhe tivesse faltado a dignidade mínima de fazer o que Manuela Ferreira Leite fez: virar as costas a Santana e ir trabalhar, que é o que ele gosta de nos mandar fazer depois de nos condenar ao desemprego.
Agora empossado nas Finanças, apareceu na televisão com aquele ar entre o seráfico e o mefistotélico, aspergindo-nos com os perdigotos de extrema-unção das contas públicas. Que o Estado não tem cheta, diz ele (como se o Estado não fôssemos nós). Que o défice público vai deixar de ser uma obsessão (afinal, era uma obsessão, Manuela). Que vai haver crescimento (de número de assessores, suponho, não exactamente do PIB). Que o tabaco vai aumentar (deve aumentar os mesmo cêntimos que as pensões e os salários).
Acontece que eu acredito que o ministro acredite naquilo que diz. Eu é que não acredito. Não acredito, pronto. Falta-me a fé(lix). E ando sem bago, quanto mais bagão.
Com os anos, uma espécie de ateísmo político emaranha-se-me no optimismo, tornando-me incréu. Incréu e azedo.
Depois, penso com amargura nas pessoas que deram o corpo e a alma ao manifesto para que um dia este País proporcionasse trabalho aos cidadãos livres de o procurar. Educação para todos, idem. Saúde, habitação, justiça, essas coisas, ibidem. Mas não. Portugal descola-se cada vez mais dos campos, onde uma população inculta amanha a couve à espera que o filho venha do Luxemburgo em Agosto. As fábricas declaram falências não raro fraudulentas. Os mais abastados fogem ao fisco como o Diabo da Cruz, mas ninguém os obriga a prestar contas. Impostos e duplas tributações, que as paguem os raros empregados do comércio, os vendedores, os professores, os electricistas, os sérios, enfim.
O senhor ministro não concordará nada comigo, naturalmente. Por isso será ministro. Mas não do meu país, saiba o senhor. O meu país é outro, embora os meus impostos sejam deste. O meu país é o de Ruy Belo, que o senhor desconhecerá. Ruy Belo disse: “Portugal não é pátria mas país”. Ponha lá mais esta no rosário, senhor ministro.
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