Ponto de ordem: a morte do futebolista húngaro é obviamente uma tragédia e um choque profundo a que ninguém fica indiferente. Como foi a morte de Vivien Foe ou de Pavão em 1973… De resto, faz hoje, precisamente um mês, que um terrível terramoto matou 40 000 pessoas na cidade iraniana de Bam. Nenhum destes eventos me/nos abalou tanto como a trágico fim do futebolista do Benfica…
Então o que faz parecer a tragédia de Feher ainda mais colossal que qualquer outra (se é que podemos medir o tamanho da tragédia pelo número de vítimas)? Porque é que eu hoje não dormi? Porque é que acordei com o nome de Feher a matraquear-me os sonhos e uma lágrima no canto do olho a querer explodir?
A tragédia de Feher tornou-se, de certo modo, a minha, na medida em que a vi a directo. A morte dele, entrou-me pela casa dentro, em tempo real, perturbou-me a calma segurança do sofá. Eu e todos aqueles que assistíamos ao Guimarães/Benfica fomos testemunhas de uma morte real. Não era ficção! Por isso a tragédia do jogador húngaro tornou-se a minha e dos meus filhos que comigo viam o jogo. Eu – e eles! – nunca mais vamos esquecer aquelas imagens.
São os riscos da «sociedade em directo» em que vivemos. Pavão é para mim um nome abstracto na medida em que dele só soube a sua morte em diferido em notícias e artigos de jornal. A sua tragédia foi uma tragédia privada, mais privada pelo menos, apenas para as 20 000 pessoas que nesse dia foram às Antas. Bam são imagens de um sítio longínquo. Em todos esses casos houve mediação – no tempo e no modo - entre mim e os factos. Agora faltou essa mediação; o que houve foi mediatização. E eu e todos os que assistíamos ao jogo fomos apanhados de surpresa, atingidos por uma enorme bomba nuclear em cheio na cabeça e na alma desprotegidas.
A imagem de Feher é ainda impressionante, para mim, porque representa a fragilidade incrível da nossa vida. Feher era um guerreiro, um herói de uma espécie determinada nos campos de futebol, um Gladiador – não era um jogador técnico nem um malabarista; era a imagem da força, da potência, da raça e da juventude. Feher era um Guerreiro. Camacho lança-o naquele jogo – depois de não sair do banco nas três ou quatro jornadas anteriores – por saber isso: que num jogo que decorre num lamaçal, sob as bátegas de um temporal, só um gladiador poderoso poderia levar a tarefa a bom termo. Feher está na jogada do golo do Benfica – cumpriu a sua missão e gozava o estatuto merecido do Herói. Nota-se a sua felicidade em campo…
No cartão amarelo que antecede a sua morte, Feher, sorri para o árbitro. E num segundo, o herói, o Gladiador Indestrutível – ainda por cima aureolado com a camisola mística do Benfica – cai por terra. Num ápice. Passa de um sorriso eterno de Vencedor à condição finita e mortal. Somos assim tão frágeis? Até os heróis acabam num repente? Podemos morrer desta maneira, num segundo, numa ridícula fracção de segundo, sem motivo, no auge da glória?
Ao contrário das primeiras páginas de choque da maioria dos nossos jornais- mesmo da imprensa «séria» - e das imagens techno das nossas televisões que nos matraqueiam com o horror da repetição e do pormenor insuportáveis, o jornal A Bola, fez uma das poucas primeiras páginas ainda possíveis de fazer para nos devolver a ilusória imagem da imortalidade e indestrutibilidade do Guerreiro: a foto do último sorriso de Miklos Feher. Hoje, como sempre, eu comprei A Bola. E, por breves instantes, o sorriso de Feher, no segundo anterior à sua morte deu-me um pouco – muito pouco! – de alento. Para ele não deve ter sido assim tão terrível!
Le Vice
Então o que faz parecer a tragédia de Feher ainda mais colossal que qualquer outra (se é que podemos medir o tamanho da tragédia pelo número de vítimas)? Porque é que eu hoje não dormi? Porque é que acordei com o nome de Feher a matraquear-me os sonhos e uma lágrima no canto do olho a querer explodir?
A tragédia de Feher tornou-se, de certo modo, a minha, na medida em que a vi a directo. A morte dele, entrou-me pela casa dentro, em tempo real, perturbou-me a calma segurança do sofá. Eu e todos aqueles que assistíamos ao Guimarães/Benfica fomos testemunhas de uma morte real. Não era ficção! Por isso a tragédia do jogador húngaro tornou-se a minha e dos meus filhos que comigo viam o jogo. Eu – e eles! – nunca mais vamos esquecer aquelas imagens.
São os riscos da «sociedade em directo» em que vivemos. Pavão é para mim um nome abstracto na medida em que dele só soube a sua morte em diferido em notícias e artigos de jornal. A sua tragédia foi uma tragédia privada, mais privada pelo menos, apenas para as 20 000 pessoas que nesse dia foram às Antas. Bam são imagens de um sítio longínquo. Em todos esses casos houve mediação – no tempo e no modo - entre mim e os factos. Agora faltou essa mediação; o que houve foi mediatização. E eu e todos os que assistíamos ao jogo fomos apanhados de surpresa, atingidos por uma enorme bomba nuclear em cheio na cabeça e na alma desprotegidas.
A imagem de Feher é ainda impressionante, para mim, porque representa a fragilidade incrível da nossa vida. Feher era um guerreiro, um herói de uma espécie determinada nos campos de futebol, um Gladiador – não era um jogador técnico nem um malabarista; era a imagem da força, da potência, da raça e da juventude. Feher era um Guerreiro. Camacho lança-o naquele jogo – depois de não sair do banco nas três ou quatro jornadas anteriores – por saber isso: que num jogo que decorre num lamaçal, sob as bátegas de um temporal, só um gladiador poderoso poderia levar a tarefa a bom termo. Feher está na jogada do golo do Benfica – cumpriu a sua missão e gozava o estatuto merecido do Herói. Nota-se a sua felicidade em campo…
No cartão amarelo que antecede a sua morte, Feher, sorri para o árbitro. E num segundo, o herói, o Gladiador Indestrutível – ainda por cima aureolado com a camisola mística do Benfica – cai por terra. Num ápice. Passa de um sorriso eterno de Vencedor à condição finita e mortal. Somos assim tão frágeis? Até os heróis acabam num repente? Podemos morrer desta maneira, num segundo, numa ridícula fracção de segundo, sem motivo, no auge da glória?
Ao contrário das primeiras páginas de choque da maioria dos nossos jornais- mesmo da imprensa «séria» - e das imagens techno das nossas televisões que nos matraqueiam com o horror da repetição e do pormenor insuportáveis, o jornal A Bola, fez uma das poucas primeiras páginas ainda possíveis de fazer para nos devolver a ilusória imagem da imortalidade e indestrutibilidade do Guerreiro: a foto do último sorriso de Miklos Feher. Hoje, como sempre, eu comprei A Bola. E, por breves instantes, o sorriso de Feher, no segundo anterior à sua morte deu-me um pouco – muito pouco! – de alento. Para ele não deve ter sido assim tão terrível!
Le Vice
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