No mês de Fevereiro de 2003 realizava-se a segunda grande batalha inter confrarias de prova de vinhos entre a Esseponto e os Invinófilos. Como os gajos eram e ainda são mais novos que nós, havia que criar alguma distância e suscitar algum respeito. O Vice da Esseponto ficou encarregado dessa incumbência. E na altura escreveu assim:
Vocês são jovens ainda. Deviam ter uns míseros 16 ou 17 anos quando o Bush pai fez a primeira guerra do golfo, e idades aproximadas, quando os Smashing Pumpkins editaram o Siamese Dream. A Madonna tinha lançado o Hollydays há
pouco tempo e o John Lennon tinha morrido recentemente. Vcs devem ser do tempo em que os Rolling Stones ainda só estavam na 276ª digressão - já então a última!.Quando tinham menos uns 5 anitos ainda havia o muro de Berlim e o joão césar monteiro nem sonhava em fazer a Branca de Neve mais preta da história. Branca de Neve sempre foi, para vocês, um conto de fadas… Em suma, dito de um modo muito cru, vocês eram uns míseros vermes imberbes. Pronto já disse!
Nós não - nós somos do tempo dos telefones fixos, daqueles pretos ainda. Do tempo em que ainda havia paraísos no Algarve e o Sacas era uma tasca de pescadores que apanhavam as moreias e as traziam quase vivas para as mesas.
Nós somos do tempo em que nem se falava de computadores, quanto mais de internet. PC era um partido político e Mackintosh um grande arquitecto escocês. A TV só tinha dois canais e o Público nem sequer existia. Belmiro de Azevedo era nome de merceeiro e dumping uma espécie de camião pesado de competição. Vimos o Live Aid em directo e o Ron Wood a gravar o primeiro disco com os Stones. A Barbara Streisand era a gaja mais gira do mundo. O Sábio - que é o nosso ancião - ainda jogava futebol e na altura o Vítor Baptista era uma vedeta do Benfica e o Borg o melhor jogador de ténis do universo. O nosso Contra Grão ainda era só da académica e nem ligava ao FCP. Nós ainda nos lembramos de ver o primeiro homem na lua a dizer a célebre frase "Good Luck Mr. Grosny!"... Ainda sentimos arrepios quando recordamos a primeira vez que vimos o 2001 Odisseia no Espaço no cinema. E alguns de nós, como o Grão (que é um falso duro), choraram com o ET e foram vê-lo 10 e mais vezes. Ainda nos enganámos com o sistema beta e resmungámos com o VHS.O Sadam Husssein ainda era bom e os iranianos é que eram os maus. O Carter era o presidente da América e o Sá Carneiro ainda namorava aquela linda senhora sueca. O Carlos cruz ainda era apresentador da TV e sabíamos lá mais o quê...
Mas acima de tudo, e é por isso que vos escrevo, somos do tempo do vinil. O vinil é um ícone da nossa geração. Eu ia para o liceu com a mochila dos livros aos ombros e sacos de plástico cheios de vinil nas mãos, para trocar com o Flanelas que era fanático do Jim Morrison e haveria de visitar o Pére Lachaise uns anos mais tarde. Ficava furioso quando me davam pontapés no vinil! Só muito depois vieram os Cds. Agora temos muito vinil, cheio de pó que nunca mais ouvimos. Temos a nostalgia do vinil, daquele som fanhoso, dos srrkkks da electricidade estática e dos riscos incontornáveis. O vinil somos nós.
Por isso criámos o sagrado ritual de recordar vinil nas noites do Bolho, a nossa catedral, espaço enfeitiçado e à prova de maus fígados. Claro que não é qualquer mão que pode aproximar-se da vitrola do Bolho. A vitrola é uma coisa sagrada, uma espécie de altar de sacríficios dos Aztecas. Só eu, o Sacerdote Magno, o Grande Feiticeiro, o Vice Para os Assuntos Ideológicos, posso meter discos naquela vitrola. Mas se vocês tiverem, por acaso algum vinil - dos vossos pais, claro - que queiram levar, podem fazê-lo. Não prometo que consigam ouvir alguma coisa do que levarem - os meus critérios são apertados. Mas podem tentar. Não custa nada e aumenta o leque de escolha. Vocês têm coisas apresentáveis na área da MPB, por exemplo. E talvez umas coisas antigas dos Smiths. Levem vinil. Pode ser que algum consiga passar o crivo apertado do Controlo Estético e Ideológico. Como vão perder, certamente, na prova dos vinhos, sempre era uma consolação, que uma das vossas músicas se ouvisse...
Vaice
(Este texto foi escrito antes da Guerra do Iraque e, por isso, eu ainda assinava Vaice e não Le Vice, como desde então)
Vocês são jovens ainda. Deviam ter uns míseros 16 ou 17 anos quando o Bush pai fez a primeira guerra do golfo, e idades aproximadas, quando os Smashing Pumpkins editaram o Siamese Dream. A Madonna tinha lançado o Hollydays há
pouco tempo e o John Lennon tinha morrido recentemente. Vcs devem ser do tempo em que os Rolling Stones ainda só estavam na 276ª digressão - já então a última!.Quando tinham menos uns 5 anitos ainda havia o muro de Berlim e o joão césar monteiro nem sonhava em fazer a Branca de Neve mais preta da história. Branca de Neve sempre foi, para vocês, um conto de fadas… Em suma, dito de um modo muito cru, vocês eram uns míseros vermes imberbes. Pronto já disse!
Nós não - nós somos do tempo dos telefones fixos, daqueles pretos ainda. Do tempo em que ainda havia paraísos no Algarve e o Sacas era uma tasca de pescadores que apanhavam as moreias e as traziam quase vivas para as mesas.
Nós somos do tempo em que nem se falava de computadores, quanto mais de internet. PC era um partido político e Mackintosh um grande arquitecto escocês. A TV só tinha dois canais e o Público nem sequer existia. Belmiro de Azevedo era nome de merceeiro e dumping uma espécie de camião pesado de competição. Vimos o Live Aid em directo e o Ron Wood a gravar o primeiro disco com os Stones. A Barbara Streisand era a gaja mais gira do mundo. O Sábio - que é o nosso ancião - ainda jogava futebol e na altura o Vítor Baptista era uma vedeta do Benfica e o Borg o melhor jogador de ténis do universo. O nosso Contra Grão ainda era só da académica e nem ligava ao FCP. Nós ainda nos lembramos de ver o primeiro homem na lua a dizer a célebre frase "Good Luck Mr. Grosny!"... Ainda sentimos arrepios quando recordamos a primeira vez que vimos o 2001 Odisseia no Espaço no cinema. E alguns de nós, como o Grão (que é um falso duro), choraram com o ET e foram vê-lo 10 e mais vezes. Ainda nos enganámos com o sistema beta e resmungámos com o VHS.O Sadam Husssein ainda era bom e os iranianos é que eram os maus. O Carter era o presidente da América e o Sá Carneiro ainda namorava aquela linda senhora sueca. O Carlos cruz ainda era apresentador da TV e sabíamos lá mais o quê...
Mas acima de tudo, e é por isso que vos escrevo, somos do tempo do vinil. O vinil é um ícone da nossa geração. Eu ia para o liceu com a mochila dos livros aos ombros e sacos de plástico cheios de vinil nas mãos, para trocar com o Flanelas que era fanático do Jim Morrison e haveria de visitar o Pére Lachaise uns anos mais tarde. Ficava furioso quando me davam pontapés no vinil! Só muito depois vieram os Cds. Agora temos muito vinil, cheio de pó que nunca mais ouvimos. Temos a nostalgia do vinil, daquele som fanhoso, dos srrkkks da electricidade estática e dos riscos incontornáveis. O vinil somos nós.
Por isso criámos o sagrado ritual de recordar vinil nas noites do Bolho, a nossa catedral, espaço enfeitiçado e à prova de maus fígados. Claro que não é qualquer mão que pode aproximar-se da vitrola do Bolho. A vitrola é uma coisa sagrada, uma espécie de altar de sacríficios dos Aztecas. Só eu, o Sacerdote Magno, o Grande Feiticeiro, o Vice Para os Assuntos Ideológicos, posso meter discos naquela vitrola. Mas se vocês tiverem, por acaso algum vinil - dos vossos pais, claro - que queiram levar, podem fazê-lo. Não prometo que consigam ouvir alguma coisa do que levarem - os meus critérios são apertados. Mas podem tentar. Não custa nada e aumenta o leque de escolha. Vocês têm coisas apresentáveis na área da MPB, por exemplo. E talvez umas coisas antigas dos Smiths. Levem vinil. Pode ser que algum consiga passar o crivo apertado do Controlo Estético e Ideológico. Como vão perder, certamente, na prova dos vinhos, sempre era uma consolação, que uma das vossas músicas se ouvisse...
Vaice
(Este texto foi escrito antes da Guerra do Iraque e, por isso, eu ainda assinava Vaice e não Le Vice, como desde então)
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