De entre os vários escrevinhadores deste blog porcino, há um que é, para todos nós, um verdadeiro mito, uma legenda, uma estátua viva. Refiro-me, tá claro, ao Grunfo. O Grunfo tem centenas de filmes, todos catalogados e registados e tem um dossier com a análise pessoal de cada um. Tem milhares de livros - alguns repetidos que faz o favor de oferecer aos amigos - todos também catalogados, classificados numa escalada de uma a cinco estrelas com a respectiva crítica pessoal. O Grunfo sabe todas as capitais do mundo. O Grunfo faz Bordas que é uma coisa que só nós do Porco sabemos o que vem a ser. É o verdadeiro e único criador de todos os 879 artigos dos estatutos confradais. Sabe qual é a diferença entre pargos e sargos. Tem uma memória de elefante e raramente se engana quando discutimos questões do género: qual é a marca dos parafusos dos jipes dos marines no Iraque? Tem um sentido de orientação notável (ou, pelo menos tinha, já lá vamos) e, last but not least, é o maior crítico de gastronomia vivo (ou era).
A esse respeito sempre vos digo que ele organizou três inacreditáveis dossiers, intitulados Sul, Centro e Norte, onde estão referenciados todos os restaurantes do país que valem a pena. Os que sabemos disto ligamos-lhe de todos os pontos do país. Não é raro um gajo estar com ele e tocar o telemóvel com um gajo qualquer pendurado num ponto inóspito de Portugal a perguntar-lhe coisas assim:
- É pá, ó Grunfo, tás bom, tou aqui em Bragança e não sei onde é que hei-de ir almoçar, mene..
Segue-se uma bateria de perguntas metódicas feitas pelo Grunfo:
- Estás sozinho ou acompanhado? A companhia é macho ou fêma? Tens pressa ou tás com tempo? Quanto é que queres gastar?, e mais perguntas assim, até que lá sai o veredicto final:
- Pois, com essas condicionantes tens o Ódelino que tem uma excelente morcela de trás-os-montes e um naco de posta mirandesa que, por acaso já provei quando aí estive e que vale a pena. Atenção à sopa de feijão negro que é imprescindível. Ah e não te esqueças de pedir a mousse de castanhas que é uma obra prima. De entrada manda vir os caracóis dos gajos.
É assim o grunfo, amigo do seu amigo, e organizado, muito organizado, um prodígio da natureza. É por isso que ele é um mito para nós todos e o Cão classificou-o uma vez de forma lapidar como «o homem que conta os próprios passos e os colecciona arrumados numa gaveta». Mais coisa menos coisa!
Pois bem, acontece que os mitos caem. Até mesmo o mito da infalibilidade do Grunfo. Comecei por suspeitar que ele afinal era humano há cerca de um ano quando andámos perdidos durante uma hora ed meia à procura do restaurante Pombeiro na Invicta... Mas entretanto ele convenceu-nos a todos que a culpa tinha sido minha e do co-piloto que devia ter confirmado no mapa o percurso e não o fez. E o mito durou mais um ano. Na semana passada, porém, voltei a suspeitar da mortalidade do Grunfo. O erro foi demasiado crasso. Dirigíamo-nos a Montebelo-Viseu para mais uma jornada de golfe. A estrada de Coimbra até Montebelo é a coisa mais simples que se possa imaginar: sempre a direito pela IP3, não tem nada que enganar até à placa que diz golfe, á direita. Mas o Grunfo conseguiu a proeza inenarrável de se enganar no caminho e cortou no sentido de Carregal do Sal. Resultado: fizemos mais 15 kilómetros e perdemos alguns preciosos minutos para lá e para cá. Do piorio. Nem o meu pai cometeria um erro tão grosseiro. Nem mesmo o Mangas…
Hoje tive a confirmação de que o Grunfo já não é o que era. Deve ser do desgaste, sei lá, mas hoje pisei uma das piores minas dos últimos anos e a culpa foi exclusivamente dele. Ainda por cima em matéria tão sagrada como é a gastronomia. Há uns tempos atrás o Grunfo escreveu um post aqui no Porco intitulado O Maestro Tinha Razão onde fazia o elogio rasgado do restaurante A Sereia, precisamente aqui: http://tapornumporco.blogspot.com/2007/03/o-maestro-tinha-razo-por-z-critrio.html.
Nesse post ele escreve coisas como esta: «Aquilo ali é uma Sereia de Luxo e trata-se sem dúvida do melhor tempero e da melhor cozinha tradicional de Coimbra. Amanhã, Quinta-Feira, há Açorda de Sável. Infelizmente tou pró Porto». E desde esse post que eu e muitos mais que conhecem o mito, andamos a salivar pelo Sereia. Pois bem, hoje liguei ao Grunfo e fomos lá os dois, almoçar ao Sereia. E que tal? Um tugúrio, um verdadeiro tugúrio. Não volto lá, nem morto.
Convém dizer que, para mim, um restaurante não é só a qualidade da comida. É claro que isso é fundamental, mas não troco um bife razoável comido numa barraquinha de uma praia de Arraial da Ajuda por um excelente rizoto servido num caixote de lixo. O Sereia não serve rizotos. Mas não anda longe de um caixote de lixo.
Um gajo entra e aquilo é um susto. A sala de jantar (?), quatro paredes exíguas forradas a corticite de 1940, decoradas a manchas de gordura em estilo Jackson Pollock, quase me fez enjoar. Aquilo dá para 4 ou 5 mesas apertadinhas e não tem janelas. É o bunker do Hitler, pá... Em contrapartida tem vista para os lavabos e como há gajos que se esquecem de deixar a porta do mictorium aberta, há sempre um cheiro pestilento, quer dizer, a mijo mesmo, a perfumar o ambiente. Apeteceu-me logo ir embora, mas esperei pela excelência da comida. Fui ficando. Fiquei quase uma hora à espera, tal a demora… O empregado é uma espécie de quasimodo da restauração e o ambiente… enfim, o ambiente... tinha umas chavalas praí na promissora casa dos 60-70 que tiveram folga no Lar. Depois ainda apareceu um senhor dos seus 80 que parecia avô das que já lá estavam e que demorou uns 10 minutos até se sentar à mesa. O serviço foi demoradíssimo. A comida não era má, mas já nem me lembro do que comemos. E o preço foi, 15-euros-15 a cada um. Para quem almoça por 5-6 euros, como eu, foi de chorar de raiva. Enfim, uma pobreza franciscana, um atentado à joie de vivre. Deprimente! E tudo isto recomendado, enaltecido, venerado pelo Grunfo!
Hoje quando saí do Sereia o mito do Grunfo tinha caído definitivamente, com um estrondo monumental que se deve ter ouvido na China. Estilhaçou-se, esborrachou-se, game-over. Nunca mais se hão-de juntar os cacos. Hoje, 6/6/07, Ulisses afogou-se para sempre num mar de cozido à Portuguesa. E a culpa não foi das sereias: foi mesmo do Sereia…
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