E lá estivemos ontem na Casa de Banho de Alvalade a venerar os Rolling Stones. Convém dizer que me considero um Peregrino Stoniano já com algum curriculo na matéria. Com esta, tenho cinco peregrinações efectivas, fora uma vez que me desloquei expressamente de Mojacar para Benidorm, cerca de 600 km pra trás e prá frente, estava eu a passar férias no país vizinho, para chegar a Benidorm e anunciarem que o Jagger estava afónico. Paciência: fui ver a praia.
Vi-os pela primeira vez ao vivo nos anos 90 quando vieram a Alvalade pela primeira vez, na Urban Jungle Tour. Lembro-me que na altura o país parou e dizia-se que era a última oportunidade de os ver ao vivo. Não foi. O Bill Wyman ainda fazia parte da banda e o concerto foi fantástico!
Depois voltei a Alvalade quando eles cá viram pela segunda vez. Vi-os das bancadas e jurei que nunca mais via nenhum concerto das bancadas. Não gostei do concerto, mas a culpa foi minha, que fui para o estádio ver televisão. No entanto, ainda me recordo de uma versão fabulosa de Heartbreacker, um daqueles fundos de catálogo, como eu gosto.
À terceira fui a Santiago de Compostela. A Babylon Tour não passava por Portugal, eu não tinha bilhetes mas meti-me ao caminho e arranjei-os na candonga. Valeu a pena. Valeu muito a pena. Foi inesquecível a abertura com JJ Flash.
A quarta foi a melhor de todas. Foi em 2003 quando eles vieram tocar aqui ao meu quintal, a Coimbra, num espectáculo único integrado na Licks Tour. Nunca me esquecerei dos acordes de Brown Sugar e do Mangas completamente lívido, parecia o Irmão Jacinto no dia em que Nossa senhora lhe apareceu num azinheira, a dizer-me a propósito do Jagger: «é um animal, mene»… Nunca vi um concerto tão bom; pelos meios envolvidos, pela qualidade técnica, pela alinhamento de luxo e, sobretudo, pela garra dos gajos. Eles deram o litro no concerto de Coimbra e eu nunca tinha visto nada assim. Na altura o Porco esteve lá em peso e todos juraram que nunca haveriam de perder o próximo show da banda, fosse lá onde fosse. Até houve quem falasse em arrancar no dia seguinte para Valladolid onde eles tocariam dois dias depois…
E a quinta foi ontem, na Casa de Banho. Um aparte só para dizer que o único sítio de Alvalade que não se parece com um wc é o póprio wc. Mas adiante.
Entrei, eu e os meus amigos, às 17 30 para arranjar lugar junto à grade da frente. Conseguimos. Vi o Jagger a um metro e quase que apanhava a baqueta do Charlie quando ele a atirou para o público. Mas percebi, desde logo, que este espectáculo não contava com os mesmos meios dos anteriores. A digressão anterior foi a mais lucrativa de toda a história da música (aliás, a última digressão deles é sempre a mais lucrativa). Mas os gajos devem estar mal de finanças , ó o carago, porque resolveram reduzir os custos. Este palco não tem nada a ver com os anteriores, é muito mais pequeno e minimalista. Os efeitos especiais reduziram imenso (onde estão os incríveis efeitos pirotécnicos da Licks Tour?) e quanto à qualidade do som, já lá vamos.
O alinhamento, cito de memória, foi o seguinte:
Start me up, you got me rockin e Rough Justice (a única do ultimo álbum em todo o concerto). Esta foi a fase de aquecimento. O som estava péssimo. Senti-o logo, mas ouvi os primeiros acordes de Start Me Up…
Depois veio a melhor fase do concerto, uma escolha criteriosa em que a matriz Funky/Soul esteve presente. Assim a modos que um novo Mocambo Side, como eles fizeram em Love you Live, mas agora num registo mais Soul, como disse. O alinhamento desta parte foi:
Bitch, She`s so Cold, Can`t you Hear me Knocking (quanto a mim o melhor momento da noite), um clássico do James Brown e uma balada, uma surpresa, No Expectations (de Beggars Banquet) que contou com um dueto entre Jagger e a fadista Ana Moura. Fecharam esta parte do show com Tumbling Dice, o primeiro dos clássicos. Os Stones atingiram nesta fase momentos de grande brilhantismo e o concerto valeu por esta parte. O som estava melhor (ainda que mauzinho).
Depois veio o Keith com as duas músicas habituais para o Jagger descansar. Desta vez foram You Got the Silver (mais uma preciosidade de Let it Bleed que eu não esperava ouvir) e I Wanna Hold You. Para mim a noite estava ganha, o som melhorara e ainda fui às cordas quando ouvi os primeiros acordes de It`s only Rock`n´Roll. A partir daqui…
Enquanto tocavam It´s only R`n`r o palco começou a deslizar até se imobilizar no fundo do corredor, a meio do estádio. Era a parte obrigatória do Stage B. É muito lindo para quem está lá no meio, mas para quem fica mesmo na fila da frente, como foi o meu caso, é lixado, porque um gajo, pura e simplesmente, não vê nada. No B stage ainda tocaram It`s All Over Now (outra surpresa), Satisfaction (quer dizer, eu não sei se tocaram porque não ouvi nada com toda a malta, eu incluído, aos berros e aos saltos) e Honky Tonk Women.
Resta assinalar que eles já não passam pelo estrado a correr como sempre fizeram; agora é o próprio palco quem se move, enquanto eles vão tocando. É esquisito. Dá assim uma sensação, como dizer, de vidente, olhar para o lado e ver o Ron e o Mick a passarem-nos a um metro da cabeça, lá no alto, sei lá…
Não sei o que aconteceu entretanto, porque o som voltou a piorar. Estava definitivamente estragado. Voltaram ao palco principal com Simpathy for the Devil, Paint it Black, Jumpin Jack Flash e, no encore, Brown Sugar. E prontos.
Esta parte do espectáculo foi inconcebível numa banda tão profissional como os Stones. Tive que fazer um esforço para perceber que estava a ouvir os acordes da minha música preferida, Jumpin Jack Flash, imagine-se… E ouvi depois gente que viu o espectáculo das bancadas e nem se apercebeu que Ana Moura tinha cantado em Português. Nem eu. É uma pena que os Stones tenham desinvestido na produção do espectáculo. Os palcos das digressões anteriores foram concebidos por Jeff Koons (Liks Tour) e por Franck Ghery (Steel Weels), sim o mesmo do Gugenheim, e agora isto? E o som, meu Deus, eu sou daqueles que vai lá pela música e pela energia, até podia dispensar este ou aquele efeito desde que a qualidade musical se mantivesse, e fazem-me uma coisa destas?
O que vale é que o mito anda sozinho. Os Stones atingiram um estatuto tal, que basta-lhes pisarem o palco para a malta se atirar ao chão. E até admito que, para um iniciado, o espectáculo de ontem tenha sido fabuloso. Eu próprio, um dinossauro na matéria, reconheço-lhe momentos brilhantes que valeram a noite. Mas comparando com as digressões anteriores, principalmente com a de Coimbra, não há dúvida que o concerto de ontem deixou um certo travo amargo. E onde andaram you can´t always get what you want, Angie, Don`t stop, Gimme shelter, Street Fightin Man, Miss you ou Like a Rolling Stone, que tocaram na Lusa Atenas? Seja como for, eu saí do concerto de ontem, e ainda me lembrava da cara alucinada do mangas no concerto de Coimbra. Brown Sugar/How Can you taste so good..
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