29/06/07

Amanhã Falamos, por Jovem

- Já não me amas…
- Pára com isso, claro que te amo.
- Já não me amas como dantes.
- Mas o que é se passa contigo? Outra vez drama? Porra…
- Estás a ver? Já não tens paciência para mim. Nunca mais conversámos, não olhas para mim, nunca mais me tocaste…
- O que é que queres dizer com isso? Então não te toco todos os dias?! Acabámos de fazer amor!!! Se isso não é tocar vou ali e já venho…
- Já não fazemos amor, Joaquim.
- Essa agora, lá estás tu com as paranóias… Mas já estás na menopausa ou quê? Foda-se, já começo a ficar farto destas cenas de faca e alguidar! Nhãnhãnhã, nhãnhãnhã… que raio de merda! Mas afinal o que é que tu queres?!
- Quero ser amada, Joaquim.
- E isso quer dizer o quê, exactamente? Gosto de ti, és minha mulher, faço-te as vontades, temos sexo duas ou três vezes por semana, às vezes mais, se te apetecer mais é só dizer, estou aqui, não me fui embora, farto-me de trabalhar, o que é que tu queres mais?
- Já te disse, quero que olhes para mim.
- Só faltava mais essa, andas é a ver novelas a mais. Amor, amor… O que é isso do amor? Se uma pessoa gosta da outra e está com ela e a respeita, é amor, ou não é?
- Isso também pode ser amor por um cão. Não percebes nada…
- Ái o caralho… Agora sou burro, não é? Uma besta insensível que não percebe nada! Um animal… Se não gostas come menos…
- Farta de comer menos estou eu, Joaquim…
- Já estou é a ficar farto desta conversa da treta, farto-me de fazer sacrifícios, não tenho amantes, e não é por falta de oportunidades… E o que ganho em troca é isto, moerem-me o juízo com estas merdas dos sentimentos e dos amores… Tens que ser mais forte Isabel, a vida não é assim como tu pensas, isso são tretas dos filmes… tu sabes que eu gosto de ti.
- Tu não eras assim. A vida não tem de ser assim.
- Olha, pois não, faz como quiseres, eu por mim vou para o sofá ver televisão. Já me tiraste o sono, merda para isto.
- Joaquim, espera, precisamos de falar, tu não percebes…
Uma escuridão de silêncio angustiante abateu-se sobre a cama e Isabel apertou mais o lençol contra o peito, amarfanhando-o entre os dedos e reprimindo o choro. Joaquim foi ao frigorífico e instalou-se no sofá. Quando o som da televisão chegou ao quarto Isabel não conseguiu conter mais as lágrimas. Sentia-se só, terrivelmente só, condenada à solidão e a uma existência mecânica sem direito a felicidade, aprisionada num quotidiano gelado. A sua mente contorcia-se entre o que poderia ter sido, o que foi, o que não é, o que não será, o que tem de ser. Acabou por adormecer na almofada encharcada em lágrimas. Na sala, Joaquim olhava sem ver para o écran da TV e engolia a raiva, debalde tentava acalmar a fúria de não conseguir amar para fora, a frustração da sua própria incapacidade de exprimir afecto. Isabel tinha razão mas algo maior do que ele reprimia o gesto sentimental e a doçura. Foi à varanda do sétimo andar e acendeu um cigarro. Nem conseguia chorar. Já não tinha lágrimas. Tentou ir até ao quarto, pedir desculpa à mulher, imaginou-se a acender a luz e a dizer-lhe que ele era de facto uma besta, que ela tinha razão e merecia mais e melhor, beijinhos, abraços e toda a ternura do mundo, que lhe traíra as expectativas, que a amava mas que já não sabia como, que não a queria perder e que ia mudar, que compreendia perfeitamente a questão do toque, que a compreendia, sobretudo que a amava ainda, muito, que precisava de ajuda para voltar a amar como dantes, a dizer “amo-te” espontaneamente como dantes, que foi a puta da vida que o tornou frio e distante, que voltaria a dar-lhe carinho e flores, muitas flores, como dantes. As pernas, no entanto, não se mexeram. Amanhã. Pensou. Amanhã digo-lhe.

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