12/06/07

Curzio Malaparte, Um Escritor Conhecido Pela Casa, por Alquimista


Já toda a gente ouviu falar de Curzio Malaparte, um escritor italiano vagamente conotado com o fascismo italiano. Mas poucos ou nenhuns se lembram de algum dos seus livros e duvido que haja aqui alguém que o tenha lido. De todo o modo, é irrelevante para o que aqui me traz. Curzio escreveu duas obras famosas que é o Kaputt e A Pele. Andei meses com o Kaputt da biblioteca municipal na mão e não consegui ler aquilo. Adiante, que o que interessa é a Casa. A casa Come Me. A Casa Como Eu. É que pela casa já o Curzio é conhecido. Quem é que desconhece por completo a casita das figuras? Fica num promontório rochoso da ilha de Capri (sim, a mesma do Imperador Tibério e do sueco Axel Munthe, e voltaremos lá pela mão deles) e vale a pena seguir-lhe os tijolos. Pela mão de terceiros, aqui vai:

Bruce Chatwin, no Anatomia da Errância: “Curzio Malaparte foi um escritor muito estranho e a sua villa, que ele construiu nos anos 1938-40, no solitário promontório do Capo Massullo, é uma das habitações mais estranhas do mundo ocidental. Um navio “homérico” encalhado? Um altar moderno a Poseidon? Uma casa do futuro - ou do passado pré-histórico? Uma casa surrealista? Uma casa fascista? Ou um refúgio “tiberiano” de um mundo enlouqecido? É a casa do dandy e folião profissional, o Arcitaliano, como era conhecido pelos amigos - ou do melancólico romântico alemão que jaz sob a aparência, mascarado? A casa “pura” de um asceta? Ou o teatro inquieto e privado de um insaciável Casanova? O que sabemos é que Malaparte pediu ao arquitecto, Adalberto Libera, que lhe construísse uma “casa come me”, tão “triste, dura e severa” como ele próprio julgava ser. No seu bloco de notas, em grandes letras negras escrevera um cabeçalho: CASA COME ME - e, na verdade, até ao mais pequeno pormenor burguês, a casa é uma biografia do seu proprietário.”

Deixando o Chatwin, vamos ver alguma coisa da agitada vida do Malaparte: “Quando rebentou a I Guerra, alistou-se na Legione Garibaldina e distinguiu-se em combate na frente austríaca e depois em Reims, onde foram mortos pelo menos dez mil italianos e ele próprio ficou com um pulmão lesionado pelo gás.”

“Após a guerra tornou-se jornalista e fascista. (…) Contudo, foi suficientemente astuto para ver, logo de início, a crueldade absurda do movimento de Mussolini; e, com o seu sentido de humor corrosivo, nunca resistia à tentação de zombar dos homens do poder.”

Em jornais e revistas, Curzio ridicularizou o Duce e gozou que nem um perdido com Hitler. Lixou-se. Estava enganado sobre o regime em que acreditava.

“Foi preso e acusado de actividades antifascistas. Foi espancado e condenado a um exílio de 5 anos na ilha de Lipari. A tortura e a prisão não lhe acabaram com as simpatias fascistas e após o exílio fez reportagens da campanha italiana da Etópia favoráveis a Mussolini.”

“Comprou então o promontório Capo Massullo a um pescador de Capri, e disse que ia lá criar coelhos; em vez disso, encomendou a Libera a construção da “casa como eu”.”

“A Casa Come Me, com vista magnífica de mar, céu e rochas, destinava-se a satisfazer o seu “melancólico desejo de espaço” e a reproduzir ao mesmo tempo, no seu modo próprio e grandioso, as condições do exílio de Lipari. Seria o abrigo-mosteiro do homem que, sozinho, fizera frente aos ditadores - uma casamatta, um “fortim”, ou “hospício”, conforme a leitura que fizermos daquela palavra italiana; uma casa da era da máquina, que no entanto iria preservar os valores mais antigos do Mediterrâneo. E ao contrário dos tempos “apolíneos” da Grécia clássica, com as suas florestas de colunas e “telhados colocados a partir de cima”, o edifício - como um santuário minóico - erguer-se-ia do próprio mar.”

“As paredes eram cor de sangue de touro, as janelas como as janelas de um vapor, e havia uma rampa de degraus em forma de cunha, que subiam oblíquos como uma via sacra, até ao terraço do telhado. Era aí que, todas as manhãs Malaparte cumpria um ritual de ginástica, sozinho, enquanto as mulheres apaixonadas por ele ficavam a vê-lo lá do alto, dos penhascos.”

“Aí escreveu Kaputt que terminou em 1943. Durante a II guerra voltou a envergar o uniforme fascista e participou na invasão da Grécia, e foi depois repórter de guerra de simpatias fascistas na frente russa e na polónia. Finda a guerra foi perseguido por colaboracionista e refugiou-se em França e viajou depois pela União Soviética e pela China onde morreu de cancro do pulmão.”

“No seu testamento deixou a Casa Come Me para ser usada por artistas provenientes da República Popular da China em vingança contra as gentes de Capri que o perseguiram no fim a guerra. A família contestou e ganhou e hoje a casa faz parte do património de uma obscura fundação familiar dedicada à arte.” Um escritor conhecido pela Casa.

3 comentários:

tadeuleme disse...

Prezado Alquimista,

Se eu fosse você, tentaria ler o Malaparte, além de um retrato bastante realista das guerras mundiais (sempre bom lembrar-se nesta época de "sem olhos em Gaza")ele ainda escreve com uma saborosa linguagem de "fim de século", miscuindo a atmosfera de d´Annunzio em meio às atrocidades da guerra. A casa de Capri é sempre citada, porém não há pista que leve à sua invenção, somente a crescente misantropia...

Tenha um bom ano aí por Portugal.

Tadeu do Brasil.

Nádia Dias disse...

Li A Pele, do autor, quando tinha 19 anos - hoje tenho 47 - e seus relatos jamais me saíram da cabeça.

BETH BOOK disse...

Il film termina con lo stupro di una fanatica pilota americana da parte dei suoi commilitoni e con la scena di un romano festante travolto da un carrarmato sulla via Appia. Un piccolo incidente per i militari, il segno di una tremenda sconfitta per il protagonista.
Mais trágico que a casa comida é o cérebro comido que se pode avaliar no livro A Pele, lí o livro faz muitos anos e infelizmente não tenho mais o exemplar, mas vale a pena ser lido