Nascer português e continuar a sê-lo a vida toda – é como casar repetidamente com raparigas pobres que repetidamente se nos desquitam. Digo: é uma insensatez voluntária, um solecismo autocapcioso, um, enfim, voluntarismo insensato.
Ultimamente, tenho-me sentido algo cansado de não ser espanhol. Ultimamente, no meu caso, significa trinta anos de decepção, que os primeiros catorze até nem me correram mal de todo. O País não reparou no excelentíssimo nadador e no genial xadrezista que eu era para ter começado a ser aos doze anos. A Pátria não quis saber do pianista que, às mãos ambas, estive em casa para ser, só por causa de uma vez em que acertei quatro marteladas num xilofone de lata.
Mas é que, logo em menino, vi porrada entre grandes à porta de bailes esquentados pelo vinho, pela sexualidade e pela pobreza. Era em bairros que só coruscavam quando o sol perdia quilos. Um desses era o meu bairro. Havia bailes no Clube. Eu fui ver. Era a imitação de Inglaterra e de França. Já estavam mortos os Oliveiras e os Silvas da fundação pretibranca do Clube. Eu gostava da música: parecia-me de uma altura a que talvez fosse maravilhoso chegar sem martelar lata.
As raparigas apertavam-se em chitas de pechisbeque e eram de uma aura apenas desmentida pela pobreza dos sapatos, a escassez de unhas e a nulidade da ortoépia. Transitava dos lados do vento algum rumor de sardinhas queimadas pelo rubi do carvão. Um único plátano vicejava oxigénio, balia o sino coruscações brônzeas sobre tanta laicidade. Motorizadas cilindravam asmas tóxicas, à aproximação do mármore clúbeo sangrado a lâmpada e a bilheteira. Uma carrinha tinha trazido os amplificadores. Os vocalistas ladravam um inglês fonético maravilhoso. Os músicos bebiam ginja como toda a gente.
Havia baile e eu era menino. Houve meninos e eu já não bailo. Agora sou só português.
2 comentários:
Epá, postámos o cão ao mesmo tempo. Tiro os livros e deixo respirar os bailes até amanhã?
deixa andar, que é a mesma coisa.
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