15/09/07

Dancing Days, por John Tri-volta

Sempre tive para mim, enquanto fui jovem, que não há indicador mais fidedigno da nossa entrada na etapa etária de ex-jovem, na idade madura, na idade dos cótas ridículos e retrógados do nosso imaginário juvenil, do que começar a aprender a dançar.

Refiro-me a Dançar Dançar. Não a dançar dançar. Eu dançar dançar já dancei muito e com grande sentimento e empenho, sobretudo nas extintas States ou ETC., lendárias discotecas conimbricenses – como estou cerca de um grau geracional abaixo da restante vara de tapores, esses sim ex-jovens feitos e antigos, frequentava mais a States, já que a ETC. para nós jovens-jovens, era já coisa assim a modos que já a dar para a cótagem, aliás, era mais ou menos uma coutada dos fricólés “da pesada” (isto é, pesados), não obstante o bom som dos sixties e a róckalhada decente. Num lado ou noutro, porém: Saltava-se.

Mas isto foi há cerca de vinte anos, nos extintos anos oitenta. Do século passado! - Falar nostalgicamente de coisas que fizemos apaixonadamente “no século passado” é outro indicador evidente e irremediável de ex-juventude...

Entretanto muito mudou, como é bom de ser, e para o caso vertente da minha ocorrência, refiro-me mesmo a Dançar Dançar, e não aos saltos e encontrões violentos e desconexos a que chamávamos eufemisticamente dançar, ao som de Bauhaus, Cult, Talking Heads, Ramones ou Siouxsie and the Banshees. Muito mais próximo do que se poderá chamar uma dança decente e coordenada, eram por exemplo as danças das tribos mais convencionais, que procuravam outras pistas e outros ritmos; entre outros tugúrios da bétagem, na Scotch, ali na margem esquerda, mais a puxar para as Madonnas e os Michael Jacksons. Sons que apelavam a uma maior coordenação psico-motora e a um nível de sofisticação dançarina superior.

Quando passava temporadas veraneantes na aldeia, frequentava outros sítios de maior aprimoramento dançarino: os bailes. O Baile, aliás, dá matéria fascinante de poste… Aqui sim, havia o cuidado consciente e metódico de não desafinar o passo, ou pelo menos, de não calcar o parceiro(a). Aqui nem me atrevia a entrar na pista! Encostava-me ao balcão do bar ou a um canto e simplesmente aprendia. Aprendi muito mas não pus em prática.

De modo que a minha experiência nas pistas de dança se resumia basicamente a estes contextos. Até que… Até que, hoje, comecei a aprender (aprender a sério, observação e prática) a dançar danças de salão. Bom, não são propriamente danças de salão, o próprio casal de mestres bailarinos fazem uma certa demarcação: São Danças Latino-Americanas. Aulas de iniciação.

Desenrasquei-me, apesar do tosco historial e de todas as parceiras de dança que tive me criticarem (ou gozarem) os gestos emperrados e contidos, dizem que próprios dos europeus, povos regra geral com pouca expressividade corporal. Mas, não obstante ser um europeu perro, sempre me encantou a capacidade expressiva e criativa do corpo. A Dança! Do bailado clássico à kizomba, passando pelo trabalho de coreógrafos contemporâneos fabulosos como Pina Bausch ou por danças rituais como a dos derviches, passando por tipos como Gene Kelley, Fred Astaire, Ginger Rogers ou mesmo John Travolta. Pelos folclores riquíssimos das mais diversas latitudes! Passando em geral pela história, pelo mundo, há todo um universo fascinante de formas de dar vida ao corpo. De dar alma ao corpo.

Não é por acaso, aliás, que a Europa cristã, imersa durante séculos numa teologia social que abomina o corpo, o toque e o desejo carnal, seja tão pouco dada à dança... A dança, de resto, foi banida na generalidade da Europa católica como prática pagã durante a Idade Média. De resto, basta atentar na diferença, por exemplo, entre um Tango e os empertigados e frios Minuetos e Quartilhas dos bailes da nobreza e base da nossa tradição de dança de salão. Até o fado, a música tradicional urbana nacional por excelência, é música de ouvir sentado e estático!... A Valsa, por outro lado, já começou a abrir caminhos creio eu no sentido da paixão da dança. Além disso, apesar dos costumes vigiados pelo altíssimo, cresceram e multiplicaram-se pelo velho continente muitas tradições folclóricas populares bastante interessantes e belas.

Mas o facto é que os povos tropicais, sobretudo, desde sempre libertos de constrangimentos morais em relação ao corpo, têm uma expressividade corporal e uma abertura ao ritmo muito maior que a nossa: Aqueles corpos africanos ou sul-americanos são dança! E dançam, muito. A boa notícia, é que por estas bandas mais frias a moral já não é o que era e que há cada vez mais gente a tentar desenferrujar a musculatura e a aprender coisas como Salsa, Merengue, Son Cubano e outras exóticas artes do corpo. O corpo liberta-se. Até já há filas de senhoras em Lisboa a aprender a dançar no varão e tudo! As escolas de dança do ventre estão cheias, etc.. Sem falar nas missas dançarinas evangélicas, que também são um mundo fascinante.

Enfim, anda muita gente a dançar. Foi, então, neste contexto que tive hoje a minha primeira aula de danças Latino-Americanas. Devo dizer que gostei muito, pois, e que vou continuar. Foi uma experiência muito agradável. Gostei particularmente dos passos básicos da Salsa. Além disso soltei o esqueleto, dei uma alegria à cara-metade, fiz as pazes com a minha velhice e fiz exercício. É mau?

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