09/09/07

Requiem, por Leviatã

De cada uma das raras vezes que entro numa igreja, saio de lá com menos fé que quando entrei. Não seria correcto dizer menos fé em Deus, mas, pelo menos, menos fé em certos padres. Agora aconteceu outra vez.

Fui a uma missa em homenagem a uma pessoa a quem muito queria. Mas, às tantas, o padre resolveu dividir as pessoas que ali estavam em dois grupos:
- Só se está aqui por uma de duas razões, disse ele, ou porque se tem fé ou numa de social. Quem está porque tem fé, está bem. Mas os que estão cá numa de social, não estão cá a fazer nada.

Apeteceu-me logo sair dali. É que eu não tenho fé. Não sei o que hei-de fazer para ter fé, mas acontece que não tenho. Também não tenho a certeza contrária, isto é, a de que Deus não existe, mas vejo tantos motivos de razão para acreditar Nele como para o negar. E do ponto de vista do coração, não sinto fé, prontos, embora gostasse de sentir. Digamos que estou aberto, que sou um agnóstico com desejo de fé.

Mas voltando à missa, não tendo eu fé, mas não sendo mau em Lógica, entendi das palavras do padre que fiquei automaticamente catalogado como um membro do grupo dos «sociais». Ora não é assim, não há apenas duas razões para ali estarmos, como não conseguiu discernir aquele padre na sua miopia dicotómica. Eu fui àquela missa por outra, por uma terceira razão.

Fui porque se tratou de uma oportunidade de reencontrar um pouco da pessoa que perdi nos bocadinhos dela que estão espalhados pelos muitos que lá estávamos e que o amámos. Nós todos éramos, somos um pouco do que ele foi. Nós somos ele, um pouquinho só, mas somos. Foi essa razão desesperada que lá me levou - a de o rever na saudade dos olhos dos outros e na partilha comum. Infelizmente foi como se me tivessem posto na rua. Foi como se o padre tivesse dito: «isto é um clube privado. De acesso reservado e só para clientes habituais». Foi ele quem reduziu tudo a um cruel «aqui somos todos azuis e os amarelos não são bem vindos».

Como é que a Igreja quer ser um espaço comum se exclui assim aqueles que não são os seus? Eu devia sentir-me ali bem recebido e não escorraçado. Até porque a fé, acho eu, não cai do céu, num repente, zás. Não se nasce com fé, pelo menos alguns de nós não nascem. A fé constrói-se, é um processo que cresce lentamente (ou não). Como é que um padre não entende isto? Como é que desperdiça a hipótese de acolher aqueles que, ao menos naquele momento, sentiram que ela, a Igreja, podia ter feito alguma coisa, quanto mais não seja, dar a todos os presentes a possibilidade de recordarem aquele que amaram? Não entendo.

No passado – e até no presente – a Igreja foi missionária: saiu dos claustros da sua Hispânia, da sua Roma, do seu Vaticano e foi espalhar a palavra evangelizadora aos outros, aos africanos, aos índios, aos americanos, aos chineses, aos japoneses… Agora somos nós os índios, os africanos e os chineses - mas quando vamos à igreja sentimo-nos repelidos em vez de acolhidos.

Foto- Cartier-Bresson

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