04/09/07

O Homem Que Deitava Livros Fora, por Alquimista


Deitada a filharada e entregue a mulher às delícias encantatórias da Floribella, Asdrúbal abriu o botão das calças e desapertou o cinto para deixar dilatar à vontade a almoçarada. Com medo da indigestão, Asdrúbal tirou a ideia duma sesta, e amandou a manita por cima do sofá para agarrar um romance que lhe tinham dado.

- Bem, vamos lá a ver que boa merda é esta, pra mo darem não é coisa boa, mas foda-se a cavalo dado não se olha o dente. Adiante. Asdrúbal lê e começa a franzir o sobrolho. Logo na primeira página saltam quatro personagens e duas frases cujo sentido lhe escapa por completo. Começa a ficar irritado. Na segunda página, saltam mais duas personagens e há um parágrafo inteiro de metáforas esguias que se lhe escapam como enguias. É demais. O pobre perde a conta à multidão e começa a resmungar pelos cantos da boca. A mulher manda-o calar que lhe está a estragar a Floribella.

Asdrúbal, dá mais uma chance ao livro e avança a custo e a cuspo prá terceira página. Um martírio, mais duas personagens novas, quando ele já esqueceu as seis primeiras e meia dúzia de frases armadas ao pingarelho, que o deixam enraivecido por as não ter percebido.

- Ora, foda-se, mas custa muito escrever um livro cuma história que se perceba? Era enrabar estes cabrões todos destes escritores de merda cum anti-depressivo pelo cu acima que os fodia a todos. Asdrúbal, espumava e vociferava. O livro enraivecia-o. Sentia a mãos a suar o romance a escorregar. Aquilo era um insulto ao seu ser mais profundo.

Olhou pró livro com ódio, como se de um cabrão personalizado se tratasse. A besta imunda queimava-lhe nas mãos e já não tinha coragem de a voltar a enfrentar. Largá-la e sair da arena era pior. Era dar parte de fraco. Era dar a vitória ao demo e uma derrota pessoal. Olhou pró livro como certa vez olhou pró sogro em hora desenganada. Um ódio profundo ao maço encadernado subiu-lhe pelas entranhas acima e rebentou-lhe num arroto sonoro que lhe azedou a boca e o cérebro. O cabrão do livro gozava e ria-se dele.

- Tu tás fodido, ganda cabrão, não te ficas a rir. Asdrúbal esperneava e saltava no sofá. A mulher olhou-o com medo e Asdrúbal decidiu que não era tarde nem era cedo. Era já e ali. Ele ou eu. A rir é que o cabrão se não fica. Asdrúbal, acelerado e raivoso, abotoou as calças e fez-se ao elevador. Desceu os oito andares da torre e correu até ao cimo da rua. Esbaforido, abriu a tampa do contentor do lixo e com raiva assassina, forçou o sacana do livro nas entranhas da estrumeira. Fechou tampa com quanta força tinha e respirou fundo. Só então se sentiu aliviado. - Toma, cabrão, agora ri-te meu filho da puta!

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