11/02/04

HISTÓRIA DOS "ÉFES", por Dog

Há quase vinte anos, o meu enorme amigo António Cação, de Trouxemil, Coimbra, contou-me uma historieta que tem sido uma das mais seguras alegrias da minha vida. Sempre que, em ambiente de amigos, a conto, o êxito é limpinho. Vou narrá-la pela primeira vez sob a forma escrita. Lembrei-me de o fazer porque esta é também a minha última crónica “Ouro e Sal”. No momento da despedida dos meus muitos e muito caros leitores de “O Eco”, quero, com a história dos “éfes”, deixar-vos o firme e luminoso sinal do melhor dos sentimentos: a Amizade. Obrigado, Amigos. E cá vai a história.
Fulano vai almoçar a um restaurante. É a primeira vez que lá vai. O empregado de mesa, que nunca o viu na vida, desconhece que o tipo só fala por éfes.
-Boa tarde. O que deseja almoçar?
-Frango frito frio.
-E para beber?
-Fundação Fina Flor.
-Como deseja o vinho?
-Fresquinho.
Nesta altura, o empregado, já meio à rasca com a fala do cliente, faz mais perguntas a ver se o tipo se descai com uma palavra que não comece por F.
-E deseja pão?
-Faça favor.
-E como quer o pão?
-Faça fatias fininhas.
O empregado, sem saber o que fazer á vida, continua a tentar.
-E sobremesa, vai querer alguma coisa?
-Fruta, fruta fresca, faça favor.
-Que tipo de fruta?
-Figos. Fresquinhos...
-Figos não temos. Só se for pudim...
-...flanzinho, faz favor!
Completamente enrascado, o empregado deixa-o a comer e a beber e vai fazer queixa ao patrão. O dono do restaurante aproveita para prègar um sermão ao empregado. Diz-lhe que, numa casa aberta ao público, o mais natural é que entrem todos os tipos de pessoas. Mas que ele patrão, lhe vai mostrar como se dá a volta a um tipo esquisito como aquele.
Pensava o patrão...E lá foi ele falar com o cliente dos éfes.
-Boa tarde, caro senhor. Nesta casa, gostamos de praticar uma política de bom acolhimento do cliente, de tal modo que, comendo aqui, todos se sintam como se comessem em sua própria casa. De maneira que gostaria de falar um pouco consigo.
-Francamente! Faça favor! Fale, fale...
-Como se chama o senhor?
-Francisco Ferreira Fagundes Fernandes.
-E é de onde?
-Fortaleza Franca.
-Isso é de que freguesia?
-Freguesia? Figueiró.
-E que faz o senhor na vida?
-Fui ferreiro.
-O senhor fala de uma maneira que deixa pensar que deixou a profissão...
-Fui forçado!...
-E foi forçado porquê?
-Faltou ferro.
Também já completamente à toa, o patrão da casa percebe que o homem é rijo, que não é fácil dar-lhe a volta. Mas, ainda assim, continua a tentar.
-Ouça, mas enquanto ainda era ferreiro, fazia o quê?
-Ffff...fazia facas, farpas, ferraduras, foices, farpões, fogões,...Ferramentas!...
O dono do restaurante aceita a derrota. Percebeu que não é possível dar a volta ao prego a um tipo daqueles. Numa última tentativa, diz:
-Amigo, nunca vi nem ouvi nada como o senhor. Mas digo-lhe: se me fizer mais uma frase de cinco ou seis palavras todas começadas por F, ofereço-lhe o almoço á borla!
-Todo feliz, diz o cliente:
-Foi formidável: fazendo fiado, fiquei freguês!

Como devem calcular, esta história já foi por mim contada muitas vezes. Mas, em Dezembro de 1985, aconteceu-me, por causa dela, uma coisa engraçada. E juro que aconteceu mesmo. Foi assim: estava num jantar entre amigos. Era uma festa de Natal. Eu tinha ido tocar viola, a coisa tinha corrido bem. Pela hora dos digestivos, o pessoal começou a contar anedotas. Eu, é claro, contei a dos éfes. Fartaram-se de rir. E reagiram de uma maneira curiosa. Toda a gente começou a tentar falar por éfes. Mas é difícil. De modo que começaram a adulterar os nomes uns dos outros. O senhor Coelho transformou-se em fenhor Foelho. O Cabanas virou Fabanas. O Zé tornou-se Fé.
Às tantas, uma rapariga (e jeitosa ainda por sinal...) chamou-me:
-Oh Faniel!
Sem pensar no que dizia, chamei-lhe o nome também adulterado pela inicial F. Sabes, querido leitor, como se chamava, para minha vergonha, a rapariga? Juro por Deus que é verdade: chamava-se Judite...
E eu juro que nunca fiz tal coisa à moça.

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